sábado, 24 de outubro de 2009

3º Congresso do SEMAPI/RS

Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável SEMAPI/RS

Nos dias 21, 22 e 23 de outubro/2009 foi realizado o 3º Congresso do SEMAPI/RS - Trabalho Decente e Qualidade de Vida, no Hotel Fazenda Figueiras, em Mariluz.

Dentre os vários temas tratados no Congresso*, Sustentabilidade e Meio Ambiente: O engajamento dos Atores Sociais por Justiça Cimática, foi o tema desenvolvido pela geóloga e coordenadora da ONG Amigos da Terra Brasil, Lucia Ortiz.

Lúcia foi convidada pelo Coletivo Desenvolvimento Sustentável - CDS do SEMAPI que, juntamente com o Instituto Biofilia, está formulando, já em fase final, o Projeto Cultura Ambiental, Consumo e Sustentabilidade – As bases para a construção de uma REDE EcoSindical pela SUSTENTABILIDADE. A primeira edição desse Projeto está prevista para ocorrer em Dez/2009, no SEMAPI. O público que desfrutará dessa formação é: dirigentes sindicais, trabalhadores (as) dos sindicatos e a base sindical.

Na tarde de 22/10 e manhã de 23/10 o CDS coordenou o trabalho em grupo que aprofundou o debate sobre o tema Sustentabilidade e Meio Ambiente. O objetivo central dos trabalhos foi delinear as grandes linhas de ação para o Sindicato nos próximos quatro anos. Participaram da Oficina, trabalhadores (as) da EMATER, FASE, FADERS, FEPAM, FUNDAÇÃO ZOOBOTÂNICA e FGTAS.

O debate foi riquíssimo e podemos afirmar que o tema tem uma grande acolhida na categoria. Um dos momentos ricos dos trabalhos foi o relato de experiências de cada participante nos seus locais de trabalho, na perspectiva da SUSTENTABILIDADE.

Abaixo, síntese das proposições da Oficina, foto dos participantes e, mais abaixo, texto-base que orientou o debate do grupo.

Grupo Sustentabilidade e Meio Ambiente

1 Quebra de paradigma
1.1 Desenvolver oficinas para a base, diretores e trabalhadores do sindicato, visando estimular a reflexão, sensibilizar e ampliar a consciência para a adoção de práticas ecologicamente corretas. Aprofundar conceitos importantes como crescimento x desenvolvimento. Formar nessas oficinas multiplicadores de sensibilização e de práticas sustentáveis.
1.2 Divulgar as práticas de sustentabilidade nas mídias do Semapi e em outros veículos de comunicação
1.3 Mobilizar e sensibilizar a categoria para fomentar nos seus locais de trabalho práticas sustentáveis e para realizar ações de formação para a sustentabilidade.

2 Construção de uma rede ecosindical
2.1 Articular sindicatos que já atuam na linha da sustentabilidade bem como aqueles que ainda não tem afinidade com o tema para a realização de ações de formação conjunta, para a socialização das experiências em curso e para projetar ações em rede para o futuro.
2.2 Denunciar os agressores do ambiente e divulgar as boas práticas de forma articulada com os movimentos sociais.
2.3 Elaborar projetos para captar recursos para investir em formação para a sustentabilidade. Em especial daquelas entidades (Senar) que trabalham na direção oposta da sustentabilidade.




* Ver cobertura completa do Congresso no site www.semapirs.com.br
As abordagens das principais palestras, dentre elas a de Lúcia Ortiz, estão registradas no site com muita propriedade.

REDE EcoSindical pela Sustentabilidade

Coletivo Desenvolvimento Sustentável SEMAPI/RS

O SEMAPI, em 2006, no II Congresso, tirou como uma de suas resoluções a criação do Coletivo Desenvolvimento Sustentável - CDS, sendo este instituído pela gestão 2007-2010.

A análise feita pelo Coletivo para orientar o seu planejamento estratégico teve como centralidade o cada vez mais evidente impacto da ação humana sobre o meio ambiente. Foi debatido o modelo de desenvolvimento vigente, movido pela lógica produtivista e baseado no esgotamento dos recursos naturais e na exploração social do trabalho, concluindo que os rastros de destruição que o mesmo vem deixando exigem respostas concretas e urgentes da sociedade.

Constatou-se no debate que, sendo o padrão de consumo, um dos pilares de sustentação desse modelo, imposto e adotado pela maioria da população, que, irreflexiva e inconscientemente cede ou concede ao capital, a ele, estrategicamente, devem ser dirigidos os esforços para a sua superação. Esta, passa pela percepção do papel que cumpre a grande mídia, com a sua publicidade muito bem elaborada, a qual tem sido capaz de penetrar na mente e na subjetividade das pessoas, orientando ou determinando as suas decisões cotidianas.

A sociedade do “Ter”, assim denominada por aqueles que fazem a crítica da supremacia deste em relação ao SER, atingiu um patamar tal de anestesiamento que grande parte das pessoas tornou-se incapaz de perceber o real significado dessa “obediência coletiva”. Escapa-lhes o fato de que as suas decisões de consumo, além de servirem, sobretudo, aos interesses de uma classe, a dominante, fortalecendo-a, têm trazido conseqüências que afetam o bem viver do conjunto da população.

Frente a essa análise de conjuntura o Coletivo Desenvolvimento Sustentável – CDS formulou a sua MISSÃO, tendo sido a mesma assim definida: “LUTAR pela sustentabilidade do Planeta, desencadeando junto à base do SEMAPI e do Movimento Sindical, processos que oportunizem uma reflexão crítica sobre o modelo de desenvolvimento hegemônico, construindo uma ponte para a adoção de práticas cotidianas capazes de inverter a lógica estabelecida e de constituir as bases para um modelo de desenvolvimento sustentável.”

Uma das premissas que orientou o planejamento estratégico do CDS é que as alterações ambientais não se reduzem a um problema meramente ambiental e que acordos e medidas para a sua mitigação não se limitam a ações de maior eficiência no uso de recursos naturais ou na adoção de planos de conservação. Alterações estruturais da economia e dos hábitos de consumo são parte fundamental da solução.

Assim sendo, um dos eixos estruturantes do planejamento foi o Consumo e Sustentabilidade, o qual organiza as ações relacionadas à Significação e Re-significação do Ato Cotidiano de Consumir.

Esse eixo, além de dialogar com a premissa acima citada, justifica-se pela compreensão de que o padrão de consumo da sociedade contemporânea é um dos principais responsáveis pelos danos sociais, culturais e ambientais que o planeta terra hoje vivencia, constituindo-se em pilar de sustentação do modelo de produção hegemônico, que é socialmente excludente, ambientalmente insustentável e economicamente injusto.

Para enfrentá-lo, definimos como um dos passos fundamentais entender coletivamente os mecanismos utilizados para garantir a sua reprodução, dentre eles, a criação artificial de necessidades pela indução ao consumo desenfreado e alienado.

Nesse sentido, desvendar esta indução, assim como a cadeia de valores que está oculta atrás de cada produto, deve ser parte da superação da lógica econômica perversa a qual estamos submetidos. Para tanto, um passo essencial é trazer para o plano da consciência a noção de que o ato de consumir não é inócuo em sua consequências. E, dotar de intencionalidade política esse ato é um movimento essencial para estabelecer processos de fortalecimento de outra lógica produtiva, esta, orientada pelos valores e princípios da sustentabilidade, como justiça social, ambiental, cultural, além da ética e da solidariedade.

O Planejamento estratégico do CDS também definiu como eixos estruturantes a economia solidária e a articulação com os movimentos sociais, em particular com o sindical e ambientalista. Nessa linha, outra idéia que vem orientando o seu debate e ação é a da organização EM REDE como fator estratégico para a potencialização de suas ações.
Acreditamos que a interação, a troca sistemática e a ação cooperada, a partir do acúmulo histórico de cada movimento favorecem a criação das sinergias necessárias para a construção do novo ao qual o SEMAPI desafiou-se a partir do Congresso de 2006.

O Coletivo, nessa linha de provocar a sua base para a reflexão acerca do tema da SUSTENTABILIDADE e sensibilizá-la para novas práticas já, a partir de outro paradigma, desenvolveu o blog www.sustentabilidadesemapi.blogspot.com e também organizou no Sindicato seminários temáticos. E, de forma inovadora, estimulou a criação do Núcleo Ecológico pela Sustentabilidade do Semapi – NECOSS, constituído por trabalhadores (as) do Sindicato.

Ainda, orientados por esses eixos estruturantes, Consumo e Sustentabilidade, Articulação com os Movimentos Sociais, e, pela idéia-força de REDE, associada a Economia Solidária, o Coletivo Desenvolvimento Sustentável do SEMAPI, dando prosseguimento e, com a mesma intensidade de quando deliberamos pela sua criação em 2006, propõe o projeto Cultura Ambiental, Consumo e Sustentabilidade – As bases para a construção de uma REDE EcoSindical pela Sustentabilidade. Elege, no seu âmbito, como temas centrais de reflexão, as múltiplas dimensões da sustentabilidade e o padrão de consumo e de produção da sociedade capitalista.

Com esse Projeto entendemos avançar no enraizamento das sementes da sustentabilidade, esta, característica essencial da nova sociedade que queremos construir. Com ele, articulados com o movimento ambiental e sindical, construiremos as bases para a constituição de uma grande REDE estratégica capaz de materializar as mudanças as quais nos propomos. A articulação com a CUT/RS está no horizonte do Projeto, pois, a sua capacidade articuladora e o seu desafio de construir um novo projeto de sociedade, potencializam, no nosso entendimento, as possibilidades de alcançarmos e consolidarmos o que esperamos.

Agora, convictos de que mudanças culturais se efetivam apenas a partir de profundas e sistemáticas reflexões, pela incorporação de novas práticas e também pela troca de acúmulos entre diferentes atores sociais, projeta-se para 2010 a efetiva construção da REDE EcoSindical, a qual deverá ter vida longa para prosseguir nas transformações necessárias. Caberá à próxima gestão do SEMAPI garantir o seu fortalecimento e consolidação para então passarmos para outro patamar do debate.

Acreditamos que os sindicatos, além de sua missão clássica de lutar por melhores salários, melhores condições de trabalho, organizar a classe trabalhadora, defender os direitos difusos, denunciar e combater às políticas neoliberais, devem também tomar para si este outro desafio. Assim, afirmam-se como atores sociais e políticos com efetivo compromisso com as questões que atingem tanto a vida da sociedade local como a do planeta, assumindo desta forma o protagonismo no processo de superação do modelo perverso ao qual estamos submetidos

Nas Oficinas de Mobilização e Sensibilização a serem realizadas no âmbito do projeto Cultura Ambiental, Consumo e Sustentabilidade – As bases para a construção de uma REDE EcoSindical pela Sustentabilidade, o modelo de desenvolvimento hegemônico e seus mecanismos serão debatidos. Para melhor compreendê-lo, o foco de análise se deterá nas consequências ambientais, sociais, políticas, econômicas, éticas e culturais produzidas pela crescente industrialização da cadeia produtiva de alimentos e pela disseminação, pelo capital, de valores que induzem ao consumo desenfreado como forma de afirmação e legitimação social.

O recorte na produção de alimentos deve-se a posição estratégica desse setor do ponto de vista da soberania alimentar e da importância desta para a autonomia da nação. Deve-se também ao peso da cadeia produtiva alimentar no processo de degradação ao qual estamos submetidos, uma vez que se industrializa cada vez mais e cada vez mais fica submetida às grandes transnacionais as quais tomam contam de nossos territórios e nos impõem hábitos que destroem a nossa cultura alimentar.

Frente ao exposto, fica evidenciado que a questão ambiental não é apenas ligada a ecologia ou a conservação de ecossistemas. Portanto, faz-se necessária a criação de mecanismos sociais, políticos e formativos capazes de provocar a reflexão e dar densidade a outras formas de compreender, pensar e agir, somando-se as estratégias específicas e, a partir daí, constituindo as bases sociais para outro tipo de desenvolvimento.

Ousar para transformar. Com a REDE EcoSindical tecida e amadurecida em seus propósitos e práticas, teremos criado as condições para a classe trabalhadora, base dos sindicatos que integram a REDE, pensar e lutar por outro modelo de sociedade. Onde, finalmente, a produção e o consumo estarão organizados a partir de referenciais sócio-ambientais e todas as formas de dominação e exploração foram superadas. Onde a autogestão e a distribuição da riqueza serão fundantes do modelo.

Portanto, caberá a REDE aprofundar e ampliar cada vez mais o processo reflexivo e paralelamente fomentar a adoção de práticas sustentáveis por parte das organizações e de suas bases, buscando contagiar desta forma a sociedade no seu conjunto. O Projeto Cultura Ambiental, Consumo e Sustentabilidade é uma das ferramentas para tanto e, o Coletivo Desenvolvimento Sustentável do SEMAPI/RS, um dos atores responsáveis para levar adiante esse compromisso.

Assim, estaremos efetivamente avançando na criação das condições para a construção do novo que preconizamos, o qual poderá ter inúmeras denominações, dentre elas, o ECOSSOCIALISMO. Por que não?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

”Proteger espécies agrícolas é tão importante quanto proteger a Amazônia”

A pesquisadora Juliana Santilli, autora do livro “Agrobiodiversidade e direito dos agricultores”, explica o que é a agrobiodiversidade, e quais políticas devem ser adotadas para proteger as variedades agrícolas e os agricultores, contribuindo para a defesa ambiental e para a segurança alimentar.

A reportagem e a entrevista é de Bruno Calixto e publicada por Amazonia.org.br, 08-10-2009.

Os defensores do meio ambiente costumam dar grande destaque para a questão da biodiversidade, alertando para os riscos da extinção de espécies. Entretanto, a biodiversidade agrícola, de espécies cultivadas como o arroz, o feijão, o milho, é geralmente negligenciada.

Para entender melhor esse conceito de agrobiodiversidade, o site Amazonia.org.br conversou com a pesquisadora e doutora em direito ambiental Juliana Santilli, que lançou recentemente o livro “Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores” (Ed. Peirópolis, 514 págs.).

Juliana explica que, segundo estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 95% das espécies agrícolas desapareceram nos últimos cem anos. Com a modernização da agricultura e ênfase na monocultura, muitas outras espécies estão ameaçadas, colocando em risco nossa segurança alimentar.

Além disso, a autora fala da importância de políticas para a agricultura familiar, no âmbito do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), e sobre os direitos dos agricultores. “O reconhecimento dos direitos dos agricultores é uma parte chave de qualquer política de reconhecimento e valorização da agrobiodiversidade”.
Eis a entrevista.

O que é agrobiodiversidade?
Agrobiodiversidade é a biodiversidade agrícola. Corresponde aos três níveis de diversidade: a diversidade de espécies agrícolas, por exemplo, arroz, feijão; a diversidade de variedades agrícolas, pois dentro de uma mesma espécie existem diversas variedades; e a diversidade de ecossistemas agrícolas, como sistemas agroflorestais, de queima e pousio [descanso ou repouso dado às terras cultiváveis], e outros. Então a agrobiodiversidade encobre esses três níveis.

É comum vermos denúncias de espécies de animais ameaçados de extinção, e da perda da biodiversidade. A agrobiodiversidade também está ameaçada?
Sim, está ameaçada. Há estudos feitos pela FAO que mostram que nos últimos cem anos os agricultores perderam entre 90% e 95% de suas espécies e variedades. O que ocorre é que em geral as pessoas associam a biodiversidade às plantas e animais silvestres. Há poucas políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade agrícola. Essa foi a razão pela qual eu quis escrever esse livro.

Os próprios juristas que trabalham com direito ambiental têm se ocupado muito pouco no tratamento jurídico da agrobiodiversidade. Historicamente, o componente cultivado da biodiversidade tem sido negligenciado pelos ambientalistas e pelas políticas de órgãos públicos. E, na verdade, proteger variedades de mandioca, milho, arroz, e os nossos ecossistemas agrícolas, é tão importante quanto proteger a floresta amazônica, a Mata Atlântica, o mico leão dourado. Muitas variedades de espécies agrícolas já se extinguiram, e outras correm risco de extinção.

A nossa alimentação se baseia em um número cada vez mais reduzido de espécies, e isso tem consequências não só para o meio ambiente, mas para a nossa saúde, que está diretamente associada à qualidade dos alimentos que nós comemos. Nossa alimentação se torna mais pobre. Poucas pessoas se dão conta da interface entre os modelos agrícolas hegemônicos e o padrão alimentar que nos é imposto.

O que causa essa perda da agrobiodiversidade? Isso está relacionado à modernização da agricultura?
O relatório da FAO que eu citei antes aponta como principal causa a substituição das variedades locais heterogêneas, de ampla base genética, pelas variedades industriais, aquelas que são adotadas por um modelo industrial de agricultura, pelas monoculturas com uso de variedades homogêneas e altamente dependentes de insumos externos. Essa é a principal causa da perda da agrobiodiversidade: a adoção de modelos agrícolas monoculturais que usam uma única espécie, ou números muito reduzidos de espécies e variedades agrícolas, ao contrário dos sistemas locais que tendem a ser mais diversos.

Que tipo de política seria necessária para defender a agrobiodiversidade?
Algumas políticas que têm sido adotadas no MDA, a favor da agricultura familiar, tendem a favorecer mais a agrobiodiversidade. A própria criação da Secretaria da Agricultura Familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, programa de aquisição de alimentos, são iniciativas positivas. Entretanto, ainda é pouco, porque você tem muito mais subsídios e políticas voltados para o agronegócio, para a monocultura. Às vezes uma única roça familiar ou tradicional tem uma diversidade muito maior do que em toda uma plantação de soja.

No livro a gente propõe alguns novos instrumentos. Por exemplo, não temos ainda uma categoria de unidade de conservação ambiental voltada para a agrobiodiversidade. Acho que seria importante que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação incluísse algumas categorias voltadas para a agrobiodiversidade, e acho que seria interessante também pensar em alguma coisa como uma reserva de segurança alimentar. Seriam áreas nas propriedades rurais, um percentual, uma parte dessas áreas que teriam que se dedicar à agricultura para abastecimento interno, para gêneros alimentícios. Como uma medida de segurança alimentar.

Existem também iniciativas, por exemplo, no âmbito do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), com a Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro. Eles apresentaram um pedido para que seu sistema agrícola tradicional seja reconhecido como patrimônio cultural e material. Caso se reconheça o sistema agrícola do rio Negro como um bem que integra o nosso patrimônio cultural, isso passará a obrigar o poder público a adotar políticas de conservação, de estímulo.

No âmbito da FAO temos um programa para os sistemas agrícolas engenhosos de patrimônio mundial. Da mesma forma que você tem o patrimônio comum da humanidade, a ideia é ter reconhecimento para esses sistemas agrícolas diversos, que reúnem tanto uma grande diversidade biológica como também uma grande diversidade sociocultural.

No plano nacional, o Ipham criou uma categoria da chancela de paisagens naturais, e algumas paisagens agrícolas. Por exemplo, o vale do Itajaí está sendo considerado para fim de reconhecimento como paisagem natural. Enfim, são apenas alguns exemplos.
O livro também aborda os direitos dos agricultores. Quais são esses direitos?
O reconhecimento dos direitos dos agricultores é uma parte chave de qualquer política de reconhecimento e valorização da agrobiodiversidade, porque os agricultores têm papel fundamental na conservação da agrobiodiversidade.

Recentemente o Brasil ratificou o tratado da FAO sobre recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura. Como os ambientalistas dão pouca atenção para a agrobiodiversidade, esse tratado não teve a mesma repercussão que a convenção sobre diversidade biológica, com instrumentos mais voltados para a biodiversidade silvestre.

Esse tratado é um marco importante, porque entre outras coisas prevê o direito dos agricultores: o direito aos conhecimentos tradicionais associados à agrobiodiversidade, a repartição dos benefícios gerados pela utilização da agrobiodiversidade, o direito dos agricultores de guardar, trocar, produzir as suas próprias sementes, e o direito de participação política dos agricultores, em todas as instâncias de decisão que os afetem: a política agrícola, agrária, em relação à produção e comercialização de sementes.

Não que os direitos dos agricultores deva se limitar aos que estão previstos no tratado. Eles são muito mais amplos, incluem o direito de acesso a terra, a água, as políticas de crédito, a reforma agrária. Mas esse tratado é um marco importante para se pensar na definição dos direitos dos agricultores. É um primeiro passo.

Esses direitos já são reconhecidos pela sociedade?
Não. Principalmente porque nos últimos anos as leis de sementes, que regulam e estabelecem as normas de produção, comercialização e utilização de sementes, estão extremamente restritivas e tendem a favorecer apenas os sistemas formais. Os sistemas locais, em que a produção está na mão dos próprios agricultores, têm pouco reconhecimento legal. Embora a lei de semente tenha algumas brechas, na prática as organizações de agricultura familiar têm encontrado dificuldades para trabalhar nos termos da lei de sementes.

Uma das ameaças aos direitos dos agricultores são leis de sementes muito restritivas, e leis de proteção de cultivares, que também tendem a ser restritivas. Atualmente os agricultores têm direito de guardar para uso próprio as sementes de variedades protegidas, um direito reconhecido pela lei brasileira em vigor. Entretanto, há iniciativas no Congresso Nacional que pretendem restringir essa possibilidade do agricultor guardar as suas sementes para usar na safra seguinte, o que no meu entendimento é uma violação dos direitos do agricultor.

O Brasil já ratificou esse tratado internacional, foi aprovado pelo Congresso, promulgado pelo presidente, está em vigor desde o ano passado. Portanto o país deve cumprir com as obrigações que assumiu no plano internacional e implementar os direitos dos agricultores antes de adotar qualquer nova legislação que possa criar novas restrições e novos empecilhos aos direitos dos agricultores.

Um dos capítulos do livro faz uma relação entre as sementes e o movimento do software livre. Que relação é essa?
O que eu tento mostrar é um pouco as conexões entre o movimento software livre e os commons e as sementes. Em determinado momento, as pessoas que desenvolvem programas de computador, conhecidos como hackers, se deram conta de que uma excessiva proteção do direito de propriedade intelectual sobre o software acabava restringindo sua liberdade de criação e circulação de informações, e desenvolveram softwares em que o código fonte é aberto, para permitir que outros programadores possam desenvolver outros softwares.

Em certo sentido, o que muito agricultores familiares reivindicam é isso, um acesso livre as sementes e a informação genética contida na semente, para que eles possam intercambiar livremente as suas sementes, utilizá-las como fonte de variação no melhoramento que é feito pelos próprios agricultores. É nesse sentido, uma forma de garantir o acesso, não completamente livre, mas totalmente regulado, às sementes.
(IHU-Online)

sábado, 10 de outubro de 2009

Dia da Criança: Cidadã ou Consumista?

Frei Betto *
Adital

Na próxima segunda, 12 de outubro, comemora-se o Dia da Criança. Momento de refletir o que temos feito com as nossas. Estamos formando futuros cidadãos ou consumistas?

Pesquisas indicam que as crianças brasileiras costumam passar 4 horas por dia na escola e o dobro de olho na TV. Impressiona o número de peças publicitárias destinadas a crianças ou que as utilizam como isca de consumo.

A pesquisadora Susan Linn, da Universidade de Harvard, constatou que o excesso de publicidade causa nas crianças distúrbios comportamentais e nutricionais. De obesidade precoce, pela ingestão de alimentos ricos em açúcares ou gorduras saturadas, como refrigerantes e frituras, à anorexia provocada pela obsessão da magreza digna de passarela.

Sexualidade precoce e desajustes familiares são outros efeitos da excessiva exposição à publicidade. São menos felizes, constatou a pesquisadora, as crianças influenciadas pelas ideias de que sexo independe de amor, a estética do corpo predomina sobre os sentimentos, a felicidade reside na posse de bens materiais.

Impregnada desses falsos valores, tão divulgados como absolutos, a criança exacerba suas expectativas. Ora, sabemos todos que o tombo é proporcional ao tamanho da queda. Se uma criança associa a sua felicidade a propostas consumistas, tanto maior será sua frustração e infelicidade, seja pela impossibilidade de saciar o desejo, seja pela incapacidade de cultivar sua autoestima a partir de valores enraizados em sua subjetividade. Torna-se, assim, uma criança rebelde, geniosa, impositiva, indisciplinada em casa e na escola.

A praga do consumismo é, hoje, também uma questão ambiental e política. Montanhas de plástico se acumulam nos oceanos e a incontinência do desejo dificulta cada vez mais uma sociedade sustentável, na qual os bens da Terra e os frutos do trabalho humano sejam partilhados entre todos.

Um dos fatores de deformação infantil é a desagregação do núcleo familiar. No Dia dos Pais um garoto suplicou ao pai, em bilhete, que desse a ele tanta atenção quanto dedica à TV... Um filho de pais separados pediu para morar com os avós após presenciar a discussão dos pais de que, um e outro, queriam se ver livre dele no fim de semana.

Causa-me horror o orgulho de pais que exibem seus filhos em concursos de beleza. Uma criança instigada a, precocemente, prestar demasiada atenção ao próprio corpo, tende à esquizofrenia de ser biologicamente infantil e psicologicamente "adulta". Encurta-se, assim, seu tempo de infância. A fantasia, própria da idade, é transferida à TV e ao apelo de consumo. Não surpreende, pois, que, na adolescência, o vazio do coração busque compensação na ingestão de drogas.

Com frequência pais me indagam o que fazer frente à indiferença religiosa dos filhos adolescentes. Respondo que a questão é colocada com dez anos de atraso. Se os filhos fossem crianças, eu saberia o que dizer: ore com eles antes das refeições; leiam em família textos bíblicos; evitem fazer das datas litúrgicas meros períodos de miniférias, como a Semana Santa e o Natal, e celebrem com eles o significado religioso dessas efemérides; incutam neles a certeza de que são profundamente amados por Deus e que Deus vive neles.

Crianças são seres miméticos por natureza. A melhor maneira de interessar um bebê em música é colocá-lo ao lado de outro que já tenha familiaridade com um instrumento musical. Ora, o que esperar de uma criança que presencia os pais humilharem a faxineira, tratarem garçons com prepotência, xingarem motoristas no trânsito, jogarem lixo na rua, passarem a noite se deliciando com futilidades televisivas?

Criança precisa de afeto, de sentir-se valorizada e acolhida, mas também de disciplina e, ao romper o código de conduta, de punição sem violência física ou oral. Só assim aprenderá a conhecer os próprios limites e respeitar os direitos do outro. Só assim evitará tornar-se um adulto invejoso, competitivo, rancoroso, pois saberá não confundir diferença com divergência e não fará da dessemelhança fator de preconceito e discriminação.

É preciso conversar com elas, através da linguagem adequada, sobre situações-limites da vida: dor, perda, ruptura afetiva, fracasso, morte. Incutir nelas o respeito aos mais pobres e a indignação frente à injustiça que causa pobreza; senso de responsabilidade social (há dias vi alunos de uma escola varrendo a rua), de preservação ambiental (como a economia de água), de protagonismo político (saber acatar decisão da maioria e inteirar-se do que significam os períodos eleitorais).

Se você adora passear com seu filho em shoppings, não estranhe se, no futuro, ele se tornar um adulto ressentido por não possuir tantos bens finitos. Se você, porém, incutir nele apreço aos bens infinitos - generosidade, solidariedade, espiritualidade - ele se tornará uma pessoa feliz e, quando adulto, será seu companheiro de amizade, e não o eterno filho-problema a lhe causar tanta aflição.

Saber educar é saber amar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Publicidade e Consumo Infantil - PL 5921/2001

"A televisão comercial movimenta um mercado milionário com a publicidade voltada para o público infantil. Crianças tornam-se consumidoras cada vez mais cedo, muitas vezes logo depois que aprendem a falar. Psicólogos, educadores e organizações da sociedade criticam essa prática.

- Jorge Broide professor da UNIBAN Universidade Bandeirantes de São Paulo, psicanalista e presidente do conselho consultivo da fundação ABRINQ pelos direitos da criança e do adolescente.

- Lais Fontenelle Pereira mestre em psicologia clinica e coordenadora de educação do Instituto Alana. e

- Fernando Brettas, presidente do sindicato das agências de propaganda do Distrito Federal."