sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2009 - Seminário internacional discute economia solidária no século 21.

“Cobertura FSM2009″ Seminário internacional da ABESOL discute economia solidária e o socialismo do século 21 (Economia Solidária RS/Post 190)

A construção de uma globalização solidária, que respeite os direitos humanos universais, com livre circulação dos povos e dos saberes, é o grande desafio a ser encarado por todos aqueles que vêm contribuindo para a consolidação do Fórum Social Mundial (FSM) como espaço de antagonismo, mas também de proposições. Quando o FSM nasceu, em 2001, como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, o neoliberalismo ainda era cantado em prosa e verso e o pensamento único vicejava nos quatro cantos do mundo. Oito anos depois, a doutrina do livre mercado não só perdeu força como está em descrédito com a ruína do sistema financeiro internacional.

É nesse contexto que será realizado o “Seminário Internacional Economia Solidária e a Revolução Social Socialista no Século 21”, como parte da programação do FSM 2009. O seminário marca os 10 anos da publicação de Uma utopia militante - Repensando o socialismo, do professor Paul Singer, atual secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE). A conferência será realizada a partir da exposição, pelo professor Singer, da tese que compõe a sua obra Uma Utopia Militante. Participam do evento, como debatedores, Thomas Coutrot (França) e Rosa Guillén, da Red Latinoamericana Mujeres Transformando a Economía (REMTE) do Peru. O Seminário será realizado dia 30, das 15h30min às 18h30min, na sala 001 do Prédio Central (bloco C), na Universidade Federal Rural do Pará (UFRPA).

A reflexão de Singer sobre a Economia Solidária, na atualidade, está inserida em sua tese sobre a Revolução Social Socialista. A partir de sua caracterização como prática que surge dos(as) próprios(as) trabalhadores(as) no contexto do capitalismo contemporâneo, essa “outra economia” possibilita o surgimento de novos paradigmas e estratégias para construção do socialismo ao resgatar temáticas que foram suprimidas do pensamento socialista mais ortodoxo, como a economia dos livres produtores associados.

O “Seminário Internacional Economia Solidária e Revolução Social Socialista no Século 21” é promovido pela Associação Brasileira de Entidades de Apoio e Fomento à Economia Solidária (Abesol), instituição criada em 2007 e que congrega 17 entidades em nove estados brasileiros.

Seminário Internacional
A Economia solidária e a Revolução Social Socialista do século XXI
Painel de abertura: Prof. Paul Singer
Exposição da tese que compõe sua obra: Uma utopia militante - Repensando o socialismo, e debate com teóricos(as) sobre o papel da Economia Solidária na construção de uma sociedade socialista.

Debatedores: Thomas Coutrot- Economista - Attac/França
Rosa Guillén- Red Latinoamericana Mujeres Transformando la Economía-REMTE/ Peru
Data: 30/01/2009- sexta-feira- 15h30min às 18h30min
Local: UFRA - Prédio Central - Bloco C , Sala 001

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

FSM: O Ano do Futuro

DEBATE ABERTO

Os acontecimentos que marcam o início de 2009 são de tal modo importantes que se o mundo não puder conhecer a posição do Fórum Social Mundial sobre eles é possível prever que o FSM corre o risco de se tornar irrelevante.

Boaventura de Sousa Santos

A grande mídia divulgou à saciedade o diagnóstico da situação mundial feita pelo Forum Econômico Mundial (FEM) na sua reunião deste ano. É um diagnóstico sombrio que coincide em muitos pontos com os diagnósticos feitos pelo Fórum Social Mundial (FSM) em suas sucessivas edições desde 2001. Não interessa saber se o FSM teve razão antes do tempo ou se o FEM tem razão tarde de mais. Interessa, sim, refletir sobre o fato de o FSM não ter tido a influência ou exercido a pressão que se desejaria sobre os decisores políticos. Em parte, isso deve-se a uma opção do FSM: ser um espaço aberto a todos os movimentos e organizações que lutam de forma pacífica por um outro mundo possível, sem deixar que tal abertura seja comprometida por decisões políticas, nunca possíveis de obter por consenso.

Sempre defendi que esta opção, sendo acertada, não devia ser assumida de forma dogmática. Deveria ser possível identificar, em cada momento histórico, um pequeno conjunto de temas sobre os quais fosse possível identificar ou gerar um grande consenso. Sobre eles, o FSM, enquanto tal, deveria tomar uma posição que seria assumida por todos os movimentos e organizações que participam no FSM, dando assim origem a agendas parciais mas consistentes de políticas nacionais- globais. Os acontecimentos que marcam o início de 2009 parecem dar razão a esta posição. Eles são de tal modo importantes que se o mundo não puder conhecer a posição do FSM sobre eles é de prever que o FSM corra o risco de se tornar irrelevante. Passo a mencionar alguns desses acontecimentos.

A tragédia de Gaza. Está demonstrado que foram cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante a mais recente invasão israelita da faixa de Gaza. Que consequências retira o FSM deste fato? Que medidas propõe para que estes crimes não fiquem impunes?

China ou Suma Kawsay? É verdade que o neoliberalismo não foi morto pelo ativismo do FSM. Cometeu suicídio. Isso está patente nas pseudo-soluções que se apontam para o desastre. Uma coisa é certa: os cidadãos do mundo sabem como os Estados protegem os bancos; só não sabem como protegem as pessoas. Sobre as muitas dimensões da crise o FSM tem uma reflexão consistente. Qual a posição do FSM? De um lado, as economias centrais imploram à China que “forcem” os seus cidadãos a consumir, mesmo sabendo que se os níveis de consumo atingissem os da Europa e da América do Norte seriam precisos três planetas para garantir a sustentabilidade do único planeta que temos.

Do outro lado, e bem nos antípodas desta proposta, o notável protagonismo dos povos indígenas do continente americano tornou possível que as suas concepções de desenvolvimento em harmonia com a natureza fossem consagradas nas Constituições da Bolívia e do Equador. Trata-se do princípio de “viver bem”, o Suma Kawsay dos Quechuas ou o Suma Qamana dos Aymaras. De que lado está o FSM?

Cuba: cinquenta anos de futuro? A Revolução Cubana celebra este ano o seu cinquentenário. A Europa e a América do Norte podiam ser o que são hoje sem a revolução cubana, mas o mesmo não se pode dizer da América Latina, África e Ásia, ou seja, das regiões onde vive 85% da população mundial. Cuba deseja a solidariedade crítica do mundo progressista para superar uma situação que, a não mudar, é inviável enquanto solução socialista. Onde está a solidariedade do FSM? Onde está a crítica?

O Comando Africano (AFRICOM). Começou a ser visível a interferência do Comando Africano, recentemente criado pelo Departamento de Defesa dos EUA, na política de vários países africanos. É de prever e temer a crescente tensão militar no continente. Será este um tema em que o FSM pode ter razão a tempo e dar a conhecer ao mundo a sua posição?

O fim do 11 de Setembro. Que há de comum entre a decisão do Presidente Obama de encerrar a prisão de Guantánamo e suspender os julgamentos e a decisão do Ministro Tarso Genro de conceder asilo ao ex-militante esquerdista Cesare Battisti? São duas decisões corajosas dos governos de dois países importantes (o primeiro em declínio, o segundo em ascensão), assinalando ao mundo que a vertigem securitária que assolou o mundo depois do 11 de Setembro chegou ao fim. A melhor segurança cidadã é a que decorre do primado do direito e do aprofundamento da democracia. A justiça de exceção está para a justiça como a música militar (sem ofensa) está para a música clássica. O mundo tem direito a saber que medidas vai tomar o FSM para apoiar estas decisões, que, como é de esperar, terão os seus detractores.

NOTA DA REDAÇÃO: O livro mais recente de Boaventura de Sousa Santos se intitula Vozes do Mundo, publicado pela Civilização Brasileira.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)

Matéria retirada da Agência Carta Maior

Com derrocada do neoliberalismo, FSM deve apresentar perfil anticapitalista



por Michelle Amaral da Silva última modificação 27/01/2009 12:07
Para membros da organização, principal desafio é relacionar crise financeira com danos ao meio-ambiente

Renato Godoy de Toledo
da Redação

Entre 27 de janeiro e 1º de fevereiro, mais de 4 mil entidades de cerca de 150 países devem promover discussões com intuito de formular alternativas ao livre comércio, às formas de produção poluentes e, por fim, fomentar a idéia de uma nova sociedade.

Esse último objetivo, aliás, tornou-se ainda mais premente com a exposição dos limites do capitalismo com a decorrência da crise financeira mundial, que teve seu estopim em 2008 e ainda não dá sinais de quando deve terminar.

O principal desafio da 9ª edição do Fórum Social Mundial, que será realizado pela primeira vez em Belém (PA), é relacionar os debates acerca dos modelos de produção com impactos ambientais e climáticos reduzidos com a necessidade de transformação radical do sistema econômico e social.

Para isso, a capital paraense, porta de entrada da Amazônia, apresenta um cenário que contribui para tais reflexões, já que nessa região os limites do sistema estão expostos, com a devastação ambiental promovida pela busca do lucro – grosso modo, o objetivo máximo do capitalismo.

Também se torna simbólico o fato de 27% da região ser composta por territórios indígenas, com 522 povos de diferentes etnias. De acordo com a organização, a participação indígena nessa edição deve ser a maior da história do FSM, com cerca de 3 mil representantes. (Leia matéria abaixo)

Fim do neoliberalismo

Entre duas ativistas da organização do FSM, atuantes desde a primeira edição, há uma opinião de que a edição pan-amazônica pode representar um salto qualitativo em termos políticos. “Desde a primeira edição [em 2001], conseguimos que o Fórum tivesse um perfil anti-Davos [sede do Fórum Econômico Mundial]. Conseguimos mostrar ao mundo que havia uma voz que discordava do pensamento único. O Fórum teve uma primeira edição forte, acompanhando o ascenso do movimento global, que teve seu ápice em Seattle [em 1999, em atos contra a OMC]. No entanto, o 11 de setembro em 2001 foi uma rasteira muito grande nesse movimento, que apresentou um refluxo. Mas o Fórum mostrou muito dinamismo e deu a volta por cima”, avalia Fátima Melo, diretora da Fase, entidade que integra o Fórum Social Mundial.

Na análise de Melo, os esforços dos movimentos sociais aglutinados no Fórum obtiveram resultados importantes, como a eleição de governos progressistas na América Latina. “O Evo Morales é claramente um resultado político do Fórum. Agora, há um grande desafio colocado para essa edição: passar de um perfil antineoliberal para anticapitalista. É muito positivo que estejamos na Amazônia, pois lá torna-se mais evidente os limites do sistema”, pontua Melo, baseando-se nos impactos da crise financeira mundial que levaram governos dos países centrais a adotar medidas antineoliberais.

Moema Valarelli, do Ibase, revela que desde a primeira edição havia quem defendesse que o Fórum assumisse uma posição mais estritamente anticapitalista. Apesar de se colocar nesse bloco, ela ressalta a importância da composição ampla do FSM. “Eu, particularmente, achava que devíamos assumir uma postura anticapitalista desde a primeira edição. A avaliação era de que o neoliberalismo representava aquele momento do capitalismo, os males como a competição, a desigualdade e o individualismo não têm cura, pois são sistêmicos, tal como a ganância e a concentração de renda. Mas foi muito positivo manter o Fórum com aquela amplitude, agregando outros grupos que tinham uma crítica contundente ao neoliberalismo, mas não ao capitalismo”, afirma.

Crise e meio ambiente

Outra importante tarefa que se espera do FSM 2009 é a vinculação dos problemas climáticos e ambientais à crise financeira internacional. Para Valarelli, não se pode dizer que a turbulência econômica mundial “pegou de surpresa” os movimentos sociais.

"Desde 2001, o Fórum já apontava que o modelo econômico era insustentável, pois fortalece e aprofunda as desigualdades e destrói o meio-ambiente. Portanto, o FSM já fazia uma crítica sistêmica”, relembra.

A instabilidade do sistema financeiro mundial tornou o evento ainda mais importante e o fato de o FSM se dar em pleno decorrer da crise deve enriquecer as discussões, de acordo com Fátima Melo. “Quando estourou a crise financeira, enxergamos o acontecimento como uma grande oportunidade para discutir essa questão na Amazônia, que não está alheia ao que acontece no mundo. A crise está associada à questão climática e ambiental. Temos uma grande oportunidade de expor as várias dimensões da crise do modelo e do capitalismo. Esperamos que as discussões se articulem com a questão global mais geral”, diz.

Matéria retirada da Agência Brasil de Fato.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Marie-Monique Robin - "A Monsanto não é confiável"


Eu já sabia! 
Uma boa leitura, esta entrevista é da revista época - da globo, veja BEM! 

Marie-Monique Robin - "A Monsanto não é
confiável"
 
Documentarista diz que maior empresa de sementes vende produtos tóxicos e ameaça cientistas
 
Juliana Arini
 
A documentarista francesa Marie-Monique Robin, autora de O Mundo Segundo a Monsanto, dedicou três anos de sua vida para desvendar como uma indústria de químicos virou a maior companhia mundial de sementes geneticamente modificadas (transgênicas) e uma das empresas mais influentes do planeta, segundo a revista Business Week. Marie trabalha há 25 anos com matérias investigativas e recebeu prêmios como o Albert Londres, em 1995, concedido a um documentário sobre o tráfico internacional de órgãos. Em 2004, ela foi aclamada na Europa ao produzir o também premiado Esquadrões da Mortea escola francesa, sobre a relação do governo francês com ditaduras da Amérioca Latina, nos anos 70. Para escrever a história da Monsanto, Marie analisou 500 mil páginas de documentos e viajou à Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, México, Brasil, Vietnã e Noruega. A escritora fala a ÉPOCA sobre o seu último livro. Procurada pela reportagem, a Monsanto afirma que "agricultores enxergam um benefício no cultivo de seus produtos". (clique aqui para ler a resposta completa da empresa). 
 ENTREVISTA - MARIE-MONIQUE ROBIN 

 ReproduçãoQUEM É 
Documentarista e jornalista francesa. Seu documentário que denuncia táticas do serviço secreto francês e conexões com a repressão na América do Sul foi premiado pelo Senado da França.

O QUE FEZ
Já publicou livros denunciando uma rede internacional de tráfico de órgãos e a prática da tortura na Guerra da Argélia. O Mundo Segundo a Monsantovirou um documentário feito pela agência de cinema do Canadá. Para investigar a história, passou cinco anos levantando 500 mil páginas de documentos e viajando para Grã-Bretanha, Índia, México, Paraguai, Brasil, Vietnã, Noruega e Itália

ÉPOCA - Existem outras companhias que também desenvolvem a biotecnologia e possuem patentes sobre sementes. Por que fazer um livro exclusivamente sobre a Monsanto?
Marie-Monique Robin -
 Há cinco anos, quando trabalhava em três documentários sobre biodiversidade e os organismos geneticamente modificados - e ainda acreditava que eles não teriam problemas - eu acabei viajando muito. Fui para Canadá, México, Argentina, Brasil e Índia, e em todas essas regiões eu sempre encontrava denúncias contra a Monsanto. Foi quando eu decidi buscar quem é essa companhia que agora é a maior produtora de biotecnologia e de alimentos geneticamente modificados do planeta.

ÉPOCA - E como seria esse mundo segundo a Monsanto que você descobriu? 
Marie -
 Cheio de pesticidas. Cerca de 70% dos alimentos geneticamente modificados são feitos para serem plantados com uso do agrotóxico Roundup. Ao comer uma transgênico, a pessoa está praticamente ingerindo Roundup. E, ao contrário do que propagou a Monsanto, esse pesticida não é bom ao meio ambiente e muito menos biodigradável. Ele é muito tóxico. Tenho certeza de que nos próximos cinco anos ele vai ser proibido no mundo, tal como aconteceu com outro produto da companhia, o DDT. O mundo segundo a Monsanto também é dominado por monoculturas. O que é um problema para a segurança alimentar, pois concentra a produção de alimentos na mão de poucos. Também considero arriscado deixar a alimentação mundial na mão de companhias que no passado produziam venenos e armas químicas como o agente laranja, despejado por tropas americanas no Vietnã.

"A Monsanto foi condenada a pagar US$ 700 milhões de 
dólares pela contaminação em Annistion, nos EUA"


ÉPOCA - Os transgênicos são festejados por reduzirem o uso de pesticidas. Eles não teriam ao menos esse lado bom?
Marie - Não, isso é mentira. Os transgênicos não reduzem o uso de agrotóxicos. Pelo contrário, eles geram ervas daninhas cada vez mais resistentes aos agrotóxicos. Os transgênicos são apenas uma forma da Monsanto controlar a produção de alimentos no mundo.
EPOCA - Como uma empresa pode ter todo esse poder? Isso não é teoria da conspiração? 
Marie - Não, de forma alguma. Tenho todas as denúncias que faço baseada em documentos e estudos científicos. Esse monopólio sobre a comida é um processo que acontece há um tempo. Ele começou com a permissão das patentes das sementes, na década de 80. Isso deu às empresas exclusividade sobre as sementes que selecionam. Depois, vieram as chamadas plantas híbridas, que são estéreis e não produzem outras sementes. E por último, houve os royalities sobre os transgênicos. Agoras as multinacionais podem cobrar para si, uma parte do lucro da colheita dos fazendeiros. Os transgênicos também são produzidos para reagirem com produtos específicos. No caso da Monsanto, 70% tem que ser plantado com o Roundup. O que obrigados o produtor a comprar sementes e agrotóxicos da mesma empresa.
ÉPOCA - Outras multinacionais produzem nesse mesmo padrão. O que comprova que a Monsanto quer controlar a comida do mundo? 
Marie -
 Após a liberação da venda dos transgênicos, a Monsanto começou a comprar todas as produtoras de sementes do mundo. Hoje, ela é a maior produtora de sementes do planeta. O resultado é que se um fazendeiro quiser mudar sua produção de transgênicos, e voltar ao tradicional, daqui a alguns anos, provavelmente ele não vai conseguir mais, pois só vão existir sementes transgênicas, e da Monsanto. Essa já é uma realidade com a soja dos Estados, e o trigo, na Índia. Nos EUA existem processos contra a Monsanto por monopólio, algo similar ao que aconteceu com a empresa de tecnologia Microsoft.
ÉPOCA - E qual seria interesse da empresa em controlar a produção de alimentos? 
Marie - 
Ele querem manter o agrotóxico Roundup no mercado, o produto que responde por 45% do lucro da companhia. Acho que se o Roundup for banido, como acredito que possa acontecer daqui a alguns anos, os transgênicos vão desaparecer. Sem o Roundup, não é interessante ter transgênico. 

ÉPOCA - Por que culpar exclusivamente a Monsanto pelas armas químicas do Vietnã? A opção por usar armas químicas foi do governo americano, e não das companhias. E outras empresas também venderam químicos ao governo dos EUA. 
Marie - 
A venda de agente laranja para o governo americano foi um dos negócios mais lucrativos da Monsanto. Mas hoje, nenhuma das empresas que lucraram com esse processo quer se responsabilizar. No Vietnã, eu vi hospitais repletos de crianças deformadas, que nascem assim até hoje, porque o ambiente continua contaminado. Além do agente laranja, também usaram bifenil policlorado (um produto banido no mundo) nas misturas jogadas no país, e que a própria Monsanto sabia serem tóxicas desde 1937. Nem os soldados americanos foram alertados para os riscos. Como confiar que uma companhia com essa história domine a produção de alimentos? 
ÉPOCA - Qual é a prova que a Monsanto sabia que estava vendendo algo tóxico? 
Marie -
 Em 2002, os moradores de Annistion, no EUA, ganharam o direito de uma indenização de US$ 700 milhões de dólares da Monsanto. A empresa foi condenada por contaminar o meio ambiente e as pessoas da cidade com a sua fábrica química. Documentos mostram que desde 1937 a Monsanto sabiam dos riscos da toxidade dos PCBs. 

ÉPOCA - Os produtos da Monsanto são aprovados por agências como a FDA, que regula alimentos e medicamentos nos EUA. Como dizer que a FDA e outras agências internacionais estão sendo enganadas? 
Marie - 
A Monsanto usa seu poder econômico para pressionar governos e também infiltra seus ex-funcionários em cargos políticos. Esse processo é conhecido como portas giratórias. Tem casos célebres como a de Linda Fisher, que era funcionária da Agência Americana de Proteção Ambiental, e depois foi trabalhar na Monsanto, em 1995, e acabou retornando para EPA, em 2001. 

ÉPOCA - Se a empresa possui toda essa blindagem, então não há solução? 
Marie - 
Acho que só os consumidores podem evitar um problema maior. Na Europa isso já começou. Ninguém quer consumir transgênicos que não foram testados. Estão todos assustados com a atual epidemia de câncer. 

ÉPOCA - Mas qual a ligação do câncer com os transgênicos?
Marie - 
Ainda estou pesquisando o assunto. O meu próximo livro vai ser exatamente sobre isso, a relação entre a comida que consumimos depois da Revolução Verde e o aumento de doenças como o câncer e o Parkison. O mais interessante, um processo que começou justamente entre os próprios agricultores, o mais expostos aos agrotóxicos.

Tudo que se parece ser,  acaba, as vezes, de fato sendo! 
Nós já sabíamos! 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

"Seja Bem-vindo"




Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentavel
Ainda da Nova Zelandia


A resenha abaixo chega a mim como uma provocacao que me impulsiona imediatamente a compartilhar algumas constatacoes feitas no cotidiano, aqui na Nova Zelandia, relacionadas a alimentacao. Apenas, vou me referir as opcoes encontradas em restaurantes, na condicao de "turista" e de quem muito conviveu com residentes, deixando para outra oportunidade as prateleiras dos super-mercados, os quais tambem muito frequentei.

Estou IMPRESSIONADA com o habito alimentar imposto pela presenca assintosa do fast food. Estou falando do Mc Donalds, do Burger King, do KFC e do Subway. Esses "restaurantes" sao o equivalente ao nosso "SEJA BEM-VINDO", pois, juntamente com a Coca-cola, recebem, nas mais minusculas cidades, invariavel e ostensivamente, os passantes. Estes, por um valor medio de NZ$ 8,00, podem fazer a sua refeicao. O problema e que fica praticamente excluida qualquer outra possibilidade de alimentacao. Uma opcao por um restaurante que ofereca uma comida na qual seja possivel reconhecer que e "comida de verdade", pode custar de NZ$ 30,00 a NZ$ 40,00. E um assalto e impraticavel.

Caso voce queira comer em um lugar cuja aparencia nao lembre um Mc Donalds e escolhe um pequeno e simples estabelecimento, depara-se com o "plagio" ou, entao com uma criacao mais original, penso, chamada FISH & CHIPS. Esse prato e espantosamente consumido. E um peixe, literalmente embebido na gordura, com batata tao embebida, quanto. Depois de enfrentar uma fila saem todos felizes, com seu alimento envolto em jornais para manter a temperatura(fotos acima).Ha tambem muita pizza, em especial a Pizza Hutt.

Cadeia de valores oculta nos produtos consumidos? explorou trabalho? degradou o meio-ambiente? vai lesar a saude? nao importa. E mecanico o ato do consumo. Adultos, jovens, criancas, todos consomem sem refletir sobre as consequencias de suas escolhas. O fast food, a uniformizacao da comida e da paisagem(urbana/gastronomica) e uma triste realidade por esses pagos aqui. E, absolutamente consolidada, alias, quase o seu berco.

Sera que ainda temos tempo de construir outros caminhos, resistindo a invasao do fast food, resgatando, afirmando e reafirmando em nosso pais e nosso estado(RS), praticas alimentares com valor cultural, com a nossa identidade, saudaveis e capazes de fortalecer a agricultura familiar, local, ecologica, biodiversa? Ha momentos em que me sinto absolutamente vencida.

E esse e um deles.

Abaixo a resenha.

O DILEMA DO ONIVORO: O que devemos comer no almoço?

Resenha por Luciel Henrique de Oliveira
Engenheiro Agrônomo (UFLA, 1987), Mestre em Administração (UFLA, 1992), e Doutor em Administração de Empresas (EAESP/FGV,1998). Pós-Doutor em Administração, na área de Gestão Estratégica da Inovação Tecnológica e Operacional, (CenPRA - Ministério da Ciência e Tecnologia, 2007). Professor do UNIFAE e da EAESP-FGV. e-mail – luciel@uol.com.br

luciel@uol.com

O DILEMA DO ONIVORO:
UMA HISTORIA NATURAL DE QUATRO REFEIÇOES

Michael Pollan. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2007

O que devemos comer no almoço? Este livro é uma resposta longa e complexa para esta pergunta aparentemente simples. Ao longo do caminho o autor explica as implicações desta questão, e discute como uma questão tão simples pôde tornar-se tão complicada. As prateleiras de um supermercado, estágio final da cadeia alimentar contemporânea, são o ponto de partida escolhido pelo autor para começar a responder esta questão. O leitor é convidado a seguir o caminho inverso, reconstituindo o trajeto dos alimentos, desde o prato à nossa mesa até a origem de tudo: o solo. Quanto mais longo e intrincado é o percurso que liga as duas pontas dessa cadeia altamente industrializada, mais ignorantes nós nos tornamos a respeito do que estamos comendo.

Por que é cada vez mais complicado decidir o que almoçar? Os alimentos atualmente são vendidos apenas com base em seus benefícios para a saúde: um é capaz de reduzir seu colesterol, outro tem muitas fibras. Os nutrientes tornaram-se mais importantes que a comida em si, e o alimento tornou-se apenas um intermediário na entrega destas substâncias. Assim, escolher o que comer tornou-se uma decisão para profissionais, e não para amadores. Tem-se a impressão de que é necessário ter um diploma de nutrição ou bioquímica para tal escolha!

Afinal, que mistérios estão por trás de uma bolacha industrializada, de um hambúrguer, ou de um simples item de um cardápio de fast-food, como, por exemplo, um McNugget? Para responder a essa e outras perguntas, o autor leva o leitor a explorar, não apenas intelectualmente, mas sensorialmente, todas as implicações - éticas e ecológicas, econômicas e políticas - relacionadas ao ato de se produzir e consumir um alimento. O resultado da investigação é um misto de reportagem, ensaio e depoimento pessoal, numa obra que surpreende ao revelar que a aparente variedade dos modernos supermercados esconde uma alarmante uniformidade imposta pela superprodução industrial. Para chegar a um diagnóstico sobre o que considera a atual desordem alimentar, Michael Pollan investiga três mundos diferentes: o do cultivo e produção de alimentos em escala industrial, o do florescente negócio da agricultura orgânica (analisando o que tem de promissor e de enganoso), e o mundo ligado à caça e ao extrativismo. Neste último, ensaia uma volta à atividade primeira do Homo sapiens, o onívoro por natureza que todos nós somos.

Observamos que há cada vez mais produtos disponíveis nas prateleiras dos supermercados, criando a impressão de que temos mais tipos de comida disponíveis. Pollan explica que é fato que atualmente podemos encontrar diferentes frutas e vegetais do mundo todo num bom supermercado, muito mais do que encontraríamos cinqüenta anos atrás. Mas, ao analisar as fontes de calorias, nota-se que a nossa dieta está menos diversificada. Mais de dois terços das calorias consumidas diariamente vêm de apenas quatro vegetais cultivados em escala mundial e com grandes interesses econômicos: milho, soja, trigo e arroz. Há um século atrás, havia maior diversidade. Esta aparente diversidade no supermercado obscurece a realidade de que a diversidade de nossa dieta vem encolhendo.

Alimentos altamente industrializados são hoje a base da "dieta ocidental", que domina os Estados Unidos da América e se espalha pelo mundo. Nos últimos anos, a indústria vem lançando alimentos que supostamente seriam menos nocivos. Pollan denuncia essa manobra de marketing, que explora o medo dos consumidores para vender produtos de valor duvidoso. E lança um manifesto que propõe a volta à alimentação tradicional, orgânica e saudável dos nossos avós. Ele dá dicas de como qualquer um pode se alimentar com “comida de verdade”, em vez dos produtos artificiais da indústria alimentícia.

Pela primeira vez na história da humanidade, há mais pessoas obesas do que famintas no mundo. Os acima do peso respondem hoje por 1 bilhão da população mundial, diante de 800 milhões que passam alguma forma de privação na alimentação. As causas principais são más dietas e sedentarismo. Não ficamos fora desta estatística. O Brasil nunca foi tão gordo. Os brasileiros com massa corpórea superior à considerada normal já somam 43 milhões – o equivalente a 43% da população adulta, quase três vezes mais do em meados da década de 1990. Por conseqüência, a quantidade de pessoas em dieta para emagrecer também é enorme: 25% dos homens e 50% das mulheres. É um público propenso a acreditar em regimes que se vendem como capazes de operar metamorfoses na silhueta do dia para a noite, sem prejudicar a saúde.

Verifica-se atualmente uma obsessão em obter os nutrientes corretos, em alimentar-se de maneira saudável, e uma percepção errônea de que basta comer a comida correta que tudo estará bem com você e o mundo todo. Precisamos voltar a nos preocupar em conhecer toda a cadeia produtiva dos alimentos e não ficarmos obcecados com alguns nutrientes. A manutenção da saúde deve ser apenas uma conseqüência, e não o objetivo de comer bem. De forma geral devem ser aplicados cinco princípios éticos para uma escolha consciente na hora das refeições: transparência, equilíbrio, humanidade, responsabilidade social e necessidade.

Há ainda as implicações econômicas e políticas. Este livro é um importante alerta para um Brasil que se pretende transformar numa Arábia Saudita dos biocombustíveis. A afirmação de que não haverá necessidade de desmatamento para a produção e a exportação de grandes quantidades de biodiesel se baseia na avaliação de que grandes áreas de pastagens podem ser convertidas para monoculturas de oleaginosas com um pouco de modernização de nossa agricultura. Nos EUA, são necessárias duas calorias de fertilizantes sintetizados a partir do petróleo para produzir uma caloria de milho. E como o gado bovino é alimentado com milho, quase um barril de petróleo é consumido para cada animal abatido. Os excedentes da produção de milho estão na origem tanto da abundância quanto da obesidade. Os subsídios governamentais são enormes, o alimento industrializado tem preços baixos, mas dão origem aos altos índices de obesidade que custam algo em torno de 90 bilhões de dólares por ano em despesas médicas. Ou esses excedentes atravessam a fronteira do México, onde acabam com os pequenos produtores, aumentando a oferta e reduzido os preços.

Toda uma complexa cadeia de interesses gira em torno da produção de milho, impedindo que cessem os subsídios. A insensatez do agronegócio é objeto de uma análise que revela a importância de saber como se estrutura a indústria dos alimentos que chegam diariamente às nossas mesas. Há ainda a história dos outros três vegetais cultivados em escala mundial.

A industrialização dos alimentos mudou nossa relação com a comida. Como consumidores estamos desorientados, e não sabemos mais de onde vem nossa comida. A cadeia é tão grande que muita criança pensa que a comida vem do supermercado, que o leite vem da caixinha Tetra Pack. Muitas crianças hoje não entendem que a cenoura ou a batata são raízes. A indústria alimentar nos desconectou do fato de que para sobreviver dependemos de outras espécies, com as quais compartilhamos o planeta. Assim, nós entregamos a preparação dos alimentos para empresas de grande escala. Isto pode ser conveniente, porque nos faz ganhar tempo, mas estas empresas não cozinham bem: usam muito sal, gordura e açúcar, e logo a comida se torna altamente calórica e não tão nutritiva.

Em conseqüência nos tornamos mais vulneráveis. Somos vítimas mais fáceis das manipulações dos alimentos fast-food e das propagandas de dietas milagrosas. É uma das razões pela qual temos tantos problemas de saúde relacionados à alimentação. Não confiamos mais em nossas tradições, não sabemos mais como cozinhar. Precisamos tomar de volta a decisão sobre nossas escolhas alimentares e sobre a preparação das refeições. O livro segue por caminhos fascinantes e sua leitura nos faz perguntar se é isso mesmo que queremos para nossa vida.


Credenciais do autor

Escritor e jornalista estadunidense Michael Pollan é colaborador do New York Times Magazine. É professor de jornalismo na University of California, Berkeley, onde dirige o Programa de Jornalismo Científico e Ambiental. É autor de artigos polêmicos sobre a indústria alimentar. Recentemente lançou seu novo livro, In Defense of Food (Em Defesa da Comida), ainda sem tradução no Brasil.

Referências

POLLAN, Michael. O Dilema do Onívoro: Uma história natural de quatro refeições. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2007
POLLAN, Michael. The Botany of Desire: A Plant's-Eye View of the World. New York: Random House. 2001.
POLLAN, Michael. The Omnivore's Dilemma: A Natural History of Four Meals. New York: Penguin Press. 2006.
POLLAN, Michael In Defense of Food: An Eater's Manifesto. New York: Penguin Press. 2008
NOTA: Este último livro já está disponível em tradução ao português: Em defesa da Comida.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

ÁGUA PARA ACORDAR O MUNDO!


Que coisa bonita a menssagem da nossa amiga Iara lá da Nova Zelandia.  Estamos com saudades!

Bom, aviso que o blog, por conta do fuso horário Nova Zelandia - Brasil,  estava dormindo, mas agora acordou, sem pressa! 

Por sugestão do nosso amigo Pacheco e Rafael, estamos acordando o  blog  com um artigo sobre a água. Este bem natural tão ameaçado pela violência do capitalismo mundial. Esta violência que incentiva cada vez mais o consumo de coisas e mais coisas, sendo que, quase sempre estas coisas são totalmente desnecessárias para a nossa vida. 
E neste caminho de destruição,  sobra para a natureza. 

Que espécie esta,  criada e mutilada,  de uma raça humana. 


Da Carta CAPITAL para o BLOG do COLETIVO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

A água (que ninguém vê) na guerra

Na guerra do momento - Israel em Gaza -, por que a mídia não fala sobre a água - um dos itens mais importantes dos conflitos no Oriente Médio? Embora Israel tenha sérios problemas com recursos hídricos, detém o controle dos suprimentos de água, tanto seus como da Palestina. Além de restringir o uso d'água, luta pela expansão do seu território para obter mais acesso e controle deste recurso natural.

"Para além das manchetes do conflito do Oriente Médio, há uma batalha pelo controle dos limitados recursos hídricos na região. Embora a disputa entre Israel e seus vizinhos se concentre no modelo terra por paz, 'há uma realidade histórica de guerras pela água' - tensões sobre as fontes do Rio Jordão, localizadas nas Colinas de Golã, precederam a Guerra dos Seis Dias"Raymond Dwek - The Guardian, [24/NOV/2002] *

A nossa sobrevivência na Terra está ameaçada. Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem água, morre em 3 dias. Somos água! Mas, enquanto a população se multiplica e a poluição recrudesce, as fontes de água desaparecem. 

Na guerra do momento - Israel em Gaza -, por que a mídia não fala sobre a água - um dos itens mais importantes dos conflitos no Oriente Médio? Oriente Médio... uma região aonde água vale mais do que petróleo... E sempre nos passam a idéia de que lá as guerras ocorrem pela conquista das reservas de petróleo. 

E a conquista das reservas de água? Em 1997, o então vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran, no seminário "Águas transfronteiriças: fonte de paz e guerra" (que centrou os debates nas águas do Mar Aral, do rio Jordão, do Nilo...) disse que "a água substituirá o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo". Embora Israel tenha sérios problemas com recursos hídricos, detém o controle dos suprimentos de água, tanto seus como da Palestina.  Além de restringir o uso d'água, luta pela expansão do seu território para obter mais acesso e controle deste recurso natural. Ali, ele é o "dono" das:  - águas superficiais: bacia do rio Jordão (incluindo o alto Jordão e seus tributários), o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão; - águas subterrâneas: 2 grandes sistemas de aqüíferos: o aqüífero da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de Israel), aqüífero de Basin e o aqüífero Costeiro que se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza. 

Tais águas são 'transfronteiriças', recursos naturais compartilhados. Segundo recente inventário da UNESCO, 96% das reservas de água doce mundiais estão em aqüíferos subterrâneos, compartilhados por pelo menos dois países.  

Há regras internacionais para o uso dessas águas. Algumas destas obrigam Israel a fornecer água potável aos palestinos.  Mas Israel não compartilha a água; afinal, tais regras internacionais não prevêem mecanismos de coação ou coerção; é letra morta. O Tribunal Internacional de Justiça, até hoje, condenou apenas um caso relacionado com águas internacionais. 

A estratégia de Israel é outra. Em 1990, o jornal Jerusalém Post publicou que "é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade"(1). Palavras do ministro da agricultura israelense sobre a necessidade de Israel controlar o uso dos recursos hídricos da Cisjordânia através da ocupação daquele território. O Acordo de Paz de Oslo de 1993, por exemplo, estipulou que os palestinos deveriam ter mais controle e acesso à água da região.  Nessa época, segundo o professor da Hebrew University, Haim Gvirtzman, dos 600 milhões de metros cúbicos de água retirados anualmente de fontes na Judéia e Samaria, os israelenses usavam quase 500 milhões, satisfazendo cerca de um terço de suas necessidades hídricas. Para ele, isso gerou um 'direito adquirido sobre a água'. 

Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor respondeu: "Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de cinqüenta/cem milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza"

E na Guerra pela Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d'água, grandes ou pequenos (muitas vezes construídos nos telhados das casas), confiscam as bombas d'água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços e novas fontes d'água (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil).

Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização.  Então, furto de água das adutoras de Israel é comum naquela região.  A regra do jogo é esta: enquanto o palestino não tem acesso à água para beber, o israelense acostumou-se ao seu uso irrestrito.  Sendo assim, dá pra imaginar uma outra forma de divisão ou de uso compartilhado desses recursos hídricos para os próximos anos? Dá pra imaginar a sobrevivência de qualquer estado e, nesse caso, da Palestina sem o controle efetivo do acesso e da distribuição dos recursos hídricos que necessita?  Botar a mão na água é coisa antiga. Britânicos e franceses no Oriente Médio definiram as fronteiras (em especial da Palestina) de olho nas águas da bacia do rio Jordão.  

Desde 1948, Israel prioriza projetos, inclusive bélicos, para garantir o controle de água na região. Dentre estes:  - a construção do Aqueduto Nacional (National Water Carrier);  - em 1967, anexou os territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia e tomou da Síria as Colinas do Golã, ricos em fontes de água, para controlar os afluentes do Rio Jordão. Sobre esta guerra, Ariel Sharon falou que a idéia surgiu em 1964, quando Israel decidiu controlar o suprimento d'água; - em 2002, a construção o 'muro de segurança' viabilizou o controle israelense da quase totalidade do aqüífero de Basin, um dos três maiores da Cisjordânia, que fornece 362 milhões de metros cúbicos de água por ano. Segundo Noam Chomsky, "o Muro já abarcou algumas das terras mais férteis do lado oriental. E, o que é crucial, estende o controle de Israel sobre recursos hídrico críticos, dos quais Israel e seus assentados podem apropriar-se como bem entenderem...(2). Antes do muro, ele já fornecia metade da água para os assentamentos israelenses. Com a destruição de 996 quilômetros de tubulação de água, agora falta água para beber à população palestina do entorno do muro; - antes de devolver (simbolicamente) a Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região. E, até hoje, não há infra-estrutura hídrica nas regiões palestinas.

Quantos falam a respeito disso?  Em 2003, na 3ª Conferência Mundial sobre Água, em Kyoto, Mikhail Gorbachev bateu na tecla dos conflitos mundiais pela água: contabilizou, na época, 21 conflitos armados que objetivavam apropriação de mais fontes de água; destes, 18 ocorreram em Israel. Gestão conjunta, consumo igualitário de água, ética e consenso na água - palavras bonitas no papel, nas mesas de negociação, na mídia. Na prática, é utopia.  O que a ONU e os donos do planeta estão esperando para exigir que Israel cumpra as regras internacionais sobre águas mesmo que estas contidas em convenções, acordos, declarações (e outras abobrinhas)?  Quem vai ter coragem de criar regras claras e objetivas para punir a violação dos direitos dos povos e nações à sua soberania sobre seus recursos e riquezas naturais?

 * Ver http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/ 2002/11/23/jorint20021123004.html (1) Do livro de Noam Chomsky: Novas e Velhas Ordens Mundiais, São Paulo, Ed. Scritta, 1996.  (2) Ver http://www.galizacig.com/actualidade/200403/ portoalegre2003_muro_humilhacao_e_roubo.htm (*) Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios e da Academia Livre das Águas, e-mail:ana@ecoeacao.com.br, website: www.ecoeacao.com.br


A foto é do Paulo Mendes, pescaria.