terça-feira, 29 de julho de 2008
Criminalização dos Movimentos Sociais
Heloísa Fernandes,
Socióloga, USP.
Devíamos estar aqui hoje em festa, comemorando os vinte e sete anos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De fato, foi no dia 25 de julho de 1981, Dia do Trabalhador Rural, que se realizou o encontro da Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, aqui mesmo no Rio Grande do Sul, considerado o berço do MST. Como lembra João Pedro Stedile, “vieram pessoas do Brasil inteiro. Reunimos 30 mil pessoas numa luta camponesa em plena ditadura militar. (...) Vieram ônibus de São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Estiveram presentes dom Tomás Balduíno, pela CPT, e representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) (...) Isso foi ainda no governo Figueiredo. A motivação era manifestar solidariedade à luta pela reforma agrária e, ao mesmo tempo, lutar contra a ditadura militar”.( 2005, p.22 e 23)
O significado histórico daquele encontro foi muito bem retratado pela Roseli Caldart, pedagoga do MST, nascida aqui no Rio Grande: “estes seres desgarrados da terra, marginalizados de tudo e com a vida escorrendo-lhes entre os dedos de pés descalços (...), esses seres miseráveis, quase nem parecendo mais realmente humanos, de repente (ou nem tanto) resolvem, aos milhares, e organizadamente levantar-se do chão e lutar pela terra de que foram arrancados (...)”. ( 2004, p.25)
Essa brava gente, com fome de terra e de direitos, levantou-se do chão e se organizou para lutar pela terra, pela educação, pela saúde, pela dignidade, pela justiça. Arquiteta de sonhos, começou a construir uma história de resistência à onipotência dos poderosos e de resgate da sua humanidade. Uma história de muita dor, privação e desespero, mas, também, de grandes vitórias. Aliás, chama-se Cooperativa Vitória o assentamento-símbolo do Movimento Sem Terra. Se tivesse tempo, leria com prazer para todos nós aqui presentes a reportagem de Luiz Maklouf Carvalho, “O modelo Vitória” publicada na Revista Piauí do mês passado. Basta mencionar que, para o jornalista, “o assentamento-símbolo do Movimento Sem Terra é uma ilha sem propriedade privada, com casas grandes e mesa farta” (2008, p.29) Uma brava gente trabalhadora, alegre, ordeira, gente que cultiva a terra de sol a sol, estuda, brinca, namora, casa, tem filhos, dança e sonha. A reportagem é um desmentido factual ao imaginário retratado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul que apresenta esta mesmíssima gente como um bando de malfeitores, quadrilha de ladrões que maltrata suas crianças e usa técnicas de guerrilhas das FARC, atacando a polícia com seus estilingues e bolinhas de gude!
Uma pena que a gente não tenha tempo para trazer tantas informações, depoimentos, vivências, construções, conquistas! Pois não é que nestes vinte e sete anos, através do MST, milhares de brasileiros excluídos da cidadania se transformaram em sujeitos de direitos, amantes da igualdade, da decência e da dignidade! Pois não é que na Encruzilhada Natalino, organizados num movimento legítimo, os deserdados da terra acreditaram na sua capacidade de mudar seu destino e adquiriram raízes, identidade, sonhos e até o projeto de fazer uma nação neste nosso gigante adormecido!
Por isso mesmo, nestes vinte e sete anos, o MST incomodou, atrapalhou, tornou-se uma pedra no sapato de uma sociedade tão escandalosamente excludente, como a brasileira. A verdade verdadeira, como proclamou ainda outro dia, num documentário exibido na televisão , o historiador Carlos Guilherme Mota, é que entramos no século XXI mantendo uma sociedade de castas e vivendo num “capitalismo senzaleiro”, ou seja, no capitalismo das senzalas!
Penso que é por isto que, nos acampamentos e nos assentamentos do MST, estudam-se as obras do Florestan Fernandes e do Paulo Freire, mas, também, do Caio Prado Jr., do Sergio Buarque de Hollanda, do Milton Santos, todos estes e muitos outros intelectuais brasileiros, de renome internacional, que pesquisaram, publicaram, denunciaram: somos uma sociedade rachada por um muro, uma sociedade que não realizou a revolução democrática. É por isso que a nossa é “uma sociedade autoritária. Escravocratas durante séculos, seguimos patrimonialistas. E saímos de uma ditadura de duas décadas há pouco mais de 20 anos. Essas marcas estão inscritas na maneira de pensar, no país que conseguimos ser: ainda desiguais demais, ainda democratas de menos” (Barros e Silva, F., 2008)
Numa sociedade como a nossa, oligárquica, hierárquica, violenta e autoritária, um movimento como o dos Trabalhadores Sem Terra incomoda. Afinal, somos uma sociedade onde as leis existem para preservar os privilégios dos “cidadãos da primeira classe” e para reprimir, conter, sufocar, prender, matar a grande maioria dos brasileiros, que viajam na segunda classe. Aliás, sempre que necessário, as leis são modificadas para preservar os privilegiados e não por acaso, em nosso país, as lutas dos trabalhadores sempre foram tratadas como questão de polícia. Por isso mesmo, como diz Marilena Chauí, “o poder judiciário é claramente percebido como distante, secreto, representante dos privilégios das oligarquias e não dos direitos” (2008, p.71)
Exatamente porque estamos cindidos por um muro secular de injustiça e desigualdade, não podemos tolerar a manifestação explícita dos conflitos e das contradições, proclamados como perigosos, ilegítimos, criminosos. Precisamos do mito da “boa sociedade inclusiva, pacífica e ordeira” (Chauí, 2008, p.73). Vivemos da denegação: não somos racistas, porque as raças não existem; não há trabalho escravo, porque os trabalhadores estão onde quiseram estar; não há fome, mas vagabundos e incompetentes; nas universidades públicas ingressam os que foram premiados pelos seus méritos e não pelos seus privilégios, etc. etc. e por todos os séculos vividos e a viver.
Numa sociedade como a nossa, a exclusão é ainda mais perversa porque obriga o excluído a assumir que ele é o culpado da sua própria exclusão!
Numa sociedade como a nossa, um movimento como o do MST, que pretende organizar os excluídos para que lutem por seus direitos, um movimento como este, além de ilegítimo, como pretende a Promotoria do Rio Grande do Sul, é um perigo, um escândalo, uma afronta, que é como o MST costuma ser apresentado pelos grandes meios de comunicação, jornais, revistas e televisão. Ainda mais quando este Davi resolveu enfrentar o verdadeiro Golias, o grande capital transnacional, um adversário muito mais forte e poderoso que a oligarquia latifundiária! Aliás, retomando Carlos Guilherme Motta, diria que somos uma sociedade capitalista senzaleira globalizada pelas multinacionais!
Porque não aceita assumir que é a culpada da sua própria exclusão, a brava gente do MST precisa ser recolocada no seu lugar de gentinha, “réus que não são apenas sem terra, mas, talvez pior, sem nome”, como escreveu o Procurador Geral de Justiça, Mauro Henrique Renner, em mensagem distribuída pelo correio eletrônico (2/7/08, 17:07:18).
******
David enfrentando um verdadeiro Golias! O MST não é uma empresa, não é um sindicato, não é uma escola, não é uma igreja, não é um partido. É uma comunidade de brasileiros, homens e mulheres; brancos, negros, mulatos, índios; velhos, jovens, adultos e crianças, decididos a destruir a senzala e transformar nosso país numa Nação. O que une essa brava gente brasileira é o sentimento que se fez presente na Encruzilhada Natalino: a esperança de ser gente.
Reprimindo, prendendo, processando, punindo, a lei pretende matar dois coelhos com uma só cajadada: de um lado, criar um cordão de isolamento em torno dos Sem Terra, apresentados nas cidades como uma quadrilha de bandidos e desordeiros; de outro, estigmatizar os Sem Terra na degradação de um processo infamante destinado a produzir medo, vergonha e humilhação!
Penso que o verdadeiro réu da Promotoria não é, de fato, o MST, mas a esperança, esta da qual nos fala Mia Couto, um sábio africano:
“Dizem que a esperança é a última a morrer. É isso que se diz. Contudo, não é verdade. A esperança é o mais frágil dos sentimentos, um dos primeiros a desvanecer. Porém, ela morre no sentido que os africanos têm da morte. Quer dizer, ela morre, mas não fica morta. Continua vivendo entre nós, do nosso lado.” (2007, p.124)
Porto Alegre, 29 de julho de 2008
Bibliografia citada:
BARROS E SILVA, F., Ilusões Perdidas, Folha de S. Paulo, 21/08/08, p. A2.
CALDART, R.S., Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo, Expressão Popular, 2004.
CARVALHO, L.M., O Modelo Vitória, IN: Piauí, 21, ano 2, junho 2008.
CHAUI, M., Cultura e Democracia, IN: Crítica y Emancipación, ano 1, n. 1, junio 2008, Buenos Aires, CLACSO.
COUTO, M., Pensatempos, Ndjira Editora, 2007.
STEDILE, J.P. e FERNANDES, B.M., Brava Gente, A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
Socióloga, USP.
Devíamos estar aqui hoje em festa, comemorando os vinte e sete anos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De fato, foi no dia 25 de julho de 1981, Dia do Trabalhador Rural, que se realizou o encontro da Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, aqui mesmo no Rio Grande do Sul, considerado o berço do MST. Como lembra João Pedro Stedile, “vieram pessoas do Brasil inteiro. Reunimos 30 mil pessoas numa luta camponesa em plena ditadura militar. (...) Vieram ônibus de São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Estiveram presentes dom Tomás Balduíno, pela CPT, e representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) (...) Isso foi ainda no governo Figueiredo. A motivação era manifestar solidariedade à luta pela reforma agrária e, ao mesmo tempo, lutar contra a ditadura militar”.( 2005, p.22 e 23)
O significado histórico daquele encontro foi muito bem retratado pela Roseli Caldart, pedagoga do MST, nascida aqui no Rio Grande: “estes seres desgarrados da terra, marginalizados de tudo e com a vida escorrendo-lhes entre os dedos de pés descalços (...), esses seres miseráveis, quase nem parecendo mais realmente humanos, de repente (ou nem tanto) resolvem, aos milhares, e organizadamente levantar-se do chão e lutar pela terra de que foram arrancados (...)”. ( 2004, p.25)
Essa brava gente, com fome de terra e de direitos, levantou-se do chão e se organizou para lutar pela terra, pela educação, pela saúde, pela dignidade, pela justiça. Arquiteta de sonhos, começou a construir uma história de resistência à onipotência dos poderosos e de resgate da sua humanidade. Uma história de muita dor, privação e desespero, mas, também, de grandes vitórias. Aliás, chama-se Cooperativa Vitória o assentamento-símbolo do Movimento Sem Terra. Se tivesse tempo, leria com prazer para todos nós aqui presentes a reportagem de Luiz Maklouf Carvalho, “O modelo Vitória” publicada na Revista Piauí do mês passado. Basta mencionar que, para o jornalista, “o assentamento-símbolo do Movimento Sem Terra é uma ilha sem propriedade privada, com casas grandes e mesa farta” (2008, p.29) Uma brava gente trabalhadora, alegre, ordeira, gente que cultiva a terra de sol a sol, estuda, brinca, namora, casa, tem filhos, dança e sonha. A reportagem é um desmentido factual ao imaginário retratado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul que apresenta esta mesmíssima gente como um bando de malfeitores, quadrilha de ladrões que maltrata suas crianças e usa técnicas de guerrilhas das FARC, atacando a polícia com seus estilingues e bolinhas de gude!
Uma pena que a gente não tenha tempo para trazer tantas informações, depoimentos, vivências, construções, conquistas! Pois não é que nestes vinte e sete anos, através do MST, milhares de brasileiros excluídos da cidadania se transformaram em sujeitos de direitos, amantes da igualdade, da decência e da dignidade! Pois não é que na Encruzilhada Natalino, organizados num movimento legítimo, os deserdados da terra acreditaram na sua capacidade de mudar seu destino e adquiriram raízes, identidade, sonhos e até o projeto de fazer uma nação neste nosso gigante adormecido!
Por isso mesmo, nestes vinte e sete anos, o MST incomodou, atrapalhou, tornou-se uma pedra no sapato de uma sociedade tão escandalosamente excludente, como a brasileira. A verdade verdadeira, como proclamou ainda outro dia, num documentário exibido na televisão , o historiador Carlos Guilherme Mota, é que entramos no século XXI mantendo uma sociedade de castas e vivendo num “capitalismo senzaleiro”, ou seja, no capitalismo das senzalas!
Penso que é por isto que, nos acampamentos e nos assentamentos do MST, estudam-se as obras do Florestan Fernandes e do Paulo Freire, mas, também, do Caio Prado Jr., do Sergio Buarque de Hollanda, do Milton Santos, todos estes e muitos outros intelectuais brasileiros, de renome internacional, que pesquisaram, publicaram, denunciaram: somos uma sociedade rachada por um muro, uma sociedade que não realizou a revolução democrática. É por isso que a nossa é “uma sociedade autoritária. Escravocratas durante séculos, seguimos patrimonialistas. E saímos de uma ditadura de duas décadas há pouco mais de 20 anos. Essas marcas estão inscritas na maneira de pensar, no país que conseguimos ser: ainda desiguais demais, ainda democratas de menos” (Barros e Silva, F., 2008)
Numa sociedade como a nossa, oligárquica, hierárquica, violenta e autoritária, um movimento como o dos Trabalhadores Sem Terra incomoda. Afinal, somos uma sociedade onde as leis existem para preservar os privilégios dos “cidadãos da primeira classe” e para reprimir, conter, sufocar, prender, matar a grande maioria dos brasileiros, que viajam na segunda classe. Aliás, sempre que necessário, as leis são modificadas para preservar os privilegiados e não por acaso, em nosso país, as lutas dos trabalhadores sempre foram tratadas como questão de polícia. Por isso mesmo, como diz Marilena Chauí, “o poder judiciário é claramente percebido como distante, secreto, representante dos privilégios das oligarquias e não dos direitos” (2008, p.71)
Exatamente porque estamos cindidos por um muro secular de injustiça e desigualdade, não podemos tolerar a manifestação explícita dos conflitos e das contradições, proclamados como perigosos, ilegítimos, criminosos. Precisamos do mito da “boa sociedade inclusiva, pacífica e ordeira” (Chauí, 2008, p.73). Vivemos da denegação: não somos racistas, porque as raças não existem; não há trabalho escravo, porque os trabalhadores estão onde quiseram estar; não há fome, mas vagabundos e incompetentes; nas universidades públicas ingressam os que foram premiados pelos seus méritos e não pelos seus privilégios, etc. etc. e por todos os séculos vividos e a viver.
Numa sociedade como a nossa, a exclusão é ainda mais perversa porque obriga o excluído a assumir que ele é o culpado da sua própria exclusão!
Numa sociedade como a nossa, um movimento como o do MST, que pretende organizar os excluídos para que lutem por seus direitos, um movimento como este, além de ilegítimo, como pretende a Promotoria do Rio Grande do Sul, é um perigo, um escândalo, uma afronta, que é como o MST costuma ser apresentado pelos grandes meios de comunicação, jornais, revistas e televisão. Ainda mais quando este Davi resolveu enfrentar o verdadeiro Golias, o grande capital transnacional, um adversário muito mais forte e poderoso que a oligarquia latifundiária! Aliás, retomando Carlos Guilherme Motta, diria que somos uma sociedade capitalista senzaleira globalizada pelas multinacionais!
Porque não aceita assumir que é a culpada da sua própria exclusão, a brava gente do MST precisa ser recolocada no seu lugar de gentinha, “réus que não são apenas sem terra, mas, talvez pior, sem nome”, como escreveu o Procurador Geral de Justiça, Mauro Henrique Renner, em mensagem distribuída pelo correio eletrônico (2/7/08, 17:07:18).
******
David enfrentando um verdadeiro Golias! O MST não é uma empresa, não é um sindicato, não é uma escola, não é uma igreja, não é um partido. É uma comunidade de brasileiros, homens e mulheres; brancos, negros, mulatos, índios; velhos, jovens, adultos e crianças, decididos a destruir a senzala e transformar nosso país numa Nação. O que une essa brava gente brasileira é o sentimento que se fez presente na Encruzilhada Natalino: a esperança de ser gente.
Reprimindo, prendendo, processando, punindo, a lei pretende matar dois coelhos com uma só cajadada: de um lado, criar um cordão de isolamento em torno dos Sem Terra, apresentados nas cidades como uma quadrilha de bandidos e desordeiros; de outro, estigmatizar os Sem Terra na degradação de um processo infamante destinado a produzir medo, vergonha e humilhação!
Penso que o verdadeiro réu da Promotoria não é, de fato, o MST, mas a esperança, esta da qual nos fala Mia Couto, um sábio africano:
“Dizem que a esperança é a última a morrer. É isso que se diz. Contudo, não é verdade. A esperança é o mais frágil dos sentimentos, um dos primeiros a desvanecer. Porém, ela morre no sentido que os africanos têm da morte. Quer dizer, ela morre, mas não fica morta. Continua vivendo entre nós, do nosso lado.” (2007, p.124)
Porto Alegre, 29 de julho de 2008
Bibliografia citada:
BARROS E SILVA, F., Ilusões Perdidas, Folha de S. Paulo, 21/08/08, p. A2.
CALDART, R.S., Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo, Expressão Popular, 2004.
CARVALHO, L.M., O Modelo Vitória, IN: Piauí, 21, ano 2, junho 2008.
CHAUI, M., Cultura e Democracia, IN: Crítica y Emancipación, ano 1, n. 1, junio 2008, Buenos Aires, CLACSO.
COUTO, M., Pensatempos, Ndjira Editora, 2007.
STEDILE, J.P. e FERNANDES, B.M., Brava Gente, A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Consumismo apático
Por Nereide Cerqueira, para a ComCiência
Filme: 1,99 – Um supermercado que vende palavras
Filme reflete sobre consumo e questiona apelo fetichista do mercado na decisão de compra de produtos pelo consumidor.
Um supermercado branco que, ao invés de produtos, vende caixas vazias com dizeres que vão desde slogans famosos até frases de auto-ajuda. Esse é o cenário predominante de 1,99 - Um supermercado que vende palavras. Não se trata de um filme comum. Ao contrário, a crítica o caracteriza com adjetivos que variam de “diferente” ou “estranho” até “entediante” ou “falso”.
Apesar das percepções, que vão do amor ao ódio, não se pode negar que o filme leva à reflexão sobre a sociedade de consumo na qual estamos imersos e sobre o porquê de nossa apatia e passividade perante os apelos da publicidade. Dirigido por Marcelo Masagão, 1,99 foi concebido depois da leitura do livro Sem logo, de Naomi Klein, que trata da necessidade das grandes marcas se fetichizarem cada vez mais, e diz que o slogan é mais importante que o produto em si. No caso do filme, o preço 1,99 e as “palavras” escritas nas embalagens acabam sendo mais importantes do que os próprios produtos.
Os personagens-consumidores são apáticos, parecem robôs direcionados, influenciados pelos dizeres que são lidos nas prateleiras: “seja você mesmo”, “você é único”, “você conhece, você confia”. O que se vende é a realização dos desejos, sejam eles consumíveis ou não. Seqüências sem cortes, com a luz vinda de baixo, dão o tom impessoal e asséptico que contribui para a sensação de estranhamento que se tem ao assistir o filme.
As seqüências compõem-se de pequenas estórias que utilizam metáforas, por vezes incompreensíveis a primeira vista. Um personagem é submetido a um tipo de avaliação onde é possível que ele veja toda sua trajetória de consumo, mostrando produtos que fizeram parte de sua vida desde a infância até a idade adulta, numa relação entre consumo e status social e cultural. A indústria da beleza e do culto à forma também é abordada, quando uma mulher magra vai ao provador e, ao olhar-se no espelho, enxerga-se gorda. Ou ainda, quando todos os personagens começam a fazer ginástica num mesmo momento. Aliás, a padronização de comportamento é abordada numa situação semelhante, quando todos começam a falar ao telefone celular na mesma hora.
Esses momentos, em que todos os personagens fazem as mesmas coisas, como se influenciados por uma força maior, trazem à mente o poder que a propaganda tem sobre os comportamentos de compra e consumo e como as pessoas se iludem com as armadilhas criadas pela publicidade. Em meio a esse universo, surgem cenas excêntricas como a de uma vaca com os dizeres “just do it” no meio do supermercado, com um líquido amarronzado jorrando de suas tetas, sugerindo que seu leite já vem com achocolatado. Viés tecnológico e científico do consumo que merece reflexão.
http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/consumo/entrevista/vaca.jpg
A apatia dos consumidores, às vezes, dá lugar à curiosidade, como quando dois homens disputam a última embalagem de “por que somos mamíferos” e todos param para ver a luta física que só termina quando um dos “lutadores” está desacordado. Uma porta misteriosa mostra diferentes situações a quem atravessa seus limites. Uma delas é a pobreza tratada como show quando um grupo se diverte tirando fotos de mendigos. Há inclusive a distribuição de frascos direcionados a pessoas que tenham diferentes sintomas: “obsessão”, “paranóia”, “prisão de ventre”, “chocólatra”... Seria uma referência à cura para todos os males da indústria farmacêutica?
Uma das cenas mais comentadas é a do caixa eletrônico para saque de dinheiro, que sugere uma relação sexual, e culmina com a saída do dinheiro da máquina. O prazer e o poder de compra juntos. Mas nada passa despercebido ao sistema. Com câmeras por todos os lados, a segurança logo percebe uma tentativa de furto e trata de impedi-la. Não há caixas para pagamento, mas lugares onde se escolhe a forma de adquirir a dívida: seis meses, 12 meses... Quem não tem dinheiro, não tem vez. Sai de mãos vazias, para juntar-se às outras pessoas excluídas, que não podem entrar no “templo do consumo”.
Mesmo nesse ambiente impessoal, há um instante em que as pessoas se encontram e é possível perceber que, à revelia da imposição das prateleiras, as relações humanas parecem se sobressair. Por alguns momentos, os personagens parecem dar-se conta de suas histórias individuais e mostram-se à procura de suprir suas necessidades mais íntimas. Mas nem tudo é tranqüilo e a seqüência das cenas pretende provocar angústia. Um congestionamento de carrinhos causa irritação e comportamentos atípicos, como um ataque de riso em uma das personagens. Num dado momento, a trilha sonora, do belga Wim Mertens, é interrompida por um grupo que faz uma performance musical, numa tentativa frustrada de acabar com o tédio predominante. E outras tentativas de acabar com a alienação do consumo se seguem, até a catarse final.
O filme tem como referência a teoria das redes, que estuda os fenômenos sociais a partir de redes de interesses e relativiza a sociedade a partir das polaridades das classes sociais. Segundo o diretor, a injustiça social não é o único viés possível para se compreender o ser humano, ao contrário, atrapalha a compreensão das relações da sociedade, cada vez mais complicada. Para ele, nossa fragilidade está no fetiche: “somos fetichistas e muito susceptíveis à própria propaganda e aos seus slogans”. Nesse supermercado não há cor, não há marcas, só frases com o apelo usado para que comprem seus produtos, ou seja, vendem-se palavras, vendem-se slogans e, em última análise, vendem-se fetiches.
Masagão, também diretor dos documentários Nós que aqui estamos por vós esperamos, Nem gravata nem honra e Um pouco mais, um pouco menos, consegue trazer a discussão acerca do consumismo, assunto que não é novidade, à categoria de cinema-arte. Não se trata, porém, de entretenimento fácil, mas sim de um filme para ser visto com espírito crítico e que leva à reflexão.
Filme: 1,99 – Um supermercado que vende palavras
Direção: Marcelo Masagão
Brasil, 2003
(Envolverde/ComCiência)
Filme: 1,99 – Um supermercado que vende palavras
Filme reflete sobre consumo e questiona apelo fetichista do mercado na decisão de compra de produtos pelo consumidor.
Um supermercado branco que, ao invés de produtos, vende caixas vazias com dizeres que vão desde slogans famosos até frases de auto-ajuda. Esse é o cenário predominante de 1,99 - Um supermercado que vende palavras. Não se trata de um filme comum. Ao contrário, a crítica o caracteriza com adjetivos que variam de “diferente” ou “estranho” até “entediante” ou “falso”.
Apesar das percepções, que vão do amor ao ódio, não se pode negar que o filme leva à reflexão sobre a sociedade de consumo na qual estamos imersos e sobre o porquê de nossa apatia e passividade perante os apelos da publicidade. Dirigido por Marcelo Masagão, 1,99 foi concebido depois da leitura do livro Sem logo, de Naomi Klein, que trata da necessidade das grandes marcas se fetichizarem cada vez mais, e diz que o slogan é mais importante que o produto em si. No caso do filme, o preço 1,99 e as “palavras” escritas nas embalagens acabam sendo mais importantes do que os próprios produtos.
Os personagens-consumidores são apáticos, parecem robôs direcionados, influenciados pelos dizeres que são lidos nas prateleiras: “seja você mesmo”, “você é único”, “você conhece, você confia”. O que se vende é a realização dos desejos, sejam eles consumíveis ou não. Seqüências sem cortes, com a luz vinda de baixo, dão o tom impessoal e asséptico que contribui para a sensação de estranhamento que se tem ao assistir o filme.
As seqüências compõem-se de pequenas estórias que utilizam metáforas, por vezes incompreensíveis a primeira vista. Um personagem é submetido a um tipo de avaliação onde é possível que ele veja toda sua trajetória de consumo, mostrando produtos que fizeram parte de sua vida desde a infância até a idade adulta, numa relação entre consumo e status social e cultural. A indústria da beleza e do culto à forma também é abordada, quando uma mulher magra vai ao provador e, ao olhar-se no espelho, enxerga-se gorda. Ou ainda, quando todos os personagens começam a fazer ginástica num mesmo momento. Aliás, a padronização de comportamento é abordada numa situação semelhante, quando todos começam a falar ao telefone celular na mesma hora.
Esses momentos, em que todos os personagens fazem as mesmas coisas, como se influenciados por uma força maior, trazem à mente o poder que a propaganda tem sobre os comportamentos de compra e consumo e como as pessoas se iludem com as armadilhas criadas pela publicidade. Em meio a esse universo, surgem cenas excêntricas como a de uma vaca com os dizeres “just do it” no meio do supermercado, com um líquido amarronzado jorrando de suas tetas, sugerindo que seu leite já vem com achocolatado. Viés tecnológico e científico do consumo que merece reflexão.
http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/consumo/entrevista/vaca.jpg
A apatia dos consumidores, às vezes, dá lugar à curiosidade, como quando dois homens disputam a última embalagem de “por que somos mamíferos” e todos param para ver a luta física que só termina quando um dos “lutadores” está desacordado. Uma porta misteriosa mostra diferentes situações a quem atravessa seus limites. Uma delas é a pobreza tratada como show quando um grupo se diverte tirando fotos de mendigos. Há inclusive a distribuição de frascos direcionados a pessoas que tenham diferentes sintomas: “obsessão”, “paranóia”, “prisão de ventre”, “chocólatra”... Seria uma referência à cura para todos os males da indústria farmacêutica?
Uma das cenas mais comentadas é a do caixa eletrônico para saque de dinheiro, que sugere uma relação sexual, e culmina com a saída do dinheiro da máquina. O prazer e o poder de compra juntos. Mas nada passa despercebido ao sistema. Com câmeras por todos os lados, a segurança logo percebe uma tentativa de furto e trata de impedi-la. Não há caixas para pagamento, mas lugares onde se escolhe a forma de adquirir a dívida: seis meses, 12 meses... Quem não tem dinheiro, não tem vez. Sai de mãos vazias, para juntar-se às outras pessoas excluídas, que não podem entrar no “templo do consumo”.
Mesmo nesse ambiente impessoal, há um instante em que as pessoas se encontram e é possível perceber que, à revelia da imposição das prateleiras, as relações humanas parecem se sobressair. Por alguns momentos, os personagens parecem dar-se conta de suas histórias individuais e mostram-se à procura de suprir suas necessidades mais íntimas. Mas nem tudo é tranqüilo e a seqüência das cenas pretende provocar angústia. Um congestionamento de carrinhos causa irritação e comportamentos atípicos, como um ataque de riso em uma das personagens. Num dado momento, a trilha sonora, do belga Wim Mertens, é interrompida por um grupo que faz uma performance musical, numa tentativa frustrada de acabar com o tédio predominante. E outras tentativas de acabar com a alienação do consumo se seguem, até a catarse final.
O filme tem como referência a teoria das redes, que estuda os fenômenos sociais a partir de redes de interesses e relativiza a sociedade a partir das polaridades das classes sociais. Segundo o diretor, a injustiça social não é o único viés possível para se compreender o ser humano, ao contrário, atrapalha a compreensão das relações da sociedade, cada vez mais complicada. Para ele, nossa fragilidade está no fetiche: “somos fetichistas e muito susceptíveis à própria propaganda e aos seus slogans”. Nesse supermercado não há cor, não há marcas, só frases com o apelo usado para que comprem seus produtos, ou seja, vendem-se palavras, vendem-se slogans e, em última análise, vendem-se fetiches.
Masagão, também diretor dos documentários Nós que aqui estamos por vós esperamos, Nem gravata nem honra e Um pouco mais, um pouco menos, consegue trazer a discussão acerca do consumismo, assunto que não é novidade, à categoria de cinema-arte. Não se trata, porém, de entretenimento fácil, mas sim de um filme para ser visto com espírito crítico e que leva à reflexão.
Filme: 1,99 – Um supermercado que vende palavras
Direção: Marcelo Masagão
Brasil, 2003
(Envolverde/ComCiência)
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Comissão de Trabalhadores (as) do SEMAPI “pela Sustentabilidade”
Sexta-feira, dia 04 de julho, foi instalada a Comissão de Trabalhadores (as) do SEMAPI “pela Sustentabilidade”, a qual fará o monitoramento da implantação e implementação do Plano de Gestão Ambiental Sustentável.
Esta Comissão terá como tarefa inicial acompanhar a assessoria de Gestão e Qualidade Ambiental na realização do Diagnóstico por setor do Sindicato. Esse diagnóstico identificará como o SEMAPI faz as seguintes gestões:
1) Gestão de Materiais, Produtos, Energia.
2) Gestão da Água.
3) Gestão de Resíduos Sólidos.
4) Gestão de Emissões e Poluição sonora.
5) Gestão de Fornecedores de Produtos e Serviços.
Na seqüência, esta Comissão participará da elaboração do Plano e também será propositiva em relação à Identidade Visual do Programa de Gestão Ambiental Sustentável.
A Reunião de hoje foi com representantes de todos os setores. A partir de um debate acerca dos objetivos e metas o grupo definiu os integrantes da Comissão, ficando a mesma assim composta: Benhur Borges da Silva, Iolanda Mari Tavares, Luci Ester da Silva, Maria Helena Antunes Neto, Rafael Machado do Amaral e Tânia Regina Feijó. Participam ainda da comissão, a coordenadora do Coletivo de Administração, Maria Luisa Paixão Prates e do Coletivo Desenvolvimento Sustentável, Iara Borges Aragonez.
Este último, com essa ação, avança na implementação de seu planejamento que tem a "Sustentabilidade como Lógica Organizadora da Gestão do SEMAPI", como uma de suas principais estratégias para dar conta da sua missão de "LUTAR pela sustentabilidade do Planeta, desencadeando junto à base do SEMAPI e do Movimento Social, processos que oportunizem uma reflexão crítica sobre o modelo de desenvolvimento hegemônico, construindo uma ponte para a adoção de práticas cotidianas capazes de inverter a lógica estabelecida e de constituir as bases para um modelo de desenvolvimento sustentável".
É importante destacar que a constituição do Coletivo Desenvolvimento Sustentável é fruto de uma resolução do II Congresso do SEMAPI, realizado no ano de 2006 - Nosso Trabalho Tem Valor -, e implantado pela diretoria que fará a gestão no período de 2007-2010.
A Comissão “pela Sustentabilidade” nesse primeiro mês reunir-se-á semanalmente para organizar a sua ação. Mas, desde já, embalada pelo entusiasmo que a desafiadora tarefa produziu em todos (as), já propôs criativamente, uma data simbólica para mostrar a que vem.
14 de agosto, dia do combate a poluição. Nesse dia, o SEMAPI inaugurará um novo período, quando provocará positiva e propositivamente o conjunto de trabalhadores (as), de diretores (as) e de visitantes, para uma PRÁTICA que nos aproximará mais de nossos objetivos relacionados à SUSTENTABILIDADE.
Vida longa e muita energia para essa Comissão!!!
Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
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