terça-feira, 4 de março de 2008
Somos Mulheres, e não Mercadorias!
A globalização é caracterizada pela expansão dos domínios do mercado. Este sistema não se expande apenas colonizando regiões do planeta em que as sociedades estavam organizadas de maneira diferente. Ele se expande também aumentando os ritmos de exploração do trabalho nas fábricas, lares, escritórios, dentro de cada país e entre países, ocupando mais dimensões da vida em sociedade. Hoje as novas fronteiras do mercado estão avançando sobre nossos direitos, sobre o meio ambiente, a genética dos seres vivos, sobre os conhecimentos e a criatividade dos seres humanos.
As lutas feministas atuais e a construção da Marcha Mundial das Mulheres acontecem no contexto dessa expansão.
O crescimento da exploração e da banalização da imagem das mulheres, também, é parte da tendência global de organização da sociedade segundo regras de mercado, que determinam que tudo na vida pode e deve ser comprado e vendido. Esse mecanismo de agir e pensar na sociedade é o que chamamos de mercantilização: o processo que transforma tudo, todas e todos, em mercadorias, como se fossem sabonetes ou aspiradores de pó. A mercadoria é uma forma generalizada, de objetos ou coisas, que mantém a relação entre produção e consumo. A criação de falsas necessidades, o fetichismo, e a coisificação cada vez mais, criam e transformam os mais diversos aspectos da reprodução da vida em mercadorias. Este processo tem por base a exploração e a opressão em grau máximos, distanciando e fragmentando as relações pessoais e desconstruindo os direitos que já conquistamos e os que ainda lutamos para conquistar. Construir conhecimento crítico sobre esse processo, formas de organização e ação autônoma das mulheres que respondam a essa realidade é uma das tarefas do feminismo anti-capitalista.
O lugar da mulher na sociedade de mercado
O mercado é o grande instrumento/aparelho capitalista que regula e mantém o atual sistema econômico, conseqüentemente, a esfera e os espaços sociais são determinados pelas suas regras e imposições. Nesse sentido, a identidade, as atribuições e os espaços das mulheres na sociedade são definidos pelo mercado e suas necessidades. A forma mercadoria atinge homens e mulheres, posto que ambos trocam o seu trabalho material ou imaterial por dinheiro. Vivemos um momento em que a flexibilidade das leis trabalhistas e a exploração são cada vez maiores.
Entretanto, as mulheres sofrem bem mais com as crises e debilidades estruturais do sistema, como baixos salários, desemprego, informalidade, jornada tripla e doenças laborais. Todos esses aspectos que permeiam a mulher no mundo do trabalho são resultados da política do estado mínimo neoliberal, considerando a precariedade no atendimento público de saúde, a falta de creches, escolas, transporte entre outros, que aumentam os custos mensais em serviços privados e na maioria das vezes reproduz a precarização dentro de casa, com a contratação informal de domésticas e babás.
O sistema capitalista que legitima e reproduz o machismo relega às mulheres a condição de mercadorias, objetos. A representação da mulher na sociedade de mercado está associada a imagens e sucesso de venda de produtos, como cervejas, carros, músicas, sandálias, novelas e a televisão em geral. Esse processo de mercantilização da imagem da mulher construiu e legitimou o padrão físico e social do ser feminino. Assim, a valorização da mulher está ligada à padronização e as condições impostas pelo mercado, seus hábitos de consumo devem se pautar pelo uso de uma enorme quantidade de produtos e serviços voltados ao público feminino.
A imagem do Brasil é constantemente vinculada à beleza das mulheres brasileiras, tanto brancas como negras. O Brasil é conhecido mundialmente como “país das belas mulheres”, ou seja, modelos “tipo exportação”, assim chamadas pelo mercado da moda. Outros dois elementos inter-relacionados que contribuem à mercantilização dos corpos das brasileiras são o samba e carnaval. Sem entrar no mérito da identidade e símbolos da cultura nacional, o que queremos chamar a atenção é para a excessiva exploração da imagem e dos corpos de mulheres negras, geralmente magras, que exibem seus corpos nus para deleite de turistas que vêm ao Brasil todos os anos. Sem falar que, esta “propaganda” de corpos negros nus é o cartão de visitas para o turismo sexual no Brasil, enraizado no universo antigo da prostituição, o turismo sexual avança com a pressão por mobilidade e atrativos turísticos.
A demanda sexual é incentivada e estimulada por uma oferta cada vez mais atraente. O mercado amplia-se e vai se diversificando: uma internacionalização da oferta, com mulheres cada vez mais jovens, provenientes de todos os estados brasileiros, atraindo novos turistas (clientes). Com este afluxo de migrantes do sexo, alimentado pela sede de consumo, a rotação das garotas está garantida. Objetos de todo tipo de tráficos, os corpos são disponíveis e prestativos. Por tarifas cada vez mais baixas, conforme manda a livre concorrência de mercado.
A exposição da imagem e do corpo das mulheres como objeto contribui muito para colocá-las em permanente estado de insegurança com relação ao próprio corpo, gerando a necessidade de aprovação frente ao olhar externo.
A definição e percepção da “feminilidade” passam a responder as expectativas do mercado, baseadas nos desejos masculinos reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para perceber como estamos cercadas de produtos e serviços voltados às mulheres que se baseiam na exploração e na naturalização dessa dependência.
A magreza das super-modelos é esperada daquelas que “se cuidam” como “boas mulheres”. Diante destes símbolos e imagens do corpo da mulher na sociedade, devemos discutir as estratégias de apropriação do corpo com fins utilitários e mercadológicos, numa dinâmica engendrada pelo atual sistema econômico, violento, que forja seu impacto através do glamour dos equipamentos midiáticos. Cada vez mais jovens sofrem com transtornos alimentares como bulimia, anorexia, doenças que estão entre as principais causas de mortes das jovens segundo a Organização Mundial de Saúde. As cirurgias de redução do estômago lembram as cirurgias de retirada de parte do cérebro, lobotomia, de pessoas diagnosticadas como doentes mentais no século XIX, recentemente uma companhia americana patenteou um tratamento para obesidade à base de eletro-choques.
À imposição da magreza, somam-se o poder inquestionável da ciência e dos médicos e da ideologia da eficiência e das soluções imediatas típicas do neoliberalismo.
As formas do corpo da mulher, historicamente controladas, hoje também podem ser compradas segundo os padrões da moda. Segundo o secretário geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade de adolescentes que colocam prótese de silicone aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2003 foram realizadas 400 mil cirurgias plásticas no país. O crescimento do mercado também se dá por sua expansão para as mulheres do meio popular através de parcelamentos, consórcios ou dívidas com agiotas.
O estereótipo de beleza feminina do mercado perpassa a desconstrução de identidades de classe, étnicas, raciais, fisiológicas e biológicas, o que gera o padrão, a homogeneidade estética. Exemplo disto são os cabelos lisos a qualquer custo, comumente observa-se mulheres negras e brancas recorrerem a indústria cosmética para obterem tal resultado e aprovação da sociedade massificada.
O mercado capitalista também utiliza-se da cooptação de elementos potenciais de novos fetiches e maximização dos lucros. A identidade afro-brasileira é representada, também, através dos cabelos, o uso de tranças, por exemplo, é símbolo de resistência e afirmação étnico racial. Aos poucos criou-se um grande mercado em torno do cabelo afro, com revistas, produtos e serviços, denotando a cooptação de elementos culturais construídos fora do mercado.
Destaca-se que o papel e os espaços da mulher na sociedade de mercado são resultados de construções e regras orientadas pelo aparelho capitalista, que conta com a legitimidade da Igreja e do Estado burguês. Todos os aspectos descritos anteriormente são resultados de uma concepção de mulher como “sexo frágil”, psicologicamente carente, fraca e maternal. Nesse sentido, a função social da mulher além de cuidar do corpo e da estética é cumprir o papel de mãe e de esposa, pois abrem-se grandes mercados consumidores para a “família” e para a “mãe”. Exemplo disso é a maternidade biológica, que se tornou uma mercadoria, através da “reprodução assistida”. Cada vez mais as mulheres consideram natural procurar médicos, tomar hormônios e submeter-se a processos dolorosos e violentos para engravidar a todo custo. A materialidade da mulher de mercado é expressa nos comerciais de margarina, a mãe zelosa, produzida, bonita, delicada e preocupada em alimentar os filhos e a família. A feminilidade e o valor da mulher são medidos e identificados pelos cuidados estéticos: cabelos, corpo, pele, unhas em perfeita harmonia, sustentando a indústria cosmética e reproduzindo a condição de fragilidade e “ternura” que o mercado criou e necessita manter.
A coisificação, a massificação e o fetichismo da feminilidade e da mulher representam a sociedade invertida - em que sujeitos passam a objetos – que contempla o mercado, segue e reproduz suas regras apática e silenciosamente.
Ação feminista contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres
“Nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria!”A resistência à mercantilização do corpo e da vida das mulheres é um eixo fundamental para a construção de um feminismo autônomo e militante, que tenha presente o recorte de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global. O movimento feminista luta pela autonomia e emancipação das mulheres, pela ruptura com as estruturas que reproduzem e legitimam a suas condições de fragilidade e submissão através dos seus mecanismos e instrumentos.
O exercício cotidiano, a partir das experiências vivenciadas pelas mulheres, permite a desconstrução das estruturas que sustentam o mercado, bem como possibilitam a estabelecer relações entre as situações de opressão e o funcionamento da ordem econômica mundial.
A Marcha Mundial das Mulheres provoca nas suas militantes e na sociedade em geral questionamentos acerca dos símbolos e regras que condicionam e criam a imagem feminina voltada ao mercado. É preciso desconstruir e resignificar a concepção e os espaços da mulher na sociedade, romper com os estigmas e com as falsas identidades de feminilidade, de percepção do corpo, de reprodução social. Articulações e ações de demarcação políticas como o 8 de março reforçam as bandeiras de luta feminista e permitem que o coletivo de mulheres se aproprie cada vez mais dos espaços públicos, sentindo-se sujeitas da revolução social. Essa conquista das mulheres, de sua imagem, de seu espaço e função vem sendo desencadeada pelas ações e reflexões feministas, em prática diária do olhar crítico através da lente lilás do feminismo, sobre todas as manifestações desse fenômeno de apropriação de nossas vidas. Experiências autênticas possibilitam autonomia e liberdade sob nosso corpo e vida, pensamentos e condutas, desmistificando os significados produzidos perversamente no cotidiano. A construção de novos sentidos, a retomada do empoderamento subjetivo e de transformação coletiva, o protagonismo no processo de construção do feminismo como projeto político de vida e o rompimento radical com os símbolos da mercantilização e da opressão da mulher compõem a luta do movimento feminista e o universo que nos desafiamos a enfrentar.
"Mulheres querem um mundo de paz,
sem elite nem capataz"
Cláudia Prates e Analine Specht – Militantes da Marcha Mundial das Mulheres/RS
Referência bibliográfica:
Sof – Sempreviva Organização Feminsita
Caderno de Textos do I Encontro de Militantes da Marcha Mundial das Mulheres (25 a 28 de maio)
Livio Sansone - Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras no Brasil
Dâmaris Pires de Oliveira – Mercantilização do corpo: produção de imagens, produção de si - Damaris é psicóloga e militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres no Paraná pela Liga Brasileira de Lésbicas
Lê Mond Diplomatique – Edição Brasil
Maria Lúcia Silveira - Entrevista “Mercantilização do corpo e do sexo é uma forma de opressão” - Marcha Mundial de Mulheres
As lutas feministas atuais e a construção da Marcha Mundial das Mulheres acontecem no contexto dessa expansão.
O crescimento da exploração e da banalização da imagem das mulheres, também, é parte da tendência global de organização da sociedade segundo regras de mercado, que determinam que tudo na vida pode e deve ser comprado e vendido. Esse mecanismo de agir e pensar na sociedade é o que chamamos de mercantilização: o processo que transforma tudo, todas e todos, em mercadorias, como se fossem sabonetes ou aspiradores de pó. A mercadoria é uma forma generalizada, de objetos ou coisas, que mantém a relação entre produção e consumo. A criação de falsas necessidades, o fetichismo, e a coisificação cada vez mais, criam e transformam os mais diversos aspectos da reprodução da vida em mercadorias. Este processo tem por base a exploração e a opressão em grau máximos, distanciando e fragmentando as relações pessoais e desconstruindo os direitos que já conquistamos e os que ainda lutamos para conquistar. Construir conhecimento crítico sobre esse processo, formas de organização e ação autônoma das mulheres que respondam a essa realidade é uma das tarefas do feminismo anti-capitalista.
O lugar da mulher na sociedade de mercado
O mercado é o grande instrumento/aparelho capitalista que regula e mantém o atual sistema econômico, conseqüentemente, a esfera e os espaços sociais são determinados pelas suas regras e imposições. Nesse sentido, a identidade, as atribuições e os espaços das mulheres na sociedade são definidos pelo mercado e suas necessidades. A forma mercadoria atinge homens e mulheres, posto que ambos trocam o seu trabalho material ou imaterial por dinheiro. Vivemos um momento em que a flexibilidade das leis trabalhistas e a exploração são cada vez maiores.
Entretanto, as mulheres sofrem bem mais com as crises e debilidades estruturais do sistema, como baixos salários, desemprego, informalidade, jornada tripla e doenças laborais. Todos esses aspectos que permeiam a mulher no mundo do trabalho são resultados da política do estado mínimo neoliberal, considerando a precariedade no atendimento público de saúde, a falta de creches, escolas, transporte entre outros, que aumentam os custos mensais em serviços privados e na maioria das vezes reproduz a precarização dentro de casa, com a contratação informal de domésticas e babás.
O sistema capitalista que legitima e reproduz o machismo relega às mulheres a condição de mercadorias, objetos. A representação da mulher na sociedade de mercado está associada a imagens e sucesso de venda de produtos, como cervejas, carros, músicas, sandálias, novelas e a televisão em geral. Esse processo de mercantilização da imagem da mulher construiu e legitimou o padrão físico e social do ser feminino. Assim, a valorização da mulher está ligada à padronização e as condições impostas pelo mercado, seus hábitos de consumo devem se pautar pelo uso de uma enorme quantidade de produtos e serviços voltados ao público feminino.
A imagem do Brasil é constantemente vinculada à beleza das mulheres brasileiras, tanto brancas como negras. O Brasil é conhecido mundialmente como “país das belas mulheres”, ou seja, modelos “tipo exportação”, assim chamadas pelo mercado da moda. Outros dois elementos inter-relacionados que contribuem à mercantilização dos corpos das brasileiras são o samba e carnaval. Sem entrar no mérito da identidade e símbolos da cultura nacional, o que queremos chamar a atenção é para a excessiva exploração da imagem e dos corpos de mulheres negras, geralmente magras, que exibem seus corpos nus para deleite de turistas que vêm ao Brasil todos os anos. Sem falar que, esta “propaganda” de corpos negros nus é o cartão de visitas para o turismo sexual no Brasil, enraizado no universo antigo da prostituição, o turismo sexual avança com a pressão por mobilidade e atrativos turísticos.
A demanda sexual é incentivada e estimulada por uma oferta cada vez mais atraente. O mercado amplia-se e vai se diversificando: uma internacionalização da oferta, com mulheres cada vez mais jovens, provenientes de todos os estados brasileiros, atraindo novos turistas (clientes). Com este afluxo de migrantes do sexo, alimentado pela sede de consumo, a rotação das garotas está garantida. Objetos de todo tipo de tráficos, os corpos são disponíveis e prestativos. Por tarifas cada vez mais baixas, conforme manda a livre concorrência de mercado.
A exposição da imagem e do corpo das mulheres como objeto contribui muito para colocá-las em permanente estado de insegurança com relação ao próprio corpo, gerando a necessidade de aprovação frente ao olhar externo.
A definição e percepção da “feminilidade” passam a responder as expectativas do mercado, baseadas nos desejos masculinos reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para perceber como estamos cercadas de produtos e serviços voltados às mulheres que se baseiam na exploração e na naturalização dessa dependência.
A magreza das super-modelos é esperada daquelas que “se cuidam” como “boas mulheres”. Diante destes símbolos e imagens do corpo da mulher na sociedade, devemos discutir as estratégias de apropriação do corpo com fins utilitários e mercadológicos, numa dinâmica engendrada pelo atual sistema econômico, violento, que forja seu impacto através do glamour dos equipamentos midiáticos. Cada vez mais jovens sofrem com transtornos alimentares como bulimia, anorexia, doenças que estão entre as principais causas de mortes das jovens segundo a Organização Mundial de Saúde. As cirurgias de redução do estômago lembram as cirurgias de retirada de parte do cérebro, lobotomia, de pessoas diagnosticadas como doentes mentais no século XIX, recentemente uma companhia americana patenteou um tratamento para obesidade à base de eletro-choques.
À imposição da magreza, somam-se o poder inquestionável da ciência e dos médicos e da ideologia da eficiência e das soluções imediatas típicas do neoliberalismo.
As formas do corpo da mulher, historicamente controladas, hoje também podem ser compradas segundo os padrões da moda. Segundo o secretário geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade de adolescentes que colocam prótese de silicone aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2003 foram realizadas 400 mil cirurgias plásticas no país. O crescimento do mercado também se dá por sua expansão para as mulheres do meio popular através de parcelamentos, consórcios ou dívidas com agiotas.
O estereótipo de beleza feminina do mercado perpassa a desconstrução de identidades de classe, étnicas, raciais, fisiológicas e biológicas, o que gera o padrão, a homogeneidade estética. Exemplo disto são os cabelos lisos a qualquer custo, comumente observa-se mulheres negras e brancas recorrerem a indústria cosmética para obterem tal resultado e aprovação da sociedade massificada.
O mercado capitalista também utiliza-se da cooptação de elementos potenciais de novos fetiches e maximização dos lucros. A identidade afro-brasileira é representada, também, através dos cabelos, o uso de tranças, por exemplo, é símbolo de resistência e afirmação étnico racial. Aos poucos criou-se um grande mercado em torno do cabelo afro, com revistas, produtos e serviços, denotando a cooptação de elementos culturais construídos fora do mercado.
Destaca-se que o papel e os espaços da mulher na sociedade de mercado são resultados de construções e regras orientadas pelo aparelho capitalista, que conta com a legitimidade da Igreja e do Estado burguês. Todos os aspectos descritos anteriormente são resultados de uma concepção de mulher como “sexo frágil”, psicologicamente carente, fraca e maternal. Nesse sentido, a função social da mulher além de cuidar do corpo e da estética é cumprir o papel de mãe e de esposa, pois abrem-se grandes mercados consumidores para a “família” e para a “mãe”. Exemplo disso é a maternidade biológica, que se tornou uma mercadoria, através da “reprodução assistida”. Cada vez mais as mulheres consideram natural procurar médicos, tomar hormônios e submeter-se a processos dolorosos e violentos para engravidar a todo custo. A materialidade da mulher de mercado é expressa nos comerciais de margarina, a mãe zelosa, produzida, bonita, delicada e preocupada em alimentar os filhos e a família. A feminilidade e o valor da mulher são medidos e identificados pelos cuidados estéticos: cabelos, corpo, pele, unhas em perfeita harmonia, sustentando a indústria cosmética e reproduzindo a condição de fragilidade e “ternura” que o mercado criou e necessita manter.
A coisificação, a massificação e o fetichismo da feminilidade e da mulher representam a sociedade invertida - em que sujeitos passam a objetos – que contempla o mercado, segue e reproduz suas regras apática e silenciosamente.
Ação feminista contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres
“Nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria!”A resistência à mercantilização do corpo e da vida das mulheres é um eixo fundamental para a construção de um feminismo autônomo e militante, que tenha presente o recorte de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global. O movimento feminista luta pela autonomia e emancipação das mulheres, pela ruptura com as estruturas que reproduzem e legitimam a suas condições de fragilidade e submissão através dos seus mecanismos e instrumentos.
O exercício cotidiano, a partir das experiências vivenciadas pelas mulheres, permite a desconstrução das estruturas que sustentam o mercado, bem como possibilitam a estabelecer relações entre as situações de opressão e o funcionamento da ordem econômica mundial.
A Marcha Mundial das Mulheres provoca nas suas militantes e na sociedade em geral questionamentos acerca dos símbolos e regras que condicionam e criam a imagem feminina voltada ao mercado. É preciso desconstruir e resignificar a concepção e os espaços da mulher na sociedade, romper com os estigmas e com as falsas identidades de feminilidade, de percepção do corpo, de reprodução social. Articulações e ações de demarcação políticas como o 8 de março reforçam as bandeiras de luta feminista e permitem que o coletivo de mulheres se aproprie cada vez mais dos espaços públicos, sentindo-se sujeitas da revolução social. Essa conquista das mulheres, de sua imagem, de seu espaço e função vem sendo desencadeada pelas ações e reflexões feministas, em prática diária do olhar crítico através da lente lilás do feminismo, sobre todas as manifestações desse fenômeno de apropriação de nossas vidas. Experiências autênticas possibilitam autonomia e liberdade sob nosso corpo e vida, pensamentos e condutas, desmistificando os significados produzidos perversamente no cotidiano. A construção de novos sentidos, a retomada do empoderamento subjetivo e de transformação coletiva, o protagonismo no processo de construção do feminismo como projeto político de vida e o rompimento radical com os símbolos da mercantilização e da opressão da mulher compõem a luta do movimento feminista e o universo que nos desafiamos a enfrentar.
"Mulheres querem um mundo de paz,
sem elite nem capataz"
Cláudia Prates e Analine Specht – Militantes da Marcha Mundial das Mulheres/RS
Referência bibliográfica:
Sof – Sempreviva Organização Feminsita
Caderno de Textos do I Encontro de Militantes da Marcha Mundial das Mulheres (25 a 28 de maio)
Livio Sansone - Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras no Brasil
Dâmaris Pires de Oliveira – Mercantilização do corpo: produção de imagens, produção de si - Damaris é psicóloga e militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres no Paraná pela Liga Brasileira de Lésbicas
Lê Mond Diplomatique – Edição Brasil
Maria Lúcia Silveira - Entrevista “Mercantilização do corpo e do sexo é uma forma de opressão” - Marcha Mundial de Mulheres
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