domingo, 24 de agosto de 2008

O VENENO NOSSO DE CADA DIA: ATÉ QUANDO?

Por: Francisco Roberto Caporal
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural
pelo CPGER/UFSM, Doutor pelo ISEC – Universidad de Córdoba – Espanha
Coordenador Geral de ATER do DATER, Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA

Dose diária aceitável. A maioria da população nunca ouviu falar sobre o significado dessa expressão. Pois ela quer dizer a quantidade de venenos (agrotóxicos) que podemos ingerir diariamente, sem que, supostamente, estes venenos causem dano a nossa saúde. Quer dizer, se supõe que todos os organismos são iguais e que levando em conta apenas o peso corporal podemos ter tranqüilidade ao consumirmos alimentos contaminados por doses, supostamente, aceitáveis. Será que os consumidores sabem quanto de veneno estão ingerindo por dia? Qual a sua dose?

Período de carência. Esta é outra expressão nascida da mesma lógica perversa da indústria agroquímica. Supostamente, seria o período que antecede a colheita no qual um determinado veneno não pode ser aplicado aos cultivos, pois se aplicado não haveria tempo para a colheita se “descontaminar”. Esta ficção é, evidentemente, desconsiderada na maior parte dos casos, especialmente quanto ocorrem surtos de pragas ou doenças em cultivos que estão em fase de colheita e que são de colheita diária, como o tomate, por exemplo.

Embora muitos não acreditem, as pesquisas demonstram que estamos ingerindo venenos agrícolas todos os dias. Ao mesmo tempo, outras pesquisas relacionam a presença de contaminação humana por agrotóxicos com a incidência de câncer, de mal formação de fetos, de problemas de depressão e até mesmo, com a redução progressiva da fertilidade, entre outros tantos males da nossa época.

Não foi por acaso que no início dos anos 60, a professora norte-americana Rachel Carson escreveu em seu livro Primavera Silenciosa uma frase que até hoje atormenta aos inventores da parafernália agroquímica. Ela dizia: “Estamos expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos. Agentes químicos que, em muitos casos, têm efeitos cumulativos. Atualmente, este tipo de exposição começa acontecer tanto antes como durante o nascimento. Ninguém sabe ainda quais serão os resultados deste experimento, já que não há nenhum paralelo anterior que possa nos guiar”.

Mais recentemente, outros pesquisadores encontraram as evidências perversas desta “experiência” como podemos ver em detalhes no livro Nosso Futuro Roubado. Suas pesquisas mostram, como sugere o título, que esta aventura humana baseada na agroquímica está colocando em risco o futuro da humanidade e também de muitas espécies de mamíferos e aves. As contaminações diretas ou indiretas, por venenos que fazem parte da nossa alimentação diária ou que estão presentes no ar que respiramos e na água que bebemos em muitos lugares, estão agredindo nossa saúde de forma irreversível. E o pior é que, na maior parte dos casos, isto ocorre de forma lenta e imperceptível, pois ainda não temos um dispositivo que acenda uma luz vermelha na nossa testa quanto superamos a tal dose diária aceitável de veneno em nosso organismo.

Conscientes destes problemas, milhões de consumidores no mundo todo passaram a exigir alimentos com mais qualidade biológica e sem contaminação por venenos agrícolas. É óbvio que isto acontece mais naquelas sociedades em que está resolvida a questão da distribuição e da quantidade de alimentos para cada habitante. Não obstante, não parece justo nem correto que sabendo dos males dos venenos agrícolas não façamos algo para evitar que mais pessoas e animais sejam, cotidianamente, contaminados. Afinal, comer alimento sadio é um direito igual ao de ter acesso aos alimentos, pois caso contrário estaríamos sendo extremamente hipócritas. Seria o mesmo que dizer: para os ricos alimentos sadios e para os pobres podem ser alimentos contaminados.

Na esteira destas constatações o Rio Grande do Sul se tornou o estado pioneiro na luta contra os agrotóxicos. No início da década de 80 proibimos alguns pesticidas organoclorados e tivemos a primeira Lei de Agrotóxicos – não sem muitas contestações e pressão da indústria agroquímica. Passados 20 anos, entretanto, o assunto continua atual e é lamentável que os veículos de comunicação só tratem deste assunto de forma periférica e episódica, quando deveria ser objeto de permanente campanha educativa.

Alguém já pensou qual seria a reação da população se nas gôndolas dos supermercados fosse obrigado a colocar uma informação aos consumidores dizendo “este produto foi produzido com o uso de tais e tais venenos agrícolas”. Ou se fosse simplesmente usada a “caveira” que indica a presença de veneno. Ou ainda, que faria o consumidor se na etiqueta do seu pacote de alimento estivesse escrito para ter cuidado e não ultrapassar o consumo de sua dose diária aceitável de veneno, especialmente neste momento quando se denuncia o absurdo contrabando de venenos e seu uso indiscriminado.

Portanto, a realidade em que vivemos justifica a luta em favor de uma transição agroecológica capaz de, pouco a pouco, eliminarmos o modelo de agricultura agroquímica presente entre nós e estabelecermos novos estilos de agriculturas de base ecológica, capazes de reduzir danos ao meio ambiente e à saúde e de produzir alimentos sadios para todos. E isto é possível, como já demonstram milhares de agricultores e agricultoras do Rio Grande do Sul e outros de todos os lugares do mundo.

Nesta perspectiva, além de continuar estimulando a agricultura de base ecológica, a EMATER/RS-ASCAR, está reeditando um esforço para a redução do uso de veneno em nossa maior lavoura de grãos – a soja. Já temos tecnologia suficiente para eliminar o uso de venenos agrícolas neste cultivo e é ainda mais fácil reduzir seu uso. Por quê não fazê-lo?

* Este texto foi escrito em Janeiro de 2002, quando o Engenheiro Agrônomo, Francisco Roberto Caporal, ocupava o cargo de Diretor Técnico da EMATER/RS-ASCAR.

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