quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O DILEMA DO ONIVORO: O que devemos comer no almoço?

Resenha por Luciel Henrique de Oliveira
Engenheiro Agrônomo (UFLA, 1987), Mestre em Administração (UFLA, 1992), e Doutor em Administração de Empresas (EAESP/FGV,1998). Pós-Doutor em Administração, na área de Gestão Estratégica da Inovação Tecnológica e Operacional, (CenPRA - Ministério da Ciência e Tecnologia, 2007). Professor do UNIFAE e da EAESP-FGV. e-mail – luciel@uol.com.br

luciel@uol.com

O DILEMA DO ONIVORO:
UMA HISTORIA NATURAL DE QUATRO REFEIÇOES

Michael Pollan. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2007

O que devemos comer no almoço? Este livro é uma resposta longa e complexa para esta pergunta aparentemente simples. Ao longo do caminho o autor explica as implicações desta questão, e discute como uma questão tão simples pôde tornar-se tão complicada. As prateleiras de um supermercado, estágio final da cadeia alimentar contemporânea, são o ponto de partida escolhido pelo autor para começar a responder esta questão. O leitor é convidado a seguir o caminho inverso, reconstituindo o trajeto dos alimentos, desde o prato à nossa mesa até a origem de tudo: o solo. Quanto mais longo e intrincado é o percurso que liga as duas pontas dessa cadeia altamente industrializada, mais ignorantes nós nos tornamos a respeito do que estamos comendo.

Por que é cada vez mais complicado decidir o que almoçar? Os alimentos atualmente são vendidos apenas com base em seus benefícios para a saúde: um é capaz de reduzir seu colesterol, outro tem muitas fibras. Os nutrientes tornaram-se mais importantes que a comida em si, e o alimento tornou-se apenas um intermediário na entrega destas substâncias. Assim, escolher o que comer tornou-se uma decisão para profissionais, e não para amadores. Tem-se a impressão de que é necessário ter um diploma de nutrição ou bioquímica para tal escolha!

Afinal, que mistérios estão por trás de uma bolacha industrializada, de um hambúrguer, ou de um simples item de um cardápio de fast-food, como, por exemplo, um McNugget? Para responder a essa e outras perguntas, o autor leva o leitor a explorar, não apenas intelectualmente, mas sensorialmente, todas as implicações - éticas e ecológicas, econômicas e políticas - relacionadas ao ato de se produzir e consumir um alimento. O resultado da investigação é um misto de reportagem, ensaio e depoimento pessoal, numa obra que surpreende ao revelar que a aparente variedade dos modernos supermercados esconde uma alarmante uniformidade imposta pela superprodução industrial. Para chegar a um diagnóstico sobre o que considera a atual desordem alimentar, Michael Pollan investiga três mundos diferentes: o do cultivo e produção de alimentos em escala industrial, o do florescente negócio da agricultura orgânica (analisando o que tem de promissor e de enganoso), e o mundo ligado à caça e ao extrativismo. Neste último, ensaia uma volta à atividade primeira do Homo sapiens, o onívoro por natureza que todos nós somos.

Observamos que há cada vez mais produtos disponíveis nas prateleiras dos supermercados, criando a impressão de que temos mais tipos de comida disponíveis. Pollan explica que é fato que atualmente podemos encontrar diferentes frutas e vegetais do mundo todo num bom supermercado, muito mais do que encontraríamos cinqüenta anos atrás. Mas, ao analisar as fontes de calorias, nota-se que a nossa dieta está menos diversificada. Mais de dois terços das calorias consumidas diariamente vêm de apenas quatro vegetais cultivados em escala mundial e com grandes interesses econômicos: milho, soja, trigo e arroz. Há um século atrás, havia maior diversidade. Esta aparente diversidade no supermercado obscurece a realidade de que a diversidade de nossa dieta vem encolhendo.

Alimentos altamente industrializados são hoje a base da "dieta ocidental", que domina os Estados Unidos da América e se espalha pelo mundo. Nos últimos anos, a indústria vem lançando alimentos que supostamente seriam menos nocivos. Pollan denuncia essa manobra de marketing, que explora o medo dos consumidores para vender produtos de valor duvidoso. E lança um manifesto que propõe a volta à alimentação tradicional, orgânica e saudável dos nossos avós. Ele dá dicas de como qualquer um pode se alimentar com “comida de verdade”, em vez dos produtos artificiais da indústria alimentícia.

Pela primeira vez na história da humanidade, há mais pessoas obesas do que famintas no mundo. Os acima do peso respondem hoje por 1 bilhão da população mundial, diante de 800 milhões que passam alguma forma de privação na alimentação. As causas principais são más dietas e sedentarismo. Não ficamos fora desta estatística. O Brasil nunca foi tão gordo. Os brasileiros com massa corpórea superior à considerada normal já somam 43 milhões – o equivalente a 43% da população adulta, quase três vezes mais do em meados da década de 1990. Por conseqüência, a quantidade de pessoas em dieta para emagrecer também é enorme: 25% dos homens e 50% das mulheres. É um público propenso a acreditar em regimes que se vendem como capazes de operar metamorfoses na silhueta do dia para a noite, sem prejudicar a saúde.

Verifica-se atualmente uma obsessão em obter os nutrientes corretos, em alimentar-se de maneira saudável, e uma percepção errônea de que basta comer a comida correta que tudo estará bem com você e o mundo todo. Precisamos voltar a nos preocupar em conhecer toda a cadeia produtiva dos alimentos e não ficarmos obcecados com alguns nutrientes. A manutenção da saúde deve ser apenas uma conseqüência, e não o objetivo de comer bem. De forma geral devem ser aplicados cinco princípios éticos para uma escolha consciente na hora das refeições: transparência, equilíbrio, humanidade, responsabilidade social e necessidade.

Há ainda as implicações econômicas e políticas. Este livro é um importante alerta para um Brasil que se pretende transformar numa Arábia Saudita dos biocombustíveis. A afirmação de que não haverá necessidade de desmatamento para a produção e a exportação de grandes quantidades de biodiesel se baseia na avaliação de que grandes áreas de pastagens podem ser convertidas para monoculturas de oleaginosas com um pouco de modernização de nossa agricultura. Nos EUA, são necessárias duas calorias de fertilizantes sintetizados a partir do petróleo para produzir uma caloria de milho. E como o gado bovino é alimentado com milho, quase um barril de petróleo é consumido para cada animal abatido. Os excedentes da produção de milho estão na origem tanto da abundância quanto da obesidade. Os subsídios governamentais são enormes, o alimento industrializado tem preços baixos, mas dão origem aos altos índices de obesidade que custam algo em torno de 90 bilhões de dólares por ano em despesas médicas. Ou esses excedentes atravessam a fronteira do México, onde acabam com os pequenos produtores, aumentando a oferta e reduzido os preços.

Toda uma complexa cadeia de interesses gira em torno da produção de milho, impedindo que cessem os subsídios. A insensatez do agronegócio é objeto de uma análise que revela a importância de saber como se estrutura a indústria dos alimentos que chegam diariamente às nossas mesas. Há ainda a história dos outros três vegetais cultivados em escala mundial.

A industrialização dos alimentos mudou nossa relação com a comida. Como consumidores estamos desorientados, e não sabemos mais de onde vem nossa comida. A cadeia é tão grande que muita criança pensa que a comida vem do supermercado, que o leite vem da caixinha Tetra Pack. Muitas crianças hoje não entendem que a cenoura ou a batata são raízes. A indústria alimentar nos desconectou do fato de que para sobreviver dependemos de outras espécies, com as quais compartilhamos o planeta. Assim, nós entregamos a preparação dos alimentos para empresas de grande escala. Isto pode ser conveniente, porque nos faz ganhar tempo, mas estas empresas não cozinham bem: usam muito sal, gordura e açúcar, e logo a comida se torna altamente calórica e não tão nutritiva.

Em conseqüência nos tornamos mais vulneráveis. Somos vítimas mais fáceis das manipulações dos alimentos fast-food e das propagandas de dietas milagrosas. É uma das razões pela qual temos tantos problemas de saúde relacionados à alimentação. Não confiamos mais em nossas tradições, não sabemos mais como cozinhar. Precisamos tomar de volta a decisão sobre nossas escolhas alimentares e sobre a preparação das refeições. O livro segue por caminhos fascinantes e sua leitura nos faz perguntar se é isso mesmo que queremos para nossa vida.


Credenciais do autor

Escritor e jornalista estadunidense Michael Pollan é colaborador do New York Times Magazine. É professor de jornalismo na University of California, Berkeley, onde dirige o Programa de Jornalismo Científico e Ambiental. É autor de artigos polêmicos sobre a indústria alimentar. Recentemente lançou seu novo livro, In Defense of Food (Em Defesa da Comida), ainda sem tradução no Brasil.

Referências

POLLAN, Michael. O Dilema do Onívoro: Uma história natural de quatro refeições. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2007
POLLAN, Michael. The Botany of Desire: A Plant's-Eye View of the World. New York: Random House. 2001.
POLLAN, Michael. The Omnivore's Dilemma: A Natural History of Four Meals. New York: Penguin Press. 2006.
POLLAN, Michael In Defense of Food: An Eater's Manifesto. New York: Penguin Press. 2008
NOTA: Este último livro já está disponível em tradução ao português: Em defesa da Comida.

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