sábado, 4 de julho de 2009

Sobre o tempo, ou a falta dele

Por Roberto Patrus-Pena*

Primeira parte

O anúncio chegou via e-mail:

"Compro tempo.

Sou um sujeito muito ocupado e tenho andado numa correria danada. Minha solução é comprar tempo. Homens do marketing: quero produtos e serviços que atendam a minha necessidade de ter mais tempo. E quero pagar por isso.

Quero tempo para cuidar do lar, tecer eu mesmo a seda do meu casulo. Deixá-lo gostoso e aconchegante, com a adega e a despensa preparadas para receber os amigos. Quero tempo para ir à praça com meu filho, andar de bicicleta por aí, passear com os passos lentos e largos, comendo pipoca, sem aquela pressa dos dias de rush. Quero tempo para rever meus amigos, telefonar nos dias de aniversário, visitá-los para bater papo, tomar café com bolo e colocar os papos em dia. Do tempo que eu conseguir comprar, vou usar um pouco para ficar à toa, olhando o tempo passar.

Quero tempo para ficar na cama depois de acordar, espreguiçar lentamente, alongar cada parte do meu corpo preparando-me para mais um dia na vida. Não quero mais o suplício de uma viagem noturna de ônibus para ganhar um dia de férias. Viajar de carro pode não ser perder um dia com a viagem. Quero justamente ter o tempo para gastar com a própria viagem. Em cada curva da estrada, explicar para meus filhos a geografia da região, as plantações, o relevo, a indústria... Preciso parar com esta mania de chegar sempre. O segredo está no caminho. Preciso aprender a “ser o último a sair do avião” como ensinou Gilberto Gil.

O que quero não é muito. Quero tempo para trabalhar melhor, devotar-me a quem amo e ter momentos de lazer e diversão. Eu sei que vocês, homens do Marketing, têm se esforçado em resolver o meu problema. Eu uso celular, o meu banco é eletrônico, tenho controle remoto de TV, vídeo, som, portão eletrônico, fax, scanner, e tudo o mais quanto a tecnologia possa me oferecer. Mas não adianta. Preciso de mais tempo".

Segunda parte

A resposta ao email foi a seguinte:

"Meu amigo, você sofre de estresse, a doença do tempo. Não procure a solução fora de você, porque o tempo é uma categoria interna. Kant o disse na Filosofia, Einstein o constatou na física. Sêneca escreveu que "não é dos lugares o mal de que sofremos, mas de nós".

Seu problema está na sua filosofia de vida. Tempo é questão de preferência. A vida exige a eleição de prioridades, e a falta de tempo demonstra a sua dificuldade de escolher. Escolher é renunciar, por isso, o exercício da liberdade não se faz sem alguma angústia. Repito: tempo é questão de prioridade.

Entendi o seu problema, mas não procure os homens do Marketing. A solução está dentro de você. Não procure ganhar tempo. Desfrute-o. Não tente comprar tempo. Doe-o a seus projetos prioritários, a si mesmo, e àqueles com quem você vive e trabalha. Do contrário, você não terá tempo nunca. Nem saúde”.

* Roberto Patrus-Pena é filósofo, psicólogo, professor, psicoterapeuta, mestre em Administração, Doutor em Filosofia. Tem 42 anos, é professor da PUC Minas há 20 anos e espera, daqui a dois anos, ter dedicado a metade da sua vida a essa instituição. Mora em Belo Horizonte (MG), almoça todos os dias com a família e sabe o valor do seu tempo. Email: robertopatrus@pucminas.br

(Envolverde/Revista Plurale)

Um comentário:

FotoSemFatos disse...

Que bom que tive tempo para ler este artigo.
Ontem estive no lançamento de um livro do professor Sadi Dal Rosso que o título é: MAIS TRABALHO e o sub-título:A intensificação do labor na sociedade contemporânea. Exatamente isso, por conta de comprarmos a idéia de que a dita modernidade nos traz mais tempo, acabamos trabalhando MAIS com MENOS qualidade de vida e com o tempo MAIS comprometido na produtividade com suas metas e seus resultados.

MAIS TRABALHO EM MENOS TEMPO COM MAIS RESULTADO OCUPANDO TODO O TEMPO COM O TRABALHO.....

Eta equação destruidora.....
Paulinho Mendes