quarta-feira, 23 de junho de 2010
Não aguento mais rúcula
Daniela Gomes Pinto*
Uma das coisas que credito à globalização – e sou grata a ela – é a combinação rúcula-tomate seco-muzzarela de búfala. O trio é banal hoje em dia. Você encontra os ingredientes em qualquer mercado e no cardápio de todo restaurante. Mas quem tem mais de 30 anos deve lembrar: quando éramos crianças, esses ingredientes não existiam nos supermercados. Tínhamos nossas alfaces, mas nada equiparado à rúcula. Tínhamos nossos tomates, mas nada igual ao tomate seco. O mundo globalizado colocou em nossa mesa a mesma comida dos pequenos vilarejos italianos. Mas não necessariamente diversificou nosso cardápio.
A ideia de que só a agricultura industrial poderia dar conta de alimentar o planeta todo é um dos grandes mitos da globalização. Seus defensores idolatram o avanço tecnológico da produção alimentícia em grande escala, que soube superar as limitações relacionadas às estações do ano, às localidades geográficas, aos riscos de pragas. O resultado? Você pode comprar sua rúcula em qualquer lugar, em qualquer época do ano. O problema? Ai de você se bater uma saudade das alfaces de antigamente. Daqui a pouco, elas não existirão mais.
A variedade conhecida no Brasil como “alface americana”, famosa pela sua absoluta falta de sabor na minha humilde opinião, foi responsável na última década por mais de 70% de toda a produção de alface nos Estados Unidos. No percurso, os americanos extinguiram uma centena de outras variedades, de amargas a doces, de roxaescuras a verde-claras. O mesmo acontece com as maçãs. Graças aos processos industriais, temos hoje acesso às maçãs vermelhas americanas o ano todo. Mas o preço foi alto. Não se encontram mais os milhares de variedades que existiam até o século passado. Apenas duas variedades são responsáveis por mais de 50% do mercado americano.
Quem levanta esses dados é Andrew Kimbrell, organizador do livro Fatal Harvest, que acusa a monocultura da agricultura industrial de ter reduzido a diversidade natural de praticamente toda produção agrícola em termos de tamanho, cor e sabor. De novo, resgatemos a memória dos trintões. Nós chegamos a conhecer o sabor verdadeiro dos morangos, pequenos e feios nas prateleiras. Hoje, o morango é igual em todo o lugar: tamanho acintoso, brilho ofuscante, sabor medíocre.
A limitação trazida pela agricultura industrial globalizada não é apenas ruim para nosso cardápio. Ela reduz as escolhas das futuras gerações. Recentemente o jornal The New York Times relatou a expedição do cientista Andrey Sabitov à uma remota ilha na Rússia. Um lugar inóspito e frio.
Depois de três dias de caminhada, ele atingiu o vulcão Atsonupuri, para encontrar o que foi buscar: o morango silvestre Fragaria iturupensis, uma variedade não domesticada, parte de um esforço internacional de proteção de sementes ligado às preocupações com as mudanças climáticas. O aquecimento global, as secas e o aumento da salinidade das águas devem extinguir muitas variedades agrícolas.
Uma operação importante, portanto, é salvar sementes de variedades com maior potencial de sobreviver às alterações climáticas. E adivinhe. Frequentemente, as variedades selvagens mostram muito mais adaptabilidade do que as domesticadas.
Colorido sem graça
O problema é que, no passo que estamos, as variedades simplesmente não existirão para contar a sua história. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que no último século perdemos 75% de toda a diversidade genética agrícola mundial. Segundo pesquisa da Rural Advancement Foundation International, em apenas 80 anos – entre 1903 e 1983 - os inventários de estoques de sementes diminuíram vertiginosamente. Perdemos 96% das variedades de milho, 95% das variedades de tomates e 98% da variedades de aspargos.
Por isso, a paisagem do supermercado é traiçoeira. Aquele colorido todo não representa, na prática, tanta diversidade. A indústria alimentícia aperfeiçoou-se em variações sobre os mesmos temas: milho, soja, trigo e arroz. Dois terços de todas as calorias ingeridas pelo homem vêm deles. É uma simplificação radical das potencialidades da alimentação. Mas a matemática serve ao mundo moderno. Temos hoje variedade apenas dos alimentos que atingiram em escala mundial eficiência na plantação, colheita, distribuição e embalagem. E é possível contar nas mãos as empresas detentoras das marcas.
O ciclo é vicioso. Grandes empresas atingem um nível de distribuição em escala mundial que atende as grandes redes de supermercado, que, por sua vez, facilitam o trabalho das compras dos restaurantes. Alimentos mais regionais, peculiares e menos eficientes, não chegam às prateleiras. Comprar de pequenos agricultores dá trabalho, custa mais caro e impõe riscos. Mas o consumidor agradece. Acredite. Pode chegar o dia em que você, assim como eu, não vai mais aguentar rúcula.
* Pesquisadora do Gvces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science
Uma das coisas que credito à globalização – e sou grata a ela – é a combinação rúcula-tomate seco-muzzarela de búfala. O trio é banal hoje em dia. Você encontra os ingredientes em qualquer mercado e no cardápio de todo restaurante. Mas quem tem mais de 30 anos deve lembrar: quando éramos crianças, esses ingredientes não existiam nos supermercados. Tínhamos nossas alfaces, mas nada equiparado à rúcula. Tínhamos nossos tomates, mas nada igual ao tomate seco. O mundo globalizado colocou em nossa mesa a mesma comida dos pequenos vilarejos italianos. Mas não necessariamente diversificou nosso cardápio.
A ideia de que só a agricultura industrial poderia dar conta de alimentar o planeta todo é um dos grandes mitos da globalização. Seus defensores idolatram o avanço tecnológico da produção alimentícia em grande escala, que soube superar as limitações relacionadas às estações do ano, às localidades geográficas, aos riscos de pragas. O resultado? Você pode comprar sua rúcula em qualquer lugar, em qualquer época do ano. O problema? Ai de você se bater uma saudade das alfaces de antigamente. Daqui a pouco, elas não existirão mais.
A variedade conhecida no Brasil como “alface americana”, famosa pela sua absoluta falta de sabor na minha humilde opinião, foi responsável na última década por mais de 70% de toda a produção de alface nos Estados Unidos. No percurso, os americanos extinguiram uma centena de outras variedades, de amargas a doces, de roxaescuras a verde-claras. O mesmo acontece com as maçãs. Graças aos processos industriais, temos hoje acesso às maçãs vermelhas americanas o ano todo. Mas o preço foi alto. Não se encontram mais os milhares de variedades que existiam até o século passado. Apenas duas variedades são responsáveis por mais de 50% do mercado americano.
Quem levanta esses dados é Andrew Kimbrell, organizador do livro Fatal Harvest, que acusa a monocultura da agricultura industrial de ter reduzido a diversidade natural de praticamente toda produção agrícola em termos de tamanho, cor e sabor. De novo, resgatemos a memória dos trintões. Nós chegamos a conhecer o sabor verdadeiro dos morangos, pequenos e feios nas prateleiras. Hoje, o morango é igual em todo o lugar: tamanho acintoso, brilho ofuscante, sabor medíocre.
A limitação trazida pela agricultura industrial globalizada não é apenas ruim para nosso cardápio. Ela reduz as escolhas das futuras gerações. Recentemente o jornal The New York Times relatou a expedição do cientista Andrey Sabitov à uma remota ilha na Rússia. Um lugar inóspito e frio.
Depois de três dias de caminhada, ele atingiu o vulcão Atsonupuri, para encontrar o que foi buscar: o morango silvestre Fragaria iturupensis, uma variedade não domesticada, parte de um esforço internacional de proteção de sementes ligado às preocupações com as mudanças climáticas. O aquecimento global, as secas e o aumento da salinidade das águas devem extinguir muitas variedades agrícolas.
Uma operação importante, portanto, é salvar sementes de variedades com maior potencial de sobreviver às alterações climáticas. E adivinhe. Frequentemente, as variedades selvagens mostram muito mais adaptabilidade do que as domesticadas.
Colorido sem graça
O problema é que, no passo que estamos, as variedades simplesmente não existirão para contar a sua história. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que no último século perdemos 75% de toda a diversidade genética agrícola mundial. Segundo pesquisa da Rural Advancement Foundation International, em apenas 80 anos – entre 1903 e 1983 - os inventários de estoques de sementes diminuíram vertiginosamente. Perdemos 96% das variedades de milho, 95% das variedades de tomates e 98% da variedades de aspargos.
Por isso, a paisagem do supermercado é traiçoeira. Aquele colorido todo não representa, na prática, tanta diversidade. A indústria alimentícia aperfeiçoou-se em variações sobre os mesmos temas: milho, soja, trigo e arroz. Dois terços de todas as calorias ingeridas pelo homem vêm deles. É uma simplificação radical das potencialidades da alimentação. Mas a matemática serve ao mundo moderno. Temos hoje variedade apenas dos alimentos que atingiram em escala mundial eficiência na plantação, colheita, distribuição e embalagem. E é possível contar nas mãos as empresas detentoras das marcas.
O ciclo é vicioso. Grandes empresas atingem um nível de distribuição em escala mundial que atende as grandes redes de supermercado, que, por sua vez, facilitam o trabalho das compras dos restaurantes. Alimentos mais regionais, peculiares e menos eficientes, não chegam às prateleiras. Comprar de pequenos agricultores dá trabalho, custa mais caro e impõe riscos. Mas o consumidor agradece. Acredite. Pode chegar o dia em que você, assim como eu, não vai mais aguentar rúcula.
* Pesquisadora do Gvces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science
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