sábado, 26 de junho de 2010

Sete mitos fatais da agricultura industrial

Mito Um
A agricultura industrial vai alimentar o mundo.

A verdade
A fome no mundo não é causada por falta de alimentos, mas pela pobreza e pela falta de terra que impedem o acesso à comida. Na realidade a alimentação industrial aumenta a fome ao aumentar o custo do cultivo, ao expulsar dezenas de milhões de agricultores de suas terras e ao cultivar principalmente colheitas lucrativas para exportação e luxo.

Como alimentar um mundo faminto? Transformando cada terreno vazio em um canteiro.

Mito Dois
Alimentos industrializados são seguros, saudáveis e nutritivos.

A verdade
A agricultura industrial contamina vegetais e frutas com pesticidas e introduz hormônios de crescimento geneticamente manipulados no leite. Não é surpresa que o câncer, doenças provocadas pela alimentação e obesidade estejam alcançando picos nunca vistos.

Não há nada de seguro no uso rotineiro de fumigantes com brometo de metila e cloropicrim.

Milho consorciado com amarante e leguminosas em base de rotação dispensa pesticidas e adubos químicos para aumentar a fertilidade do solo

Mito Três
A alimentação industrializada é barata.

A verdade
Se você acrescentar o custo real dos alimentos industrializados — seus custos para a saúde, o meio ambiente e os custos sociais — nem nossos cidad ãos mais ricos teriam meios de pagá-los.

Um coquetel químico cobre filas intermináveis de feijão. O "sucesso" comercial da industria de pesticidas exige um custo muito elevado em ecossistemas e saúde humana

A orgia de cores e sabores atrai as pessoa para a feira dos agricultores. Amigos e vizinhos se reúnem para comprar, encontrar-se e celebrar as "estrelas" da estação. Estes são alimentos verdadeiros a preços verdadeiros

Mito Quatro
A agricultura industrializada é eficaz.

A Verdade
Pequenas propriedades produzem mais alimentos por área do que as grandes fazendas. Além disso, fazendas maiores, não diversificadas, requerem maior quantidade de máquinas e produtos químicos. Esta quantidade crescente de insumos está destruindo o meio ambiente e, muitas vezes, levam o agricultor à falência.

Um campo de mil acres,
sem uma única erva daninha à vista, indica o uso nocivo de pesticidas e herbicidas

Cada paisagem contém uma história. Fileiras de colheitas variadas indicam que a roça é diversificada, em pequena escala, permitindo que os predadores e os polinizadores naturais realizem a sua tarefa

Mito Cinco
Os alimentos industrializados oferecem mais variedades.

A Verdade
O que o consumidor realmente recebe no supermercado é uma escolha ilusória. A variedade de produtos nas prateleiras dos supermercados esconde na verdade uma perda trágica de dezenas de milhares de espécies causada pela agricultura industrial.

80,6% das variedades conhecidas de tomates foram
perdidas entre 1903 e 1983

Mito Seis
Agricultura industrial beneficia o meio ambiente e a fauna.

A Verdade
A agricultura industrial é a maior ameaça à biodiversidade.

Mito Sete
A biotecnologia vai resolver os problemas da agricultura industrializada.

A Verdade
A biotecnologia vai destruir a biodiversidade e segurança alimentar e vai forçar os agricultores a deixarem suas terras, consolidando o controle da oferta mundial de alimentos na mão de algumas poucas corporações enormes.

Fonte: Resurgence nº 217, março/abril 2003. Extraído do livro Fatal Harvest
editado por Andrew Kimbrell, Island Press, 2002 www.islandpress.org

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Não aguento mais rúcula

Daniela Gomes Pinto*

Uma das coisas que credito à globalização – e sou grata a ela – é a combinação rúcula-tomate seco-muzzarela de búfala. O trio é banal hoje em dia. Você encontra os ingredientes em qualquer mercado e no cardápio de todo restaurante. Mas quem tem mais de 30 anos deve lembrar: quando éramos crianças, esses ingredientes não existiam nos supermercados. Tínhamos nossas alfaces, mas nada equiparado à rúcula. Tínhamos nossos tomates, mas nada igual ao tomate seco. O mundo globalizado colocou em nossa mesa a mesma comida dos pequenos vilarejos italianos. Mas não necessariamente diversificou nosso cardápio.

A ideia de que só a agricultura industrial poderia dar conta de alimentar o planeta todo é um dos grandes mitos da globalização. Seus defensores idolatram o avanço tecnológico da produção alimentícia em grande escala, que soube superar as limitações relacionadas às estações do ano, às localidades geográficas, aos riscos de pragas. O resultado? Você pode comprar sua rúcula em qualquer lugar, em qualquer época do ano. O problema? Ai de você se bater uma saudade das alfaces de antigamente. Daqui a pouco, elas não existirão mais.

A variedade conhecida no Brasil como “alface americana”, famosa pela sua absoluta falta de sabor na minha humilde opinião, foi responsável na última década por mais de 70% de toda a produção de alface nos Estados Unidos. No percurso, os americanos extinguiram uma centena de outras variedades, de amargas a doces, de roxaescuras a verde-claras. O mesmo acontece com as maçãs. Graças aos processos industriais, temos hoje acesso às maçãs vermelhas americanas o ano todo. Mas o preço foi alto. Não se encontram mais os milhares de variedades que existiam até o século passado. Apenas duas variedades são responsáveis por mais de 50% do mercado americano.

Quem levanta esses dados é Andrew Kimbrell, organizador do livro Fatal Harvest, que acusa a monocultura da agricultura industrial de ter reduzido a diversidade natural de praticamente toda produção agrícola em termos de tamanho, cor e sabor. De novo, resgatemos a memória dos trintões. Nós chegamos a conhecer o sabor verdadeiro dos morangos, pequenos e feios nas prateleiras. Hoje, o morango é igual em todo o lugar: tamanho acintoso, brilho ofuscante, sabor medíocre.

A limitação trazida pela agricultura industrial globalizada não é apenas ruim para nosso cardápio. Ela reduz as escolhas das futuras gerações. Recentemente o jornal The New York Times relatou a expedição do cientista Andrey Sabitov à uma remota ilha na Rússia. Um lugar inóspito e frio.

Depois de três dias de caminhada, ele atingiu o vulcão Atsonupuri, para encontrar o que foi buscar: o morango silvestre Fragaria iturupensis, uma variedade não domesticada, parte de um esforço internacional de proteção de sementes ligado às preocupações com as mudanças climáticas. O aquecimento global, as secas e o aumento da salinidade das águas devem extinguir muitas variedades agrícolas.

Uma operação importante, portanto, é salvar sementes de variedades com maior potencial de sobreviver às alterações climáticas. E adivinhe. Frequentemente, as variedades selvagens mostram muito mais adaptabilidade do que as domesticadas.

Colorido sem graça

O problema é que, no passo que estamos, as variedades simplesmente não existirão para contar a sua história. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que no último século perdemos 75% de toda a diversidade genética agrícola mundial. Segundo pesquisa da Rural Advancement Foundation International, em apenas 80 anos – entre 1903 e 1983 - os inventários de estoques de sementes diminuíram vertiginosamente. Perdemos 96% das variedades de milho, 95% das variedades de tomates e 98% da variedades de aspargos.

Por isso, a paisagem do supermercado é traiçoeira. Aquele colorido todo não representa, na prática, tanta diversidade. A indústria alimentícia aperfeiçoou-se em variações sobre os mesmos temas: milho, soja, trigo e arroz. Dois terços de todas as calorias ingeridas pelo homem vêm deles. É uma simplificação radical das potencialidades da alimentação. Mas a matemática serve ao mundo moderno. Temos hoje variedade apenas dos alimentos que atingiram em escala mundial eficiência na plantação, colheita, distribuição e embalagem. E é possível contar nas mãos as empresas detentoras das marcas.

O ciclo é vicioso. Grandes empresas atingem um nível de distribuição em escala mundial que atende as grandes redes de supermercado, que, por sua vez, facilitam o trabalho das compras dos restaurantes. Alimentos mais regionais, peculiares e menos eficientes, não chegam às prateleiras. Comprar de pequenos agricultores dá trabalho, custa mais caro e impõe riscos. Mas o consumidor agradece. Acredite. Pode chegar o dia em que você, assim como eu, não vai mais aguentar rúcula.

* Pesquisadora do Gvces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sustentabilidade Humana


Por Demétrio Sena (*)

Saberes são sabores que advêm das vivências capazes de nos amadurecer.

Seria um sofrimento inexplicável não sofrer. Implicaria não ter ideia do que é sentir um alívio ou superar uma dor. São as sensações, boas ou ruins, que tornam o ser humano completo e o dotam de saberes que dão sentido à vida. Saberes são sabores que advêm das vivências capazes de amadurecer o espírito, a mente, o caráter, para que o corpo não passe pelo mundo como casca inútil cuja polpa nunca teve dulçor. Não teve, porque jamais amadureceu; foi de verde a podre, pulando estágios essenciais ao ser.

O alimento é precioso por existir a fome; a água, por existir a sede. O sono, porque há o cansaço. Logo, só existe o triunfo do soerguimento se houver antes a queda. Nenhuma dessas preciosidades valeria qualquer coisa sem a existência do seu oposto. E não é de coisas divinas que falo aqui. Sequer do próprio possível Deus. Falo das evidências que saltam aos olhos e quase sempre não queremos ver, porque nossa preguiça de viver está sempre à espera das facilidades que os vermes, os fungos e as bactérias também buscam. Com sucesso, porque é de suas naturezas e porque tudo apodrece, tornando-se nutrientes naturais de parasitas e afins. Também não me refiro aos autoflagelos nem aos sacrifícios e sofrimentos buscados como táticas artificiais e hipócritas de puruficação pessoal.

Refiro-me à coragem, à determinação para lutar contra os percalços, adversidades, tristezas e muitas frustrações que são mesmo próprios do existir e não visam méritos ou escolhem nas classes, etnias e culturas quem sofrerá o quê. Sendo assim, devemos dispensar as desventuras evitáveis e combater os efeitos aviltantes daquelas que nada pode anular quando vêm. Isto se chama equilíbrio; sustentabilidade humana. E todo esse exercício deve ser empreendido não apenas com vistas ao eu, mas também (e principalmente) ao nós. O mundo não é um indivíduo. É um coletivo no qual todos podem se ferir de alguma forma, quando algo foge do rumo.

Se todos nós aprendermos a fazer algo pelo outro ou por nós mesmos em razão do todo, seremos uma sociedade sadia; que sabe vencer os desafios e desafiar novos horizontes, mistérios e surpresas que nunca deixarão de surgir.

* Demétrio Sena é educador lotado no CIEP 327, Suruí - Magé - RJ, palestrante e membro da Academia Mageense de Letras

(Envolverde/Pauta Social)

domingo, 6 de junho de 2010

Sabores em risco

por Priscilla Santos
Revista Vida Simples

Não só animais estão ameaçados de extinção. No Brasil, há diversos alimentos perigando desaparecer – levando junto tradições culturais e memórias gastronômicas

No caminho para casa, Carlo decidiu parar no restaurante de um velho amigo com o intuito de se recuperar de uma extenuante viagem com o afago de um prato de peperonata, ensopado italiano salpicado por um pimentão doce e carnudo da variedade “quadrado d’Asti”. Para seu desalento, o que provou foi o empobrecimento do gosto daquela receita dos deuses, sendo que a qualidade do chef era inquestionável. Decepcionado, descobriu que aqueles pimentões perfumados e polpudos que povoavam sua memória gustativa quase não eram mais produzidos na região. No lugar deles, variedades insossas cultivadas em larga escala na Holanda haviam extorquido a originalidade da receita. “São mais baratos e ninguém compra os nossos”, lhe explicou, mais tarde, um ex-produtor dos pimentões de Asti, que sorriu ao dizer que agora cultiva bulbos de tulipas e os envia à Holanda para florescer.

A concorrência dos alimentos produzidos em larga escala é apenas uma das causas que colocam cerca de 800 produtos em uma lista mundial de alimentos em risco de desaparecer. Isso mesmo: assim como animais, ingredientes também podem estar em processo de extinção, afinal, são frutos da natureza. O catálogo internacional chama-se Arca do Gosto, numa referência à metáfora bíblica da Arca de Noé. Foi elaborado e é atualizado constantemente por chefs de cozinha, agrônomos, cientistas da alimentação, jornalistas e antropólogos, que se voluntariam em um projeto da Fundação Slow Food pela Biodiversidade, presidida por Carlo Petrini, o Carlo, que não se conformou com o sumiço dos pimentões de Asti.

Para entrar na lista, um ingrediente ou alimento processado precisa não só estar em risco de sumir do mapa mas ter sabor especial, ser produzido em pequena escala de forma artesanal e estar ligado à memória e à identidade dos habitantes de certa região. “Para mim, como italiano, perder um queijo é como amputar uma igreja gótica ou um castelo medieval, pois gerações de pessoas trabalharam com esse alimento, é um patrimônio identitário, sem ele somos pobres”, diz Petrini.