Cabe destacar que o texto “Agricultura familiar e Consumo de Agrotóxicos”, é uma sistematização de estudo realizado em 2003, junto à famílias de agricultores do município de Imigrante. Em que pese o tempo transcorrido, o tema continua sendo muito atual e as informações nele contidas, relevantes para aqueles que se dedicam a temática “sustentabilidade”.
Boa leitura.
Iara Borges Aragonez.
BERNARDI, L.E.
Agricultura familiar e Consumo de Agrotóxico
Imigrante, maio de 2004
Escritório Municipal da Emater/RS-Ascar
Escritório Regional de Estrela
Resumo
Para conhecer e avaliar a realidade do uso e do cuidado que o usuário de agrotóxicos dispensa a si próprio, a Emater/RS-Ascar realizou durante o mês de março de 2003, investigação junto a 33 famílias de agricultoras do município de Imigrante. Os resultados indicam que 91% das propriedades utilizam agrotóxicos, sendo 76% aplicados através de pulverizadores costais. Das propriedades envolvidas, 94% declararam não possuir equipamento de proteção individual adequado para aplicação destes agroquímicos. Nunca ao longo da sua história pequena propriedade familiar utilizou tanto agrotóxico sem a mínima proteção individual, evidenciando o desconhecimento dos riscos à saúde e a falha nos mecanismos educativos utilizados.
Palavra chave
Agrotóxicos, agricultura familiar e saúde.
Contexto
Imigrante, localizado no Vale do Taquari compõem-se por uma população de pouco mais de 3.000 habitantes basicamente descendentes de alemães (70%) e italianos (30%), que em 1988 constituíram município emancipando-se de Estrela e Garibaldi. Com topografia acidentada, baixa mecanização e progressivo envelhecimento da mão-de-obra ativa do meio rural, a agricultura familiar atual de Imigrante assenta-se sobre o cultivo do milho, produção leiteira, suinocultura, terminação de frango, fruticultura e cultivos diversos de subsistência. As doze comunidades rurais mantêm sua organização característica no entorno da capela e salão comunitário. Cada comunidade possui representação no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e, onze comunidades possuem grupos organizados de mulheres que sistematicamente reúnem-se com apoio da extensão rural para debater e aprofundar temas de interesse anualmente planejados.
Assim, a partir da demanda de três grupos de mulheres rurais organizadas do município, para que a equipe da Emater/RS-Ascar realizasse uma reunião sobre os efeitos dos agrotóxicos sobre o organismo humano, é que se desenvolveu o trabalho objeto da presente sistematização.
Descrição da experiência
A presente investigação realizou-se durante o mês de março de 2003, junto às comunidades de Ernesto Alves, Boa Vista 37 e Imhoff frente, no município de Imigrante. Através de reuniões com três grupos organizados de mulheres trabalhadoras rurais (Agricultoras Sempre Unidas, Girassol e Flor da Primavera), realizou-se um trabalho de sensibilização sobre a realidade dos agrotóxicos e seus efeitos sobre o organismo humano.
“O Brasil encontra-se entre os maiores consumidores de agroquímicos do mundo, tanto aqueles de uso agrícola como os domésticos e os utilizados em Campanhas de Saúde Pública”. Em 1999, isso representava 7% do consumo mundial.
Dada a falta de controle no uso destas substâncias químicas tóxicas e o desconhecimento geral sobre os riscos e perigos à saúde daí decorrentes, estima-se que as taxas de intoxicação humana no país sejam altas. Segundo a Organização Mundial da Saúde para cada caso notificado de intoxicação, ter-se-ia 50 outros não notificados. A Fiocruz/ Sinitox informa que em 1993 foram notificados no país 6000 casos de intoxicação por praguicidas, que corresponderiam estimadamente a 300.000 casos de intoxicação naquele ano. Desta forma, é seguro afirmar que o evento intoxicação e as doenças daí decorrentes constituem-se em um grave problema de saúde pública, caracterizando-se como endemia.
Quando se fala em toxidade de uma substância, limitamo-nos muitas vezes embora erradamente, a considerar os efeitos mais rápidos que sua penetração no organismo provoca. Entre estes efeitos o mais grave, evidentemente é a morte. Na realidade os efeitos tóxicos também provem do consumo ou exposição a doses pequenas para provocar intoxicação aguda, mas cuja repetição acaba por originar efeitos mais graves. Basicamente podemos classificar os efeitos dos agrotóxicos em agudos e crônicos, sendo estes últimos ainda pouco pesquisados. Há pelo menos 50 agrotóxicos no mercado que são potencialmente carcinogênicos para o ser humano. Outros efeitos são neurotoxidade retardada, lesões no sistema nervoso central, redução de fertilidade, reações alérgicas, evidências de mutagenicidade, lesões no fígado, efeitos teratogênicos entre outros.
A propaganda das empresas que comercializam agrotóxicos centraliza seu foco na eficiência do produto para este ou aquele fim, orientando em minúsculas letras para os cuidados durante a manipulação e a aplicação. “Entretanto, nunca alertam para os riscos potenciais, como, por exemplo, ocorre na comercialização do cigarro.”
Tendo claro que a preocupação com a saúde familiar é mais feminina, formularam-se no final do trabalho questões orientadoras buscando conhecer e analisar a realidade atual de uso e do cuidado que o usuário de agrotóxicos dispensa a si próprio. O universo envolvido no trabalho foi de 33 famílias, o que representa uma amostra aleatória de 5,5% das famílias rurais do município.
Resultados
Ao questionamento de quantas propriedades utilizam agrotóxicos, 91% das entrevistadas responderam que utilizam principalmente herbicida para implantação das lavouras de milho. A dose média por hectare fica à ordem de 7 litros, sendo dois litros de dessecante especialmente a base de glifosato e 5 litros de pré-emergentes.
Em recente revisão bibliográfica na literatura internacional, CLARO e PAGANELLA investigaram os efeitos do glifosato sobre a saúde humana, identificando registros de irritação na pele e olhos, mutagenicidade, carcinogenicidade e efeitos sobre a reprodução entre outros.
Se projetarmos este percentual e esta dosagem média para toda área de cultivo de milho realizada no Vale do Taquari, teremos uma carga química despejada por ciclo produtivo neste agroecossistema de aproximadamente um milhão de litros de agrotóxicos. Parte desta carga certamente terá como destino final os sistemas aquáticos. Por serem poucos os trabalhos sistemáticos de monitoramento existentes com o foco nos recursos hídricos, é interessante avaliar o resultado do trabalho realizado pela Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambientes do Paraná entre os anos de 1976 e 1984, citado por LUNA, onde das 1825 amostras de água colhidas nos rios, constatou-se que 84% apresentavam resíduos de pesticidas.
Quanto à forma de aplicação, 24% das entrevistadas informaram que utilizam equipamentos de aplicação mecanizados e costal. A aplicação com equipamentos mecanizados ocorre nas áreas mais planas naquelas comunidades que dispõe de prestador de serviço. Já, 76% das propriedades utilizam exclusivamente equipamentos costais. É importante verificar que esta forma expõe muito mais o aplicador aos pesticidas, devido ao maior tempo necessário à aplicação e ao rigor físico exigido.
Com relação ao uso de equipamentos de proteção individual-EPIs, 94% das famílias entrevistadas informaram não possuir tal equipamento. Este dado reveste-se de relevância, pois existe uma correlação direta entre casos de contaminação e aplicação de agrotóxicos sem uso de equipamentos de proteção individual.
Um trabalho realizado em 2002 pelas Universidades de Caxias do Sul e Federal do Rio Grande do Sul, junto a produtores do Nordeste Gaúcho, comprovou que 22% estão intoxicados pelo uso continuado de agroquímicos e 53% apresentam estresse oxidativo. Para o grupo controle foram escolhidas pessoas com a mesma faixa etária que não tem contato direto com agrotóxicos, comprovando que nenhum apresentava contaminação. A mesma pesquisa constatou que apenas 38% dos agricultores consultados usam os equipamentos individuais de proteção de forma completa.
Com base nesta amostragem concluímos que nunca ao longo da sua história, a pequena propriedade familiar da Região, utilizou tanto agrotóxico como atualmente vem utilizando.
Paradoxalmente, contrastando com o acesso e disponibilidade de informações, inclusive exigida por força de lei ao adquirir um pesticida qualquer, os usuários destes produtos majoritariamente não possuem e, portanto não utilizam equipamentos de proteção a sua própria saúde.
O produtor, que pela sua lógica, acredita naquilo que vê apenas, constitui-se numa vítima deste sistema produtivo, ao negar os riscos à sua própria saúde, certamente seu maior patrimônio pessoal. Tal fato pode estar ligado à permissividade da propaganda dos agrotóxicos, que sonega informações sobre os riscos potenciais à saúde a que usuários e consumidores estão expostos.
Como ação direta, após este estudo de caso, a equipe local da Emater/RS/Ascar realizou um trabalho de esclarecimento junto às outras comunidades não envolvidas no primeiro momento. Também realizou um trabalho em conjunto com a Escola Estadual 25 de maio, dirigido às turmas do primeiro, segundo e terceiro ano do segundo grau, procurando sensibilizar este público para a grave realidade identificada. O mérito do trabalho realizado a partir da realidade vivenciada pelas famílias rurais, foi de recolocar na pauta da rotina da assistência técnica e extensão rural pública de Imigrante, este tema desafiador tido como superado, bem como de apontar para a necessidade de construção de outro caminho possível.
Potencialidades e limites
Frente a esta realidade impõe-se como ponto de partida imediata ao ensino, pesquisa e extensão rural, desenvolver estratégias para compor sistemas produtivos com desempenho ambiental e humano mais satisfatório e sustentável.
Este trabalho pode servir de alerta a outros municípios que podem estar vivenciando passivamente a mesma realidade. A metodologia simples utilizada pode ser facilmente reproduzida no ambiente de trabalho da extensão rural.
Noutro campo, os resultados visualizados que são preocupantes do ponto de vista da saúde pública, podem servir de indicador de eficiência dos instrumentos legais hoje utilizados na comercialização de agrotóxicos. Quero crer que esteja ocorrendo falhas graves na utilização destes instrumentos o que exige um olhar mais atento dos conselhos profissionais e órgãos públicos de fiscalização, incluindo uma avaliação da propaganda empreendida pelas empresas que produzem e comercializam tais produtos.
Autores e colaboradores
Autor da sistematização: Engenheiro Agrônomo Lauro Bernardi
Colaboradora: Extensionista Social Nair K. Massotti e Técnico agrícola Antônio Maccali
Rede de contato
Escritório Municipal da Emater/RS-Ascar emimigra@emater.tche.br; emsclara@emater.tche.br; e l.bernardi@terra.com.br ;
Bibliografia consultada
CLARO, S. A & PAGANELLA, F. Agrotóxicos que afetam a vida. Sobradinho. 2000.
LUNA, A. J; SALES, L.T; SILVA, R.F. Agrotóxicos: responsabilidade de todos.
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CARSON, R. Primavera Silenciosa. Ed. Melhoramentos. São Paulo. 1964. 305p.
BRONFIELD, L. Vale Aprazível. Ed. Melhoramentos. São Paulo. 1962. 268p.
GLIESSMANN, S. A agricultura pode ser sustentável. Agroecologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável. Rev.EMATER-RS. V.1,n.3, jul/ago/set. 2000.
AGROECOLOGIA - CIÊNCIA E MOVIMENTO SOCIAL
"Este vídeo é uma contribuição de professores e estudantes da UFBA apra a difusão nacional e internacional da Agroecologia. O professor Manoel Baltasar da UFSCAR apresenta as bases teóricas e pincípios agroecológicos enquanto agricultores, sindicalistas e representantes de ONGs faltam de suas práticas e experiências".
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