domingo, 30 de março de 2008
Colheita do Arroz Ecológico
Estas são algumas das imagens que registrei sexta-feira, dia 28 de março, participando da Abertura da Colheita do Arroz Ecológico dos Assentamentos do MST da grande Porto Alegre/RS. A atividade foi no Assentamento 30 de maio em Charqueadas, coordenada pela Cooperativa de Produção Agropecuária de Charqueadas (COPAC). Celebraram juntas, as famílias dos assentamentos de Nova Santa Rita, Viamão, Guaíba, Eldorado do Sul e Tapes.
Aproveito essa vivência para avançar em nossas reflexões sobre SUSTENTABILIDADE e DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
O que vi lá, para além do arroz ecológico?
Vi homens, mulheres e crianças de cabeça erguida. Seguros do caminho que trilham. Com muita dignidade e paciência histórica. Conversei com muitos (as) que, depois de esperarem, acampados debaixo de lona preta, beira-de-estrada, por quatro, cinco, seis anos, finalmente desfrutam do ASSENTAMENTO. Vitória? Sim, porém, muita luta ainda pela frente. Moradia, educação, infra-estrutura, crédito, assistência técnica, equipamentos, insumos, produção, comercialização e o permanente desafio da construção coletiva. Nada vem pronto e para essa gente que luta pela sobrevivência desde sempre, nada é fácil. Ou melhor, tudo é muito difícil.
Entretanto, há uma magia nessa saga. Pois, forja poetas, “bruxos”, “curandeiros”, declamadores, cantantes, pajadores e guerreiros, no bom sentido, guerreiros. ARTISTAS, se retiro desse conceito alguns dos seus significados, como SENSIBILIDADE e TALENTO. Agrego ainda características como a capacidade de ensinar e de aprender o tempo todo. Dentre os ensinamentos o de que o tempo, a organização, a solidariedade, a tolerância, a tenacidade e a mística, são parte da vitória. E mais, que a vitória também depende do seu protagonismo na luta por políticas públicas que dêem conta de todas essas dimensões.
Ou seja, o movimento social forja seres integrais.
Mas, e o que isso tem a ver com sustentabilidade e desenvolvimento sustentável?
Eu não vou me ater em aprofundar essa reflexão. Opto por recorrer àqueles que já se debruçaram sobre o assunto e nos traduzem com muita sabedoria significados que nos permitem compreender a partir de referenciais científicos.
Aqui apenas destaco que a sustentabilidade está estreitamente vinculada a aspectos sociais, culturais, políticos, ético e étnico, para além do ambiental. De nada nos serviria um ARROZ ECOLÓGICO se este fosse fruto de processos que nos apresentassem como resultante social e psicológica, pessoas subordinadas, exploradas, embotadas, tristes, incapazes de sonhar coletivamente e de projetar um futuro digno para si, para os seus filhos e para a coletividade.
A experiência do MST e de outros processos sociais e econômicos, que têm nas pessoas a centralidade, têm muito a nos ensinar nesse sentido.
Mas, nesse exato momento, lembro de uma citação encontrada no livro “A TEIA DA VIDA” de Fritjof Capra, que diz o seguinte: “Isso nós sabemos. Todas as coisas são conectadas como o sangue que une uma família... O que acontecer com a terra acontecerá com os filhos e filhas da terra. O Homem não teceu a teia da vida, ele é dela apenas um fio. O que ele fizer para a teia estará fazendo a si mesmo”.
O grifo (negrito) é meu, pois acho uma afirmação perfeita e nos alerta para que não nos baseemos em valores estritamente antropocêntricos (centralizados no ser humano) e sim em valores ecocêntricos (centralizados na terra). Este último nos inclui e dá conta de todos os seres vivos. Segundo Capra, “...quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo...”.
Bem, devo parar.
Abaixo, um texto do Dr.Francisco Roberto Caporal (no pé de página do texto encontram-se as informações curriculares) que, de forma científica, objetiva e muito pedagógica nos fala sobre o significado da Agroecologia. Segundo ele, a mesma, nos faz entender “que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania...”.
Mais abaixo, ainda para avançarmos na compreensão da SUSTENTABILIDADE, um texto do meu querido amigo Roberto Marinho (Diretor do Departamento de Estudos e Divulgação da Senaes – Secretaria Nacional de Economia Solidária) que discorre sobre sustentabilidade de forma também muito pedagógica, nos ajudando a avançar na compreensão histórica desse conceito. O relaciona com a economia solidária, territorialidade, inclusão social e muito mais.
Boa Leitura!!!
Iara Borges Aragonez.
Agroecologia não é um tipo de agricultura alternativa
Por Francisco Roberto Caporal*
Ao longo deste artigo vamos tentar argumentar sobre a importância do uso correto dos nomes das coisas para que se tenha maior precisão nas estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de construção de tipos de agriculturas sustentáveis**, que possam impulsionar uma profunda mudança no meio rural e na agricultura, além de reorientar ações de Assistência Técnica e Extensão Rural, numa perspectiva que assegure maior sustentabilidade sócio-ambiental e econômica dos territórios rurais.
Como temos procurado alertar em outros textos, é comum a confusão quando se fala de tipos de agricultura alternativa e de Agroecologia, como se fossem a mesma coisa. Já faz muitos anos que, ao lado da implementação da agricultura convencional, agroquímica ou industrial, vêm sendo praticadas diferentes formas de agricultura que são sócio-ambientalmente mais adequadas. Nos anos 80, se convencionou chamar a estas agriculturas ambientalmente mais corretas de agricultura alternativa. De fato, existem muitos tipos de agriculturas alternativas, com diferentes denominações. Elas se orientam por determinadas linhas filosóficas, diferentes enfoques metodológicos, assim como diferentes práticas, tecnologias, uso de preparados ou, simplesmente, proibições e restrições de uso de certos insumos, etc. Dependendo do arranjo que seja adotado no processo produtivo, elas assumem diferentes denominações: Natural, Ecológica, Biodinâmica, Permacultura, Biológica ou Orgânica, entre outras. Contudo, estas escolas ou correntes da agricultura alternativa não necessariamente precisam estar seguindo as premissas básicas e os ensinamentos fundamentais da Agroecologia. Na realidade, uma agricultura que trata, por exemplo, apenas de substituir insumos químicos convencionais por insumos “alternativos”, “ecológicos” ou “orgânicos” não necessariamente será uma agricultura ecológica em sentido mais amplo.
Por outro lado, ainda nos anos 80, nascia a Agroecologia: um enfoque científico que iniciou com a tentativa de mostrar novas maneiras de integrar a Agronomia com a Ecologia, mas que, logo em seguida, viria a incorporar a importância do saber popular, sobre o ambiente e sobre o manejo dos recursos naturais nos processos produtivos agrícolas ou extrativistas, que foi acumulado pelas comunidades tradicionais ou camponesas ao longo dos anos, passando a articular, desta forma, o conhecimento científico com estes saberes.
Nesse processo de construção da Agroecologia como uma nova ciência, foram sendo incorporados aportes de outros campos do conhecimento: Sociologia, Antropologia, Física, Economia Ecológica, História e tantas outras que nos ajudam a entender e explicar a crise sócio-ambiental gerada pelos modelos de desenvolvimento e de agricultura convencionais e, ao mesmo tempo, contribuem para a gente pensar e construir novos desenhos de agroecossistemas (sistemas manejados pelo homem) e de agricultura que caminhem na direção da sustentabilidade. Na verdade, então, a Agroecologia, no seu sentido mais comum, é a ciência que nos ajuda a articular diferentes conhecimentos científicos e saberes populares para a busca de mais sustentabilidade na agricultura.
Assim, ao contrário da agricultura convencional baseada na Agronomia tradicional ensinada pela Revolução Verde, que sempre tende para a simplificação dos sistemas agrícolas, levando para o extremo, como são as monoculturas, a Agroecologia é uma ciência que se situa no campo da complexidade, razão pela qual exige um enfoque holístico (ver o todo) e uma abordagem sistêmica (relações entre as partes) para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis e, por isso mesmo, necessariamente mais complexos.
Ademais, desde a Agroecologia se entende, também, que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania. O antes mencionado serve como reforço à idéia segundo a qual os contextos de agricultura e desenvolvimento rural mais sustentáveis exigem um tratamento mais eqüitativo a todos os atores envolvidos –especialmente em termos das oportunidades a eles estendidas–, buscando-se uma melhoria crescente e equilibrada daqueles elementos ou aspectos que expressam os avanços positivos em cada uma das seis dimensões da sustentabilidade. Por isto mesmo, quando se fala de Agroecologia, está se tratando de uma orientação científica cujas contribuições vão muito além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção agrícola ou pecuária, pois esta ciência nos leva a incorporar dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade. Por esta razão o complexo processo de transição agroecológica não dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico, assim como não pode dispensar o saber popular.
A Agroecologia é, pois, um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas mais sustentáveis. Portanto, quando se está trabalhando a partir dos princípios da Agroecologia, aparece como central o conceito de transição agroecológica, entendida como um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, aproximando esses dos sistemas naturais onde estão inseridos. Esta idéia de mudança gradual se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades, por exemplo, do clima, solo e água de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais. Isto determina, também, que quando se trabalha a partir dos princípios da Agroecologia não há a possibilidade de transferência unilateral de pacotes tecnológicos, pois devem ser respeitadas as condições locais tanto dos agroecossistemas como dos sistema culturais dos grupos sociais que os estão manejando. Adicionalmente, é preciso enfatizar que o processo de transição agroecológica adquire enorme complexidade, tanto tecnológica como metodológica e organizacional, dependendo dos objetivos e das metas que se estabeleçam, assim como do “nível” de sustentabilidade que se deseja alcançar.
O que se está tentando dizer é que, como resultado da aplicação dos princípios da Agroecologia, pode-se alcançar estilos de agriculturas de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior. Mas, para respeitar aqueles princípios, esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais, apoiar a participação política e o empoderamento dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma agricultura sustentável. Logo, é fundamental que tenhamos um entendimento correto destes conceitos, para evitar que, dando nomes errados às coisas, possamos estar colaborando para reafirmar um equívoco, já que a Agroecologia como tentamos mostrar não é mais uma das agriculturas alternativas.
*Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (Universidad de Córdoba – España) e Extensionista Rural da EMATER/RS-ASCAR. Atualmente atuando como Coordenador Geral de Ater (MDA-SAF-DATE) – Brasília, 21/11/2005. E-mail: francisco.caporal@mda.gov.br -
**A expressão Agriculturas Sustentáveis (usada aqui no plural) pretende marcar a importância que o enfoque agroecológico dá às especificidades socioculturais dos atores sociais que trabalham na agricultura, assim como a necessidade de adaptação da agricultura aos diferentes agroecossistemas.
Ao longo deste artigo vamos tentar argumentar sobre a importância do uso correto dos nomes das coisas para que se tenha maior precisão nas estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de construção de tipos de agriculturas sustentáveis**, que possam impulsionar uma profunda mudança no meio rural e na agricultura, além de reorientar ações de Assistência Técnica e Extensão Rural, numa perspectiva que assegure maior sustentabilidade sócio-ambiental e econômica dos territórios rurais.
Como temos procurado alertar em outros textos, é comum a confusão quando se fala de tipos de agricultura alternativa e de Agroecologia, como se fossem a mesma coisa. Já faz muitos anos que, ao lado da implementação da agricultura convencional, agroquímica ou industrial, vêm sendo praticadas diferentes formas de agricultura que são sócio-ambientalmente mais adequadas. Nos anos 80, se convencionou chamar a estas agriculturas ambientalmente mais corretas de agricultura alternativa. De fato, existem muitos tipos de agriculturas alternativas, com diferentes denominações. Elas se orientam por determinadas linhas filosóficas, diferentes enfoques metodológicos, assim como diferentes práticas, tecnologias, uso de preparados ou, simplesmente, proibições e restrições de uso de certos insumos, etc. Dependendo do arranjo que seja adotado no processo produtivo, elas assumem diferentes denominações: Natural, Ecológica, Biodinâmica, Permacultura, Biológica ou Orgânica, entre outras. Contudo, estas escolas ou correntes da agricultura alternativa não necessariamente precisam estar seguindo as premissas básicas e os ensinamentos fundamentais da Agroecologia. Na realidade, uma agricultura que trata, por exemplo, apenas de substituir insumos químicos convencionais por insumos “alternativos”, “ecológicos” ou “orgânicos” não necessariamente será uma agricultura ecológica em sentido mais amplo.
Por outro lado, ainda nos anos 80, nascia a Agroecologia: um enfoque científico que iniciou com a tentativa de mostrar novas maneiras de integrar a Agronomia com a Ecologia, mas que, logo em seguida, viria a incorporar a importância do saber popular, sobre o ambiente e sobre o manejo dos recursos naturais nos processos produtivos agrícolas ou extrativistas, que foi acumulado pelas comunidades tradicionais ou camponesas ao longo dos anos, passando a articular, desta forma, o conhecimento científico com estes saberes.
Nesse processo de construção da Agroecologia como uma nova ciência, foram sendo incorporados aportes de outros campos do conhecimento: Sociologia, Antropologia, Física, Economia Ecológica, História e tantas outras que nos ajudam a entender e explicar a crise sócio-ambiental gerada pelos modelos de desenvolvimento e de agricultura convencionais e, ao mesmo tempo, contribuem para a gente pensar e construir novos desenhos de agroecossistemas (sistemas manejados pelo homem) e de agricultura que caminhem na direção da sustentabilidade. Na verdade, então, a Agroecologia, no seu sentido mais comum, é a ciência que nos ajuda a articular diferentes conhecimentos científicos e saberes populares para a busca de mais sustentabilidade na agricultura.
Assim, ao contrário da agricultura convencional baseada na Agronomia tradicional ensinada pela Revolução Verde, que sempre tende para a simplificação dos sistemas agrícolas, levando para o extremo, como são as monoculturas, a Agroecologia é uma ciência que se situa no campo da complexidade, razão pela qual exige um enfoque holístico (ver o todo) e uma abordagem sistêmica (relações entre as partes) para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis e, por isso mesmo, necessariamente mais complexos.
Ademais, desde a Agroecologia se entende, também, que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania. O antes mencionado serve como reforço à idéia segundo a qual os contextos de agricultura e desenvolvimento rural mais sustentáveis exigem um tratamento mais eqüitativo a todos os atores envolvidos –especialmente em termos das oportunidades a eles estendidas–, buscando-se uma melhoria crescente e equilibrada daqueles elementos ou aspectos que expressam os avanços positivos em cada uma das seis dimensões da sustentabilidade. Por isto mesmo, quando se fala de Agroecologia, está se tratando de uma orientação científica cujas contribuições vão muito além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção agrícola ou pecuária, pois esta ciência nos leva a incorporar dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade. Por esta razão o complexo processo de transição agroecológica não dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico, assim como não pode dispensar o saber popular.
A Agroecologia é, pois, um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas mais sustentáveis. Portanto, quando se está trabalhando a partir dos princípios da Agroecologia, aparece como central o conceito de transição agroecológica, entendida como um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, aproximando esses dos sistemas naturais onde estão inseridos. Esta idéia de mudança gradual se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades, por exemplo, do clima, solo e água de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais. Isto determina, também, que quando se trabalha a partir dos princípios da Agroecologia não há a possibilidade de transferência unilateral de pacotes tecnológicos, pois devem ser respeitadas as condições locais tanto dos agroecossistemas como dos sistema culturais dos grupos sociais que os estão manejando. Adicionalmente, é preciso enfatizar que o processo de transição agroecológica adquire enorme complexidade, tanto tecnológica como metodológica e organizacional, dependendo dos objetivos e das metas que se estabeleçam, assim como do “nível” de sustentabilidade que se deseja alcançar.
O que se está tentando dizer é que, como resultado da aplicação dos princípios da Agroecologia, pode-se alcançar estilos de agriculturas de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior. Mas, para respeitar aqueles princípios, esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais, apoiar a participação política e o empoderamento dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma agricultura sustentável. Logo, é fundamental que tenhamos um entendimento correto destes conceitos, para evitar que, dando nomes errados às coisas, possamos estar colaborando para reafirmar um equívoco, já que a Agroecologia como tentamos mostrar não é mais uma das agriculturas alternativas.
*Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (Universidad de Córdoba – España) e Extensionista Rural da EMATER/RS-ASCAR. Atualmente atuando como Coordenador Geral de Ater (MDA-SAF-DATE) – Brasília, 21/11/2005. E-mail: francisco.caporal@mda.gov.br -
**A expressão Agriculturas Sustentáveis (usada aqui no plural) pretende marcar a importância que o enfoque agroecológico dá às especificidades socioculturais dos atores sociais que trabalham na agricultura, assim como a necessidade de adaptação da agricultura aos diferentes agroecossistemas.
A Economia Solidária e os Novos Paradigmas de Desenvolvimento: sustentabilidade, solidariedade e territorialidade.
Roberto Marinho Alves da Silva
Se o desenvolvimento funda-se na realização das capacidades humanas, é natural que se empreste a esta idéia um sentido positivo. As sociedades são desenvolvidas na medida em que nelas mais cabalmente o homem logra satisfazer suas necessidades e renovar suas aspirações (Celso Furtado, 1980)
Desvios do Desenvolvimento ou a Encruzilhada Civilizatória
Com o advento das sociedades modernas, o desenvolvimento tem sido relacionado à sua dimensão econômica (produção de riquezas), tendo por base o progresso técnico-científico e o consumo de bens, como medida. Mesmo com o acréscimo dos aspectos social e humano à concepção de desenvolvimento, o crescimento econômico continuou subordinando o bem estar social e a qualidade de vida humana.
Trata-se, de um paradigma civilizatório que vem sendo utilizado para justificar o sacrifício das classes trabalhadoras e dos recursos naturais. O que confere o status de modernidade são o acesso e uso dos mais avançados produtos da economia e à tecnologia necessária para fabricá-los. Essa busca do progresso torna-se um objetivo utilitarista que mobiliza as sociedades, sobrepondo a economia a outros valores e finalidades da vida humana. A modernidade técnica é um modo de vida que impõe um padrão consumista predador da natureza e de vidas humanas em beneficio de minorias privilegiadas: “Na modernidade-técnica, o avanço técnico define a racionalidade econômica, subordinando a ela os objetivos sociais e ignorando os valores éticos”. (Buarque, 2001: 224)
Nas três últimas décadas um conjunto de mudanças na ordem econômica e política mundial fortaleceu ainda mais esse modelo. As transformações tecnológicas sob o controle do capital financeiro contribuíram para desvalorização do trabalho, ampliando a exclusão social pela via do desemprego duradouro e em massa. A hegemonia do pensamento neoliberal incidiu negativamente nas capacidades nacionais de promoção do desenvolvimento, aumentando a dependência dos países periféricos ao capital transnacional, com implicações diretas no processo de destituição de direitos sociais em nome da lógica do mercado.
A forma como o Brasil se inseriu nesse processo, priorizando a integração competitiva de forma subordinada aos interesses do capital transnacional, tendo por base políticas econômicas direcionadas ao ajuste fiscal e à estabilidade monetária, conduziu ao sucateamento do Estado e ao desmonte de políticas públicas. Esse processo de globalização neoliberal aprofundou as desigualdades e aumentou a exclusão social.
Em pleno século XXI, a fome continua como um dos graves problemas da estrutura e do modelo socioeconômico do país. Tendo por base dados da PNAD de 2001, é possível identificar que 9,3 milhões de famílias ou 44 milhões de pessoas (27,3% da população total do país), com renda abaixo de US$ 1,00 por dia, não têm condições de garantir a segurança alimentar. As desigualdades geram uma situação de apartação social, onde uma minoria privilegiada vive cada vez mais acuada diante do aumento generalizado da violência e da insegurança.
A falta de alternativa de emprego e os baixos salários são os principais fatores de exclusão e de violência. A sangria dos recursos nacionais para o pagamento das dívidas externa e interna tem impacto significativo na redução dos investimentos sociais e de infra-estrutura, reduzindo significativamente a capacidade do Estado em reverter esse quadro.
Além da exclusão social de milhares de seres humanos, o atual modelo de desenvolvimento gera desequilíbrios ambientais de conseqüências ainda não plenamente calculadas. A miopia ecológica soma-se à ganância empresarial para produzir as ameaças eminentes de esgotamento de recursos naturais, colocando em risco o futuro de milhões de espécies vivas terrestres. A produção e o consumo se aceleram em ritmo febril criando um ambiente onde a vida tornou-se física e mentalmente doentia.
Essas numerosas manifestações da crise indicam que se trata de uma crise civilizatória, uma crise complexa, onde os problemas são sistêmicos. A humanidade encontra-se numa encruzilhada civilizatória, frustrada com a noção moderna de desenvolvimento econômico: “O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana” (Furtado, 1974: 75).
Novos Paradigmas: sustentabilidade e solidariedade
A proposta de um projeto alternativo para a sociedade surge da crítica a um modelo de desenvolvimento que produz riquezas gerando miséria e depredando o meio ambiente, colocando em risco o futuro da vida na terra e a crescente exclusão social de bilhões de pessoas. A problemática do desenvolvimento tem provocado o surgimento de vários movimentos de tomada de consciência dos impactos ambientais. O avanço recente da consciência ecológica diante de análises de desastres ambientais conduz a uma articulação de grupos e movimentos que passam a questionar o uso insustentável dos recursos naturais não renováveis. A incorporação da questão ambiental resultou na proposta do desenvolvimento sustentável que estabelece novas relações de equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental.
Esses movimentos procuram alternativas de desenvolvimento que permitam satisfazer, de forma adequada, as necessidades e aspirações das populações presentes (solidariedade sincrônica) sem comprometer o bem–estar das gerações futuras (solidariedade diacrônica). A harmonização das necessidades básicas da humanidade com as capacidades limitadas dos recursos da natureza seria, conforme Sachs (2000, p. 29), o ideal de “uma nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento sustentável dos recursos naturais”.
A compreensão do desenvolvimento sustentável começou a ser construída na Conferência de Estocolmo (1972) e no Simpósio de Cocoyok (1974). Esses eventos tiveram grandes méritos: a identificação de relações intrínsecas entre meio ambiente e desenvolvimento; os avanços conceituais que enfrentaram os reducionismos; e a formulação de estratégias para a promoção de um “desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo, ou ecodesenvolvimento” (Sachs, 1993, p. 30).
Para além do movimento ambientalista, existe hoje um quase consenso em torno da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento dotado de sustentabilidade. Ocorrem avanços na recuperação de uma visão holística sobre a relação entre o meio ambiente natural e os seus habitantes, superando a visão antropocêntrica que justifica a exploração ilimitada e a depredação do meio ambiente, e avança na construção de postulados de sustentabilidade.
Não se trata apenas de mudanças nas concepções de desenvolvimento, mas da emergência de um novo paradigma. São novos conceitos, idéias e percepções que tendem a orientar os processos de desenvolvimento: “uma mudança profunda no pensamento, percepções e valores que formam uma determinada visão da realidade” (Capra, 1999, p. 29). Essas mudanças na visão de mundo expressam a passagem da concepção mecanicista para uma visão holística e ecológica. Rompem com a visão antropocêntrica, proporcionando a reconciliação do homem com a natureza. A inter-relação e a interdependência são elementos essenciais em todos os fenômenos físicos, biológicos, culturais e sociais.
Já o paradigma da solidariedade do desenvolvimento baseia-se numa ética onde é bom tudo o que nos ajuda a compartilhar os dons da natureza e os bens socialmente produzidos com vistas à realização de todas as pessoas. Todos e todas somos co-responsáveis para cuidar desses bens para que frutifiquem e beneficiem a todos/as em iguais condições. Isso exige uma nova relação humana em que o individual não sufoque o coletivo e ambas as dimensões se fortaleçam reciprocamente, numa dinâmica cumulativa. Percebe-se a quase impossibilidade de que esses postulados sejam plenamente exercidos pela ótica capitalista.
A lógica da solidariedade e da sustentabilidade do desenvolvimento implica na humanização de todas as relações sociais e uma integração orgânica do ser humano com a natureza. Passa pela formação de laços sociais de solidariedade, nos quais o significado da cidadania vai do grau mínimo de satisfação das necessidades básicas - condição para a participação cidadã – até a realização completa dos humanos-seres-solidários. Acreditamos ser esse o caminho para chegarmos à verdadeira democracia que exige a superação de todas as formas de discriminação e dominação: de classe, de raça e de gênero.
Percebe-se a necessidade e possibilidade de desenvolver a sustentabilidade no sentido de valorizar a tecnologia para que possa estar a serviço de uma organização solidária de sociedade. Para isso é fundamental integrar a dimensão ecológica em todas as dimensões da ação humana. A solidariedade estará plenamente expressa na satisfação das necessidades básicas de todos sem continuar destruindo a vida em nosso planeta.
O Lócus do Desenvolvimento: novas visões de territorialidade
Outra característica contemporânea da busca de um novo modelo de desenvolvimento é a sua relação direta com a realidade local. O reordenamento espacial é certamente um dos fenômenos políticos que marcam a contemporaneidade. O que se convenciona chamar de globalização, como ampliação do espaço econômico internacional, além de ter referência na formação de blocos continentais e num processo de crise do Estado-Nação, tem sido acompanhada de uma relativa revalorização de espaços locais. A economia local ganha importância como alternativa diante da crise do trabalho nos centros urbanos industrializados.
Esta ressignificação do local vem acompanhada do resgate de utopias humanizadoras do desenvolvimento, na perspectiva de que os espaços locais possam oportunizar a sociedade a retomada das rédeas do seu desenvolvimento, com base em práticas cada vez mais democráticas e solidárias. O poder local é visto para além do governo e das elites dominantes e incorpora as forças sociais nos processos decisórios (Dowbor, 1994).
Do ponto de vista cultural, a “volta ao local” é uma manifestação de valorização da diversidade cultural, da recomposição e afirmação de identidades e territórios, como propõe Hassan Zaoual (2003, p. 95), com o conceito de sítio simbólico de pertencimento: um espaço de crenças e práticas ajustado às circunstâncias locais. Sua transversalidade articula a cultura dos atores da situação, com a sociedade e o meio ambiente. Contrariamente à exclusiva visão de mercado que subtrai o homem do seu ambiente social, o sítio o inclui e o vincula a suas raízes, dando sentido aos seus comportamentos.
Uma síntese do enfoque territorial do desenvolvimento pode ser encontrada na apresentação da recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Territorial, no Ministério do Desenvolvimento Agrário: “uma visão essencialmente integradora de espaços, atores sociais, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção, e tem na eqüidade, no respeito à diversidade, na solidariedade, na justiça social, no sentimento de pertencimento cultural e na inclusão social, metas fundamentais a serem atingidas e conquistadas” .
A valorização e legitimação do local têm pelo menos três motivações políticas básicas:
a) A descentralização de responsabilidades e de políticas como uma forma de enfrentamento da crise do Estado, enquanto estratégia localizante de regulação da ordem social. É nesse sentido que o desenvolvimento local ganha destaque no plano internacional a partir das agências de desenvolvimento (BIRD, Banco Mundial, órgãos das Nações Unidas etc.).
b) Os avanços nas teorias de desenvolvimento local, contrapondo-se ao desenvolvimento pelo alto, surgem como resposta acadêmica às crises econômicas da década de 1970 em nível mundial (motivação acadêmica e técnica na área de planejamento).
c) Os interesses das forças de centro-esquerda no processo de reorganização da sociedade política com a ativação da municipalização (proximidade e imbricamento entre cidadão, sociedade organizada e poder público). No Brasil, as experiências de gestão municipal popular e democrática e a Constituição de 1988 refletem as propostas democráticas participativas que viabilizem a implantação de políticas locais, como forma de aprofundar seus vínculos com a sociedade.
No entanto, o local não é um espaço autônomo que possa ter um processo autóctone de desenvolvimento tendo em vista a existência e preponderância dos problemas e potencialidades externas. É constatado que os municípios periféricos ao desenvolvimento capitalista (menos industrializados) são fortemente dependentes dos repasses de recursos dos níveis estadual e federal, cujo desenvolvimento não pode ser concebido de forma autônoma ou ao sabor dos interesses e da lógica do mercado. A estratégia locacional dos investimentos privados pode conduzir, segundo Tânia Bacelar (1997:287), à (re)concentração das atividades econômicas com base na seletividade dos investimentos em alguns focos de dinamismo, promovendo a “desintegração competitiva”. Faz-se necessário, portanto, a combinação do local com políticas de integração nacional e de desenvolvimento regional, evitando a “guerra fiscal” entre estados e municípios.
A globalização dos mercados, no entanto, não elimina as alternativas locais, pois as possibilidades de desenvolvimento continuam sendo endógenas e requerem a mobilização de forças locais para empreendê-la. Ao mesmo tempo em que há uma concentração no acesso ao mercado globalizado com o acirramento da competitividade com base na melhoria dos padrões produtivos em benefício de grandes grupos econômicos mundiais, colocando em crise setores econômicos tradicionais, são abertas algumas brechas para produtos e serviços no nível local. Isto é, ao buscar saídas de minimização dos efeitos da globalização, são valorizadas as especificidades e potencialidades locais, na busca do “que sabe fazer melhor”, do “que é bom e atrativo”, implicando na valorização de novos fatores de produção e impulsionando o núcleo criativo da economia.
Considerando esse debate sobre as potencialidades e limites, o desenvolvimento local ou endógeno tem uma série de características próprias que devem ser conhecidas para compreensão adequada de seus limites e potencialidade, evitando que se transforme numa panacéia sem nenhuma base crítica.
O desenvolvimento local é uma forma de valorizar as potencialidades locais (econômicas, humanas, ambientais) para proporcionar o crescimento econômico, a melhoria das condições de vida da população e o fortalecimento da cidadania, conforme a definição de Sérgio Cristovam Buarque (1997): “O desenvolvimento local é um processo endógeno de mobilização das energias sociais na implementação de mudanças que elevam as oportunidades sociais e as condições de vida no plano local (comunitário, municipal ou sub-regional), com base nas potencialidades e no envolvimento da sociedade nos processos decisórios.”
Para alcançar esses objetivos, o desenvolvimento local requer políticas públicas inovadoras formuladas com base nos seguintes princípios:
1 – A reorientação das prioridades:
• Econômicas: aproveitamento das potencialidades locais para criar oportunidades econômicas através de investimentos e reestruturação da base produtiva e da capacitação humana.
• Sociais: melhoria da qualidade de vida através da geração de trabalho e renda e do acesso aos serviços sociais básicos com qualidade;
• Ambientais: manejo sustentável dos recursos naturais com a adaptação e incorporação de tecnologias adequadas, de modo que as atividades produtivas não comprometam o meio-ambiente;
2 – A construção de novas formas de relação entre Estado e sociedade:
• Fortalecimento das capacidades locais, através da descentralização administrativa (planejamento e gestão das ações) e financeira (recursos para promover as ações de desenvolvimento) para o âmbito local;
• Democratização do poder com a criação de mecanismos de participação direta da sociedade civil na gestão de políticas públicas;
• Mobilização das diversas forças sociais, econômicas e políticas locais em torno de objetivos que são comuns;
3 – A integração das ações:
• Integração dos vários setores de desenvolvimento, articulando a dimensão econômica com a social, ambiental e cultural;
• Articulação e Parceria dos diversos órgãos e entidades governamentais (diversas esferas: municipal, estadual e federal) e da sociedade civil em torno da complementaridade de ações e objetivos específicos, evitando a fragmentação das ações.
Apesar de ser uma proposta inovadora, verifica-se a existência de diversas barreiras que têm limitado as tentativas de implementação das propostas de desenvolvimento local. Entre estes limites destacam-se: insuficiência na capacidade organizativa da sociedade civil local para garantir o funcionamento dos mecanismos de gestão participativa; manutenção e reprodução de práticas políticas tradicionais na gestão de bens públicos; limitação do acesso a recursos para implementação das ações previstas; e o imediatismo e fragmentação na execução das ações e nos modelos tradicionais de gestão pública centralizada no poder executivo, com pouco envolvimento da população e suas organizações.
Diante dessas dificuldades, a capacitação da população e o fortalecimento das organizações da sociedade civil, tornam-se elementos fundamentais para o sucesso das iniciativas de desenvolvimento local. Isso porque, os três pilares de sustentação do desenvolvimento local são: a participação cidadã, a cooperação ativa e a capacitação integral dos sujeitos sociais.
• A participação cidadã garantida e incentivada em todos os momentos: desde o planejamento das ações locais de desenvolvimento, até na sua implementação e controle, através de diversos mecanismos de participação social: comitês, comissões, conselhos de gestão de políticas, conselhos de desenvolvimento, fóruns, congressos, consulta popular, etc.
• A mobilização e cooperação ativa (crítica) da sociedade e entre os órgãos públicos possibilitam a integração dos esforços e ações, refletindo o comprometimento da população local e das organizações públicas e privadas com os objetivos do desenvolvimento local.
• A Capacitação ético-política Para a cooperação e a participação: A capacitação ético-política deve proporcionar a descoberta e a vivência de valores democráticos, da justiça social, da autonomia e da cooperação solidária, fazendo prevalecer a busca dos objetivos coletivos, contribuindo para a superação do imediatismo e do individualismo que estão na base da má utilização e desvio dos recursos.
Os dois primeiros pilares não se sustentam se não houver um processo de capacitação integral das pessoas. Em especial, a capacitação ético-política deve contribuir para a constituição dos sujeitos do desenvolvimento, isto é, pessoas e organizações com capacidade de sensibilizar, mobilizar, organizar, representar interesses e animar os diversos processos de planejamento e execução das ações do desenvolvimento local. Esses sujeitos devem ser capazes também do exercício político da participação nos diversos mecanismos institucionalizados de gestão de políticas públicas (conselhos, comissões, fóruns, etc.), atuando de forma autônoma diante das tentativas de manipulação e de cooptação política que sempre estão presentes nesses espaços. Um terceiro aspecto da capacitação ético-política diz respeito à necessidade de conhecimento dos instrumentos administrativos, jurídicos e legislativos de apoio à participação cidadã no desenvolvimento local. A maioria desses instrumentos foi criada pela Constituição Brasileira de 1988. Destaca-se também o conhecimento da lei orgânica do município e da legislação e normas operacionais das políticas e programas públicos e dos conselhos de gestão.
A construção dos pilares de sustentação do desenvolvimento local exige paciência, investimento e vontade política. Significa abrir um novo caminho de conceber e construir de forma solidária o desenvolvimento num ambiente em que a cultura e as práticas predominantes funcionam no sentido contrário à participação e à integração. É um aprendizado conjunto de como combinar as políticas públicas com as necessidades e potencialidades locais.
Economia Solidária, Desenvolvimento e Inclusão Social.
A Economia Solidária também é alternativa a um modelo de desenvolvimento que produz riquezas gerando miséria, subordinando e explorando o trabalho e a natureza. No final do Século XX a economia solidária ressurge e se fortalece num contexto de crise do mundo do trabalho. Os altos índices de desemprego e precarização das relações de trabalho, contribuem para o alargamento da pobreza e da miséria de parcelas significativas da população. A reestruturação produtiva baseada nos avanços tecnológicos e nos modelos de gestão intensificadores de trabalho alterou de forma rápida e intensiva o mercado e as condições de trabalho. Milhões de postos de trabalhos foram extintos. Direitos sociais conquistados pelas lutas das classes trabalhadoras foram flexibilizados e eliminados. As condições de subemprego fragilizaram ainda mais a proteção de milhões de trabalhadores.
Nesse contexto, a empregabilidade e o empreendedorismo foram enfatizados pela perspectiva liberal. A primeira se refere à capacidade de reciclagem (atualização contínua) profissional e capacidade de adaptação a diferentes áreas de atuação. A segunda se refere à mobilização e exercício da capacidade empreendedora para iniciar novos negócios, para que os desempregados se transformem em pequenos empresários. Nos dois casos a responsabilidade pela permanência, recolocação e solução da crise do trabalho são atribuídas mais a cada indivíduo em particular e não ao sistema.
Já na perspectiva emancipatória, foram destacadas as variadas formas de organização do trabalho e da produção protagonizadas pelos setores populares. Experiências coletivas de trabalho e produção vêm se disseminando nos espaços rurais e urbanos, através das cooperativas de produção e consumo, das associações de produtores e empresas de autogestão. Nascem de uma atitude crítica frente ao sistema hegemônico e se orientam por valores não mercantis como a solidariedade e a democracia: “uma nova forma de organizar a produção, a distribuição e o consumo dos bens socialmente produzidos, o que significa redesenhar e exercitar, na prática das experiências alternativas, um outro projeto de sociedade que rompa com a lógica da competição monopolizadora excludente” (Bertucci, 2002: 19).
A economia solidária seria, portanto, uma alternativa capaz de combinar a inclusão social pela via do trabalho com a construção de uma nova concepção de desenvolvimento solidário. Algumas de suas características apontam para essa possibilidade:
• Não reduz o desenvolvimento à dimensão econômica, medindo o produto final pelo resultado mensurável apenas por indicadores econômicos. A economia é fundamentalmente social e de interesse público, pressupondo a implementação de ações endógenas de desenvolvimento que aumentem a produção e a distribuição eqüitativa de riquezas.
• A construção participativa da cidadania utiliza-se de diversos instrumentos de formação que consolidam gradativamente uma cultura de solidariedade, integrando direitos sociais, políticos e econômicos.
• A autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas das atividades de produção e distribuição, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc.
Esse processo vem também, ainda que timidamente, colocando outros conteúdos como a questão das identidades etnoculturais e a questão ecológica, como pressupostos do desenvolvimento sustentável, onde a produção, distribuição e preservação dos recursos naturais e sociais sejam dimensões de um processo de emancipação. Isso pressupõe um processo de re-educação em vista de uma nova cultura de solidariedade, valorizando as diferentes etnias, as relações de gênero, garantindo a participação democrática e respeitando o meio ambiente.
É nesse sentido que políticas de desenvolvimento territorial ou local devem ser incentivadas, considerando o fortalecimento da economia solidária como estratégia de inclusão social através da geração de trabalho e melhoria de renda, como alternativa aos processos de precarização do trabalho. Ou seja, como estratégia fundamental para superação da pobreza e outras formas de exclusão.
Os empreendimentos de Economia Solidária podem ser instrumentos fundamentais de construção de um projeto sustentável e solidário de desenvolvimento também no âmbito local ou territorial. A inserção da economia solidária nos processos de desenvolvimento territorial exige a combinação de um conjunto de ações estruturantes, de acesso e incentivo às alternativas locais de geração de trabalho e das outras melhorias nas condições de vida da população local, com as iniciativas já existentes de transferência de renda, como “bolsa família”, e outros programas sociais.
Inúmeros exemplos mostram que as potencialidades locais, principalmente as econômicas, podem ser aproveitadas, de forma solidária e sustentável através da identificação de cadeias produtivas da economia familiar e do fortalecimento de organizações associativas, da promoção de complexos cooperativos, redes de produção, beneficiamento e comercialização etc. Dessa forma, evita-se o risco de cooptação do discurso sobre os “arranjos produtivos locais” por parte apenas das grandes empresas que não se orientam pela lógica da solidariedade e sustentabilidade. A economia solidária, que baseia sua potencialidade nesses arranjos econômicos locais, redimensiona o seu significado transformando-os em arranjos produtivos, solidários e sustentáveis.
Finalmente, a perspectiva autogestionária dos empreendimentos de economia solidária pode ser o referencial de conteúdo e vivência prática orientadora da educação cidadã e da mobilização social nos territórios. A capacidade de gestão participativa deverá ser transferida para os espaços públicos, ampliando a participação cidadã nos destinos da comunidade ou sociedade local, através dos mecanismos e instrumentos de gestão e controle social das políticas públicas e do processo de desenvolvimento.
É de acordo com essas perspectivas e valores que a Secretaria Nacional de Economia Solidária, no âmbito do Governo Federal, deverá participar e propor políticas públicas para inclusão social pela via do trabalho e melhoria da renda das populações em situação de exclusão social.
Bibliografia (citada e de referência):
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_________ (2000) Ensaios Sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Ed. Revan; Fase.
BAVA, Silvio Caccia. Desenvolvimento local uma alternativa para a crise social? In: Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v.10, n. 3, Jul-Set/1996. p. 53-59. (Fundação SEADE)
Bertucci, Ademar de Andrade et al. Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Desenvolvimento, Sustentabilidade, Democracia: o que isso tem a ver com você? Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
Bertucci, Ademar de Andrade; Silva, Roberto Marinho Alves (orgs.). Vinte Anos de Economia Popular Solidária: trajetória da Cáritas Brasileira dos PACs à EPS. Brasília/DF: Cáritas Brasileira, 2003.
Bertucci, Ademar de Andrade; Silva, Roberto Marinho Alves. Das Alternativas de Sobrevivência à Economia Solidária. Revista Proposta. Ano 30, nº 97, junho/agosto de 2003.
BUARQUE, Sérgio Cristovam. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Recife: INCRA-IICA, 1997. (Mimeogr.)
BUARQUE, Cristovam. Admirável Mundo Atual. Dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo globalizado. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 21ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
DOWBOR, Ladislau. O que é poder local? São Paulo: Brasiliense, 1994. (Col. Primeiros Passos).
FRANCO, Augusto de. Ação local a nova política da contemporaneidade. Brasília: Agora/Fase/Instituto de política, 1995.
FURTADO, Celso (1974). O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
________. Pequena Introdução ao Desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. São Paulo: Nacional, 1980.
GENRO, Tarso et al. Desafios do governo local: o modo petista de governar. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997.
LESBAUPIN, Ivo. Prefeituras do povo e para o povo. São Paulo: Loyola, 1996.
SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
________. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel/Fundap, 1993.
_________. Caminhos Para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
ZAOUAL, Hassan. Globalização e Diversidade Cultural. São Paulo: Vozes, 2003.
Se o desenvolvimento funda-se na realização das capacidades humanas, é natural que se empreste a esta idéia um sentido positivo. As sociedades são desenvolvidas na medida em que nelas mais cabalmente o homem logra satisfazer suas necessidades e renovar suas aspirações (Celso Furtado, 1980)
Desvios do Desenvolvimento ou a Encruzilhada Civilizatória
Com o advento das sociedades modernas, o desenvolvimento tem sido relacionado à sua dimensão econômica (produção de riquezas), tendo por base o progresso técnico-científico e o consumo de bens, como medida. Mesmo com o acréscimo dos aspectos social e humano à concepção de desenvolvimento, o crescimento econômico continuou subordinando o bem estar social e a qualidade de vida humana.
Trata-se, de um paradigma civilizatório que vem sendo utilizado para justificar o sacrifício das classes trabalhadoras e dos recursos naturais. O que confere o status de modernidade são o acesso e uso dos mais avançados produtos da economia e à tecnologia necessária para fabricá-los. Essa busca do progresso torna-se um objetivo utilitarista que mobiliza as sociedades, sobrepondo a economia a outros valores e finalidades da vida humana. A modernidade técnica é um modo de vida que impõe um padrão consumista predador da natureza e de vidas humanas em beneficio de minorias privilegiadas: “Na modernidade-técnica, o avanço técnico define a racionalidade econômica, subordinando a ela os objetivos sociais e ignorando os valores éticos”. (Buarque, 2001: 224)
Nas três últimas décadas um conjunto de mudanças na ordem econômica e política mundial fortaleceu ainda mais esse modelo. As transformações tecnológicas sob o controle do capital financeiro contribuíram para desvalorização do trabalho, ampliando a exclusão social pela via do desemprego duradouro e em massa. A hegemonia do pensamento neoliberal incidiu negativamente nas capacidades nacionais de promoção do desenvolvimento, aumentando a dependência dos países periféricos ao capital transnacional, com implicações diretas no processo de destituição de direitos sociais em nome da lógica do mercado.
A forma como o Brasil se inseriu nesse processo, priorizando a integração competitiva de forma subordinada aos interesses do capital transnacional, tendo por base políticas econômicas direcionadas ao ajuste fiscal e à estabilidade monetária, conduziu ao sucateamento do Estado e ao desmonte de políticas públicas. Esse processo de globalização neoliberal aprofundou as desigualdades e aumentou a exclusão social.
Em pleno século XXI, a fome continua como um dos graves problemas da estrutura e do modelo socioeconômico do país. Tendo por base dados da PNAD de 2001, é possível identificar que 9,3 milhões de famílias ou 44 milhões de pessoas (27,3% da população total do país), com renda abaixo de US$ 1,00 por dia, não têm condições de garantir a segurança alimentar. As desigualdades geram uma situação de apartação social, onde uma minoria privilegiada vive cada vez mais acuada diante do aumento generalizado da violência e da insegurança.
A falta de alternativa de emprego e os baixos salários são os principais fatores de exclusão e de violência. A sangria dos recursos nacionais para o pagamento das dívidas externa e interna tem impacto significativo na redução dos investimentos sociais e de infra-estrutura, reduzindo significativamente a capacidade do Estado em reverter esse quadro.
Além da exclusão social de milhares de seres humanos, o atual modelo de desenvolvimento gera desequilíbrios ambientais de conseqüências ainda não plenamente calculadas. A miopia ecológica soma-se à ganância empresarial para produzir as ameaças eminentes de esgotamento de recursos naturais, colocando em risco o futuro de milhões de espécies vivas terrestres. A produção e o consumo se aceleram em ritmo febril criando um ambiente onde a vida tornou-se física e mentalmente doentia.
Essas numerosas manifestações da crise indicam que se trata de uma crise civilizatória, uma crise complexa, onde os problemas são sistêmicos. A humanidade encontra-se numa encruzilhada civilizatória, frustrada com a noção moderna de desenvolvimento econômico: “O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana” (Furtado, 1974: 75).
Novos Paradigmas: sustentabilidade e solidariedade
A proposta de um projeto alternativo para a sociedade surge da crítica a um modelo de desenvolvimento que produz riquezas gerando miséria e depredando o meio ambiente, colocando em risco o futuro da vida na terra e a crescente exclusão social de bilhões de pessoas. A problemática do desenvolvimento tem provocado o surgimento de vários movimentos de tomada de consciência dos impactos ambientais. O avanço recente da consciência ecológica diante de análises de desastres ambientais conduz a uma articulação de grupos e movimentos que passam a questionar o uso insustentável dos recursos naturais não renováveis. A incorporação da questão ambiental resultou na proposta do desenvolvimento sustentável que estabelece novas relações de equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental.
Esses movimentos procuram alternativas de desenvolvimento que permitam satisfazer, de forma adequada, as necessidades e aspirações das populações presentes (solidariedade sincrônica) sem comprometer o bem–estar das gerações futuras (solidariedade diacrônica). A harmonização das necessidades básicas da humanidade com as capacidades limitadas dos recursos da natureza seria, conforme Sachs (2000, p. 29), o ideal de “uma nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento sustentável dos recursos naturais”.
A compreensão do desenvolvimento sustentável começou a ser construída na Conferência de Estocolmo (1972) e no Simpósio de Cocoyok (1974). Esses eventos tiveram grandes méritos: a identificação de relações intrínsecas entre meio ambiente e desenvolvimento; os avanços conceituais que enfrentaram os reducionismos; e a formulação de estratégias para a promoção de um “desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo, ou ecodesenvolvimento” (Sachs, 1993, p. 30).
Para além do movimento ambientalista, existe hoje um quase consenso em torno da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento dotado de sustentabilidade. Ocorrem avanços na recuperação de uma visão holística sobre a relação entre o meio ambiente natural e os seus habitantes, superando a visão antropocêntrica que justifica a exploração ilimitada e a depredação do meio ambiente, e avança na construção de postulados de sustentabilidade.
Não se trata apenas de mudanças nas concepções de desenvolvimento, mas da emergência de um novo paradigma. São novos conceitos, idéias e percepções que tendem a orientar os processos de desenvolvimento: “uma mudança profunda no pensamento, percepções e valores que formam uma determinada visão da realidade” (Capra, 1999, p. 29). Essas mudanças na visão de mundo expressam a passagem da concepção mecanicista para uma visão holística e ecológica. Rompem com a visão antropocêntrica, proporcionando a reconciliação do homem com a natureza. A inter-relação e a interdependência são elementos essenciais em todos os fenômenos físicos, biológicos, culturais e sociais.
Já o paradigma da solidariedade do desenvolvimento baseia-se numa ética onde é bom tudo o que nos ajuda a compartilhar os dons da natureza e os bens socialmente produzidos com vistas à realização de todas as pessoas. Todos e todas somos co-responsáveis para cuidar desses bens para que frutifiquem e beneficiem a todos/as em iguais condições. Isso exige uma nova relação humana em que o individual não sufoque o coletivo e ambas as dimensões se fortaleçam reciprocamente, numa dinâmica cumulativa. Percebe-se a quase impossibilidade de que esses postulados sejam plenamente exercidos pela ótica capitalista.
A lógica da solidariedade e da sustentabilidade do desenvolvimento implica na humanização de todas as relações sociais e uma integração orgânica do ser humano com a natureza. Passa pela formação de laços sociais de solidariedade, nos quais o significado da cidadania vai do grau mínimo de satisfação das necessidades básicas - condição para a participação cidadã – até a realização completa dos humanos-seres-solidários. Acreditamos ser esse o caminho para chegarmos à verdadeira democracia que exige a superação de todas as formas de discriminação e dominação: de classe, de raça e de gênero.
Percebe-se a necessidade e possibilidade de desenvolver a sustentabilidade no sentido de valorizar a tecnologia para que possa estar a serviço de uma organização solidária de sociedade. Para isso é fundamental integrar a dimensão ecológica em todas as dimensões da ação humana. A solidariedade estará plenamente expressa na satisfação das necessidades básicas de todos sem continuar destruindo a vida em nosso planeta.
O Lócus do Desenvolvimento: novas visões de territorialidade
Outra característica contemporânea da busca de um novo modelo de desenvolvimento é a sua relação direta com a realidade local. O reordenamento espacial é certamente um dos fenômenos políticos que marcam a contemporaneidade. O que se convenciona chamar de globalização, como ampliação do espaço econômico internacional, além de ter referência na formação de blocos continentais e num processo de crise do Estado-Nação, tem sido acompanhada de uma relativa revalorização de espaços locais. A economia local ganha importância como alternativa diante da crise do trabalho nos centros urbanos industrializados.
Esta ressignificação do local vem acompanhada do resgate de utopias humanizadoras do desenvolvimento, na perspectiva de que os espaços locais possam oportunizar a sociedade a retomada das rédeas do seu desenvolvimento, com base em práticas cada vez mais democráticas e solidárias. O poder local é visto para além do governo e das elites dominantes e incorpora as forças sociais nos processos decisórios (Dowbor, 1994).
Do ponto de vista cultural, a “volta ao local” é uma manifestação de valorização da diversidade cultural, da recomposição e afirmação de identidades e territórios, como propõe Hassan Zaoual (2003, p. 95), com o conceito de sítio simbólico de pertencimento: um espaço de crenças e práticas ajustado às circunstâncias locais. Sua transversalidade articula a cultura dos atores da situação, com a sociedade e o meio ambiente. Contrariamente à exclusiva visão de mercado que subtrai o homem do seu ambiente social, o sítio o inclui e o vincula a suas raízes, dando sentido aos seus comportamentos.
Uma síntese do enfoque territorial do desenvolvimento pode ser encontrada na apresentação da recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Territorial, no Ministério do Desenvolvimento Agrário: “uma visão essencialmente integradora de espaços, atores sociais, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção, e tem na eqüidade, no respeito à diversidade, na solidariedade, na justiça social, no sentimento de pertencimento cultural e na inclusão social, metas fundamentais a serem atingidas e conquistadas” .
A valorização e legitimação do local têm pelo menos três motivações políticas básicas:
a) A descentralização de responsabilidades e de políticas como uma forma de enfrentamento da crise do Estado, enquanto estratégia localizante de regulação da ordem social. É nesse sentido que o desenvolvimento local ganha destaque no plano internacional a partir das agências de desenvolvimento (BIRD, Banco Mundial, órgãos das Nações Unidas etc.).
b) Os avanços nas teorias de desenvolvimento local, contrapondo-se ao desenvolvimento pelo alto, surgem como resposta acadêmica às crises econômicas da década de 1970 em nível mundial (motivação acadêmica e técnica na área de planejamento).
c) Os interesses das forças de centro-esquerda no processo de reorganização da sociedade política com a ativação da municipalização (proximidade e imbricamento entre cidadão, sociedade organizada e poder público). No Brasil, as experiências de gestão municipal popular e democrática e a Constituição de 1988 refletem as propostas democráticas participativas que viabilizem a implantação de políticas locais, como forma de aprofundar seus vínculos com a sociedade.
No entanto, o local não é um espaço autônomo que possa ter um processo autóctone de desenvolvimento tendo em vista a existência e preponderância dos problemas e potencialidades externas. É constatado que os municípios periféricos ao desenvolvimento capitalista (menos industrializados) são fortemente dependentes dos repasses de recursos dos níveis estadual e federal, cujo desenvolvimento não pode ser concebido de forma autônoma ou ao sabor dos interesses e da lógica do mercado. A estratégia locacional dos investimentos privados pode conduzir, segundo Tânia Bacelar (1997:287), à (re)concentração das atividades econômicas com base na seletividade dos investimentos em alguns focos de dinamismo, promovendo a “desintegração competitiva”. Faz-se necessário, portanto, a combinação do local com políticas de integração nacional e de desenvolvimento regional, evitando a “guerra fiscal” entre estados e municípios.
A globalização dos mercados, no entanto, não elimina as alternativas locais, pois as possibilidades de desenvolvimento continuam sendo endógenas e requerem a mobilização de forças locais para empreendê-la. Ao mesmo tempo em que há uma concentração no acesso ao mercado globalizado com o acirramento da competitividade com base na melhoria dos padrões produtivos em benefício de grandes grupos econômicos mundiais, colocando em crise setores econômicos tradicionais, são abertas algumas brechas para produtos e serviços no nível local. Isto é, ao buscar saídas de minimização dos efeitos da globalização, são valorizadas as especificidades e potencialidades locais, na busca do “que sabe fazer melhor”, do “que é bom e atrativo”, implicando na valorização de novos fatores de produção e impulsionando o núcleo criativo da economia.
Considerando esse debate sobre as potencialidades e limites, o desenvolvimento local ou endógeno tem uma série de características próprias que devem ser conhecidas para compreensão adequada de seus limites e potencialidade, evitando que se transforme numa panacéia sem nenhuma base crítica.
O desenvolvimento local é uma forma de valorizar as potencialidades locais (econômicas, humanas, ambientais) para proporcionar o crescimento econômico, a melhoria das condições de vida da população e o fortalecimento da cidadania, conforme a definição de Sérgio Cristovam Buarque (1997): “O desenvolvimento local é um processo endógeno de mobilização das energias sociais na implementação de mudanças que elevam as oportunidades sociais e as condições de vida no plano local (comunitário, municipal ou sub-regional), com base nas potencialidades e no envolvimento da sociedade nos processos decisórios.”
Para alcançar esses objetivos, o desenvolvimento local requer políticas públicas inovadoras formuladas com base nos seguintes princípios:
1 – A reorientação das prioridades:
• Econômicas: aproveitamento das potencialidades locais para criar oportunidades econômicas através de investimentos e reestruturação da base produtiva e da capacitação humana.
• Sociais: melhoria da qualidade de vida através da geração de trabalho e renda e do acesso aos serviços sociais básicos com qualidade;
• Ambientais: manejo sustentável dos recursos naturais com a adaptação e incorporação de tecnologias adequadas, de modo que as atividades produtivas não comprometam o meio-ambiente;
2 – A construção de novas formas de relação entre Estado e sociedade:
• Fortalecimento das capacidades locais, através da descentralização administrativa (planejamento e gestão das ações) e financeira (recursos para promover as ações de desenvolvimento) para o âmbito local;
• Democratização do poder com a criação de mecanismos de participação direta da sociedade civil na gestão de políticas públicas;
• Mobilização das diversas forças sociais, econômicas e políticas locais em torno de objetivos que são comuns;
3 – A integração das ações:
• Integração dos vários setores de desenvolvimento, articulando a dimensão econômica com a social, ambiental e cultural;
• Articulação e Parceria dos diversos órgãos e entidades governamentais (diversas esferas: municipal, estadual e federal) e da sociedade civil em torno da complementaridade de ações e objetivos específicos, evitando a fragmentação das ações.
Apesar de ser uma proposta inovadora, verifica-se a existência de diversas barreiras que têm limitado as tentativas de implementação das propostas de desenvolvimento local. Entre estes limites destacam-se: insuficiência na capacidade organizativa da sociedade civil local para garantir o funcionamento dos mecanismos de gestão participativa; manutenção e reprodução de práticas políticas tradicionais na gestão de bens públicos; limitação do acesso a recursos para implementação das ações previstas; e o imediatismo e fragmentação na execução das ações e nos modelos tradicionais de gestão pública centralizada no poder executivo, com pouco envolvimento da população e suas organizações.
Diante dessas dificuldades, a capacitação da população e o fortalecimento das organizações da sociedade civil, tornam-se elementos fundamentais para o sucesso das iniciativas de desenvolvimento local. Isso porque, os três pilares de sustentação do desenvolvimento local são: a participação cidadã, a cooperação ativa e a capacitação integral dos sujeitos sociais.
• A participação cidadã garantida e incentivada em todos os momentos: desde o planejamento das ações locais de desenvolvimento, até na sua implementação e controle, através de diversos mecanismos de participação social: comitês, comissões, conselhos de gestão de políticas, conselhos de desenvolvimento, fóruns, congressos, consulta popular, etc.
• A mobilização e cooperação ativa (crítica) da sociedade e entre os órgãos públicos possibilitam a integração dos esforços e ações, refletindo o comprometimento da população local e das organizações públicas e privadas com os objetivos do desenvolvimento local.
• A Capacitação ético-política Para a cooperação e a participação: A capacitação ético-política deve proporcionar a descoberta e a vivência de valores democráticos, da justiça social, da autonomia e da cooperação solidária, fazendo prevalecer a busca dos objetivos coletivos, contribuindo para a superação do imediatismo e do individualismo que estão na base da má utilização e desvio dos recursos.
Os dois primeiros pilares não se sustentam se não houver um processo de capacitação integral das pessoas. Em especial, a capacitação ético-política deve contribuir para a constituição dos sujeitos do desenvolvimento, isto é, pessoas e organizações com capacidade de sensibilizar, mobilizar, organizar, representar interesses e animar os diversos processos de planejamento e execução das ações do desenvolvimento local. Esses sujeitos devem ser capazes também do exercício político da participação nos diversos mecanismos institucionalizados de gestão de políticas públicas (conselhos, comissões, fóruns, etc.), atuando de forma autônoma diante das tentativas de manipulação e de cooptação política que sempre estão presentes nesses espaços. Um terceiro aspecto da capacitação ético-política diz respeito à necessidade de conhecimento dos instrumentos administrativos, jurídicos e legislativos de apoio à participação cidadã no desenvolvimento local. A maioria desses instrumentos foi criada pela Constituição Brasileira de 1988. Destaca-se também o conhecimento da lei orgânica do município e da legislação e normas operacionais das políticas e programas públicos e dos conselhos de gestão.
A construção dos pilares de sustentação do desenvolvimento local exige paciência, investimento e vontade política. Significa abrir um novo caminho de conceber e construir de forma solidária o desenvolvimento num ambiente em que a cultura e as práticas predominantes funcionam no sentido contrário à participação e à integração. É um aprendizado conjunto de como combinar as políticas públicas com as necessidades e potencialidades locais.
Economia Solidária, Desenvolvimento e Inclusão Social.
A Economia Solidária também é alternativa a um modelo de desenvolvimento que produz riquezas gerando miséria, subordinando e explorando o trabalho e a natureza. No final do Século XX a economia solidária ressurge e se fortalece num contexto de crise do mundo do trabalho. Os altos índices de desemprego e precarização das relações de trabalho, contribuem para o alargamento da pobreza e da miséria de parcelas significativas da população. A reestruturação produtiva baseada nos avanços tecnológicos e nos modelos de gestão intensificadores de trabalho alterou de forma rápida e intensiva o mercado e as condições de trabalho. Milhões de postos de trabalhos foram extintos. Direitos sociais conquistados pelas lutas das classes trabalhadoras foram flexibilizados e eliminados. As condições de subemprego fragilizaram ainda mais a proteção de milhões de trabalhadores.
Nesse contexto, a empregabilidade e o empreendedorismo foram enfatizados pela perspectiva liberal. A primeira se refere à capacidade de reciclagem (atualização contínua) profissional e capacidade de adaptação a diferentes áreas de atuação. A segunda se refere à mobilização e exercício da capacidade empreendedora para iniciar novos negócios, para que os desempregados se transformem em pequenos empresários. Nos dois casos a responsabilidade pela permanência, recolocação e solução da crise do trabalho são atribuídas mais a cada indivíduo em particular e não ao sistema.
Já na perspectiva emancipatória, foram destacadas as variadas formas de organização do trabalho e da produção protagonizadas pelos setores populares. Experiências coletivas de trabalho e produção vêm se disseminando nos espaços rurais e urbanos, através das cooperativas de produção e consumo, das associações de produtores e empresas de autogestão. Nascem de uma atitude crítica frente ao sistema hegemônico e se orientam por valores não mercantis como a solidariedade e a democracia: “uma nova forma de organizar a produção, a distribuição e o consumo dos bens socialmente produzidos, o que significa redesenhar e exercitar, na prática das experiências alternativas, um outro projeto de sociedade que rompa com a lógica da competição monopolizadora excludente” (Bertucci, 2002: 19).
A economia solidária seria, portanto, uma alternativa capaz de combinar a inclusão social pela via do trabalho com a construção de uma nova concepção de desenvolvimento solidário. Algumas de suas características apontam para essa possibilidade:
• Não reduz o desenvolvimento à dimensão econômica, medindo o produto final pelo resultado mensurável apenas por indicadores econômicos. A economia é fundamentalmente social e de interesse público, pressupondo a implementação de ações endógenas de desenvolvimento que aumentem a produção e a distribuição eqüitativa de riquezas.
• A construção participativa da cidadania utiliza-se de diversos instrumentos de formação que consolidam gradativamente uma cultura de solidariedade, integrando direitos sociais, políticos e econômicos.
• A autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas das atividades de produção e distribuição, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc.
Esse processo vem também, ainda que timidamente, colocando outros conteúdos como a questão das identidades etnoculturais e a questão ecológica, como pressupostos do desenvolvimento sustentável, onde a produção, distribuição e preservação dos recursos naturais e sociais sejam dimensões de um processo de emancipação. Isso pressupõe um processo de re-educação em vista de uma nova cultura de solidariedade, valorizando as diferentes etnias, as relações de gênero, garantindo a participação democrática e respeitando o meio ambiente.
É nesse sentido que políticas de desenvolvimento territorial ou local devem ser incentivadas, considerando o fortalecimento da economia solidária como estratégia de inclusão social através da geração de trabalho e melhoria de renda, como alternativa aos processos de precarização do trabalho. Ou seja, como estratégia fundamental para superação da pobreza e outras formas de exclusão.
Os empreendimentos de Economia Solidária podem ser instrumentos fundamentais de construção de um projeto sustentável e solidário de desenvolvimento também no âmbito local ou territorial. A inserção da economia solidária nos processos de desenvolvimento territorial exige a combinação de um conjunto de ações estruturantes, de acesso e incentivo às alternativas locais de geração de trabalho e das outras melhorias nas condições de vida da população local, com as iniciativas já existentes de transferência de renda, como “bolsa família”, e outros programas sociais.
Inúmeros exemplos mostram que as potencialidades locais, principalmente as econômicas, podem ser aproveitadas, de forma solidária e sustentável através da identificação de cadeias produtivas da economia familiar e do fortalecimento de organizações associativas, da promoção de complexos cooperativos, redes de produção, beneficiamento e comercialização etc. Dessa forma, evita-se o risco de cooptação do discurso sobre os “arranjos produtivos locais” por parte apenas das grandes empresas que não se orientam pela lógica da solidariedade e sustentabilidade. A economia solidária, que baseia sua potencialidade nesses arranjos econômicos locais, redimensiona o seu significado transformando-os em arranjos produtivos, solidários e sustentáveis.
Finalmente, a perspectiva autogestionária dos empreendimentos de economia solidária pode ser o referencial de conteúdo e vivência prática orientadora da educação cidadã e da mobilização social nos territórios. A capacidade de gestão participativa deverá ser transferida para os espaços públicos, ampliando a participação cidadã nos destinos da comunidade ou sociedade local, através dos mecanismos e instrumentos de gestão e controle social das políticas públicas e do processo de desenvolvimento.
É de acordo com essas perspectivas e valores que a Secretaria Nacional de Economia Solidária, no âmbito do Governo Federal, deverá participar e propor políticas públicas para inclusão social pela via do trabalho e melhoria da renda das populações em situação de exclusão social.
Bibliografia (citada e de referência):
ARAÚJO, Tânia Bacelar. Dinâmica regional brasileira: rumo à desintegração competitiva? In: OLIVEIRA, M. A. G.(Org.). Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: Bagaço, 1997. p. 245-298.
_________ (2000) Ensaios Sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Ed. Revan; Fase.
BAVA, Silvio Caccia. Desenvolvimento local uma alternativa para a crise social? In: Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v.10, n. 3, Jul-Set/1996. p. 53-59. (Fundação SEADE)
Bertucci, Ademar de Andrade et al. Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Desenvolvimento, Sustentabilidade, Democracia: o que isso tem a ver com você? Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
Bertucci, Ademar de Andrade; Silva, Roberto Marinho Alves (orgs.). Vinte Anos de Economia Popular Solidária: trajetória da Cáritas Brasileira dos PACs à EPS. Brasília/DF: Cáritas Brasileira, 2003.
Bertucci, Ademar de Andrade; Silva, Roberto Marinho Alves. Das Alternativas de Sobrevivência à Economia Solidária. Revista Proposta. Ano 30, nº 97, junho/agosto de 2003.
BUARQUE, Sérgio Cristovam. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Recife: INCRA-IICA, 1997. (Mimeogr.)
BUARQUE, Cristovam. Admirável Mundo Atual. Dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo globalizado. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 21ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
DOWBOR, Ladislau. O que é poder local? São Paulo: Brasiliense, 1994. (Col. Primeiros Passos).
FRANCO, Augusto de. Ação local a nova política da contemporaneidade. Brasília: Agora/Fase/Instituto de política, 1995.
FURTADO, Celso (1974). O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
________. Pequena Introdução ao Desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. São Paulo: Nacional, 1980.
GENRO, Tarso et al. Desafios do governo local: o modo petista de governar. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997.
LESBAUPIN, Ivo. Prefeituras do povo e para o povo. São Paulo: Loyola, 1996.
SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
________. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel/Fundap, 1993.
_________. Caminhos Para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
ZAOUAL, Hassan. Globalização e Diversidade Cultural. São Paulo: Vozes, 2003.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Movimentos Sociais e suas “andarilhagens históricas pelo mundo”
Impossível passar imune por uma atividade que tem como protagonistas os movimentos sociais, que transpira energia militante e que, de quebra, defende e propõe a unificação do campo e da cidade nas grandes lutas que ainda virão no processo de enfrentamento do grande poder econômico, das transnacionais, e dos governos que o sustenta.
Sempre me comoveram as místicas realizadas nesses momentos e ontem não foi diferente. Ao contrário. Hoje, ainda contagiada, busquei algo que traduzisse alguns significados importantes, tanto do ponto de vista da própria MÍSTICA quanto dos MOVIMENTOS SOCIAIS.
Parei minha busca quando me deparei com os vídeos que compartilho abaixo com vocês.
O vídeo de abertura é uma produção do MST, fala sobre MÍSTICA, mostrando-nos os seus profundos significados.
Acessando pelo “menu”, ouvirão e verão o grande mestre Paulo Freire, falando sobre o MST, sobre MARCHAS, sobre a importância da tomada de decisão de intervenção no mundo, contra o fatalismo, sobre a recusa a uma obediência servil e das muitas marchas que considera necessárias, dentre elas a “dos que querem ser e estão proibidos de ser”. Fala também da vontade amorosa de mudar o mundo e muito mais... São dois vídeos com a última entrevista dada por Paulo Freire, em abril de 1997.
Assistindo os vídeos aprendemos que a mística nos “faz acreditar que há outro lugar além deste que alcança a vista” e muito mais...
Um forte abraço,
Iara Borges Aragonez.
Sempre me comoveram as místicas realizadas nesses momentos e ontem não foi diferente. Ao contrário. Hoje, ainda contagiada, busquei algo que traduzisse alguns significados importantes, tanto do ponto de vista da própria MÍSTICA quanto dos MOVIMENTOS SOCIAIS.
Parei minha busca quando me deparei com os vídeos que compartilho abaixo com vocês.
O vídeo de abertura é uma produção do MST, fala sobre MÍSTICA, mostrando-nos os seus profundos significados.
Acessando pelo “menu”, ouvirão e verão o grande mestre Paulo Freire, falando sobre o MST, sobre MARCHAS, sobre a importância da tomada de decisão de intervenção no mundo, contra o fatalismo, sobre a recusa a uma obediência servil e das muitas marchas que considera necessárias, dentre elas a “dos que querem ser e estão proibidos de ser”. Fala também da vontade amorosa de mudar o mundo e muito mais... São dois vídeos com a última entrevista dada por Paulo Freire, em abril de 1997.
Assistindo os vídeos aprendemos que a mística nos “faz acreditar que há outro lugar além deste que alcança a vista” e muito mais...
Um forte abraço,
Iara Borges Aragonez.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Impactos da monocultura de eucalipto
Veja como essa atividade econômica tem repercussões negativas no meio ambiente e na sociedade
* Desertificação do clima
As plantações florestais de crescimento rápido, como o eucalipto, necessitam de muita água, por isso absorvem as chuvas e também a água do próprio solo.
* Ressecamento do solo e erosão
No Brasil o eucalipto não cresce naturalmente e, plantado em larga escala, forma florestas homogêneas que garantem a viabilidade econômica. Após sete anos, as florestas são cortadas e o solo, já empobrecido, fica completamente exposto, sem cobertura vegetal.
* Diminuição da biodiversidade
A introdução do eucalipto impede que a vegetação natural (gramíneas e arbustos) se mantenha. Isso altera a dinâmica da vida dos animais no local. Nos bosques de eucalipto, só proliferam formigas e caturritas (aves predadoras de lavouras que usam as árvores de eucalipto como abrigo, mas não se alimentam delas). No Espírito Santo, onde há grandes plantações florestais de eucalipto, existe uma categoria de trabalhadores cuja profissão é matar formigas.
* Especialização da atividade produtivaO avanço da monocultura de eucalipto na metade sul do Rio Grande do Sul deve gerar a ruptura de duas tradições produtivas: a pecuária, realizada principalmente nos latifúndios, e a produção da agricultura de subsistência, realizada nos interstícios das grandes propriedades.
* Transformação da paisagem e da identidade cultural
As áreas onde há monocultura de eucalipto, como a região dos campos do Rio Grande do Sul, são ecossistemas em risco. O lugar faz parte da construção da identidade das pessoas e sua modificação, com a plantação das mesmas árvores, quilômetros a fio, implica uma transformação violenta da cultura dessas pessoas.
Fonte: Entrevista com Dirce Maria Suertegaray e Roberto Verdum, professores da Faculdade de Geografia da Universidade Federal Rio Grande do Sul (UFRGS).
* Desertificação do clima
As plantações florestais de crescimento rápido, como o eucalipto, necessitam de muita água, por isso absorvem as chuvas e também a água do próprio solo.
* Ressecamento do solo e erosão
No Brasil o eucalipto não cresce naturalmente e, plantado em larga escala, forma florestas homogêneas que garantem a viabilidade econômica. Após sete anos, as florestas são cortadas e o solo, já empobrecido, fica completamente exposto, sem cobertura vegetal.
* Diminuição da biodiversidade
A introdução do eucalipto impede que a vegetação natural (gramíneas e arbustos) se mantenha. Isso altera a dinâmica da vida dos animais no local. Nos bosques de eucalipto, só proliferam formigas e caturritas (aves predadoras de lavouras que usam as árvores de eucalipto como abrigo, mas não se alimentam delas). No Espírito Santo, onde há grandes plantações florestais de eucalipto, existe uma categoria de trabalhadores cuja profissão é matar formigas.
* Especialização da atividade produtivaO avanço da monocultura de eucalipto na metade sul do Rio Grande do Sul deve gerar a ruptura de duas tradições produtivas: a pecuária, realizada principalmente nos latifúndios, e a produção da agricultura de subsistência, realizada nos interstícios das grandes propriedades.
* Transformação da paisagem e da identidade cultural
As áreas onde há monocultura de eucalipto, como a região dos campos do Rio Grande do Sul, são ecossistemas em risco. O lugar faz parte da construção da identidade das pessoas e sua modificação, com a plantação das mesmas árvores, quilômetros a fio, implica uma transformação violenta da cultura dessas pessoas.
Fonte: Entrevista com Dirce Maria Suertegaray e Roberto Verdum, professores da Faculdade de Geografia da Universidade Federal Rio Grande do Sul (UFRGS).
domingo, 9 de março de 2008
Valorosas Mulheres do MST e da Via Campesina
Em homenagem e solidariedade às mulheres ligadas ao MST e Via Campesina e em protesto a implementação do projeto neo-liberal do Governo Yeda que acaba com a agricultura familiar, seja pelo desmonte da EMATER/RS ou pela entrega ilegal de áreas a empresas estrangeiras para o plantio de eucalipto – monocultura do eucalipto no Estado - o Coletivo Desenvolvimento Sustentável divulga o vídeo ROMPENDO COM O SILÊNCIO que explica as razões que levaram as mulheres sem-terra a ocupar e destruir as plantações e o laboratório da Aracruz Celulose no RS em 2006.
No dia 4 de março desse ano essas valorosas mulheres, ocuparam a fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, de propriedade irregular da papeleira Stora Enso,também protegida da governadora Yeda. Em uma grandiosa ação as mulheres cortaram eucaliptos e plantaram árvores nativas.
Você pode ler mais sobre essa ação, inclusive sobre a violência da polícia no trato da questão, em matéria publicada na página http://www.semapirs.com.br/
A seguir o vídeo.
No dia 4 de março desse ano essas valorosas mulheres, ocuparam a fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, de propriedade irregular da papeleira Stora Enso,também protegida da governadora Yeda. Em uma grandiosa ação as mulheres cortaram eucaliptos e plantaram árvores nativas.
Você pode ler mais sobre essa ação, inclusive sobre a violência da polícia no trato da questão, em matéria publicada na página http://www.semapirs.com.br/
A seguir o vídeo.
terça-feira, 4 de março de 2008
A Marcha Mundial das Mulheres
O texto abaixo, “Somos Mulheres e não Mercadoria” vem das companheiras Analine Specht e Cláudia Prates, ambas militantes da Marcha Mundial das Mulheres e da Economia Popular Solidária, em Porto Alegre. A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento internacional com origem no Canadá, mobilizando mulheres em todo o Mundo,desde 1995. Organizou-se a partir de uma caminhada chamada “Pão e Rosas” e reinventa o movimento feminista. Internacional e anti-capitalista incorpora na sua lógica a transformação da sociedade, alargando o espectro de luta das mulheres.
Somos Mulheres, e não Mercadorias!
A globalização é caracterizada pela expansão dos domínios do mercado. Este sistema não se expande apenas colonizando regiões do planeta em que as sociedades estavam organizadas de maneira diferente. Ele se expande também aumentando os ritmos de exploração do trabalho nas fábricas, lares, escritórios, dentro de cada país e entre países, ocupando mais dimensões da vida em sociedade. Hoje as novas fronteiras do mercado estão avançando sobre nossos direitos, sobre o meio ambiente, a genética dos seres vivos, sobre os conhecimentos e a criatividade dos seres humanos.
As lutas feministas atuais e a construção da Marcha Mundial das Mulheres acontecem no contexto dessa expansão.
O crescimento da exploração e da banalização da imagem das mulheres, também, é parte da tendência global de organização da sociedade segundo regras de mercado, que determinam que tudo na vida pode e deve ser comprado e vendido. Esse mecanismo de agir e pensar na sociedade é o que chamamos de mercantilização: o processo que transforma tudo, todas e todos, em mercadorias, como se fossem sabonetes ou aspiradores de pó. A mercadoria é uma forma generalizada, de objetos ou coisas, que mantém a relação entre produção e consumo. A criação de falsas necessidades, o fetichismo, e a coisificação cada vez mais, criam e transformam os mais diversos aspectos da reprodução da vida em mercadorias. Este processo tem por base a exploração e a opressão em grau máximos, distanciando e fragmentando as relações pessoais e desconstruindo os direitos que já conquistamos e os que ainda lutamos para conquistar. Construir conhecimento crítico sobre esse processo, formas de organização e ação autônoma das mulheres que respondam a essa realidade é uma das tarefas do feminismo anti-capitalista.
O lugar da mulher na sociedade de mercado
O mercado é o grande instrumento/aparelho capitalista que regula e mantém o atual sistema econômico, conseqüentemente, a esfera e os espaços sociais são determinados pelas suas regras e imposições. Nesse sentido, a identidade, as atribuições e os espaços das mulheres na sociedade são definidos pelo mercado e suas necessidades. A forma mercadoria atinge homens e mulheres, posto que ambos trocam o seu trabalho material ou imaterial por dinheiro. Vivemos um momento em que a flexibilidade das leis trabalhistas e a exploração são cada vez maiores.
Entretanto, as mulheres sofrem bem mais com as crises e debilidades estruturais do sistema, como baixos salários, desemprego, informalidade, jornada tripla e doenças laborais. Todos esses aspectos que permeiam a mulher no mundo do trabalho são resultados da política do estado mínimo neoliberal, considerando a precariedade no atendimento público de saúde, a falta de creches, escolas, transporte entre outros, que aumentam os custos mensais em serviços privados e na maioria das vezes reproduz a precarização dentro de casa, com a contratação informal de domésticas e babás.
O sistema capitalista que legitima e reproduz o machismo relega às mulheres a condição de mercadorias, objetos. A representação da mulher na sociedade de mercado está associada a imagens e sucesso de venda de produtos, como cervejas, carros, músicas, sandálias, novelas e a televisão em geral. Esse processo de mercantilização da imagem da mulher construiu e legitimou o padrão físico e social do ser feminino. Assim, a valorização da mulher está ligada à padronização e as condições impostas pelo mercado, seus hábitos de consumo devem se pautar pelo uso de uma enorme quantidade de produtos e serviços voltados ao público feminino.
A imagem do Brasil é constantemente vinculada à beleza das mulheres brasileiras, tanto brancas como negras. O Brasil é conhecido mundialmente como “país das belas mulheres”, ou seja, modelos “tipo exportação”, assim chamadas pelo mercado da moda. Outros dois elementos inter-relacionados que contribuem à mercantilização dos corpos das brasileiras são o samba e carnaval. Sem entrar no mérito da identidade e símbolos da cultura nacional, o que queremos chamar a atenção é para a excessiva exploração da imagem e dos corpos de mulheres negras, geralmente magras, que exibem seus corpos nus para deleite de turistas que vêm ao Brasil todos os anos. Sem falar que, esta “propaganda” de corpos negros nus é o cartão de visitas para o turismo sexual no Brasil, enraizado no universo antigo da prostituição, o turismo sexual avança com a pressão por mobilidade e atrativos turísticos.
A demanda sexual é incentivada e estimulada por uma oferta cada vez mais atraente. O mercado amplia-se e vai se diversificando: uma internacionalização da oferta, com mulheres cada vez mais jovens, provenientes de todos os estados brasileiros, atraindo novos turistas (clientes). Com este afluxo de migrantes do sexo, alimentado pela sede de consumo, a rotação das garotas está garantida. Objetos de todo tipo de tráficos, os corpos são disponíveis e prestativos. Por tarifas cada vez mais baixas, conforme manda a livre concorrência de mercado.
A exposição da imagem e do corpo das mulheres como objeto contribui muito para colocá-las em permanente estado de insegurança com relação ao próprio corpo, gerando a necessidade de aprovação frente ao olhar externo.
A definição e percepção da “feminilidade” passam a responder as expectativas do mercado, baseadas nos desejos masculinos reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para perceber como estamos cercadas de produtos e serviços voltados às mulheres que se baseiam na exploração e na naturalização dessa dependência.
A magreza das super-modelos é esperada daquelas que “se cuidam” como “boas mulheres”. Diante destes símbolos e imagens do corpo da mulher na sociedade, devemos discutir as estratégias de apropriação do corpo com fins utilitários e mercadológicos, numa dinâmica engendrada pelo atual sistema econômico, violento, que forja seu impacto através do glamour dos equipamentos midiáticos. Cada vez mais jovens sofrem com transtornos alimentares como bulimia, anorexia, doenças que estão entre as principais causas de mortes das jovens segundo a Organização Mundial de Saúde. As cirurgias de redução do estômago lembram as cirurgias de retirada de parte do cérebro, lobotomia, de pessoas diagnosticadas como doentes mentais no século XIX, recentemente uma companhia americana patenteou um tratamento para obesidade à base de eletro-choques.
À imposição da magreza, somam-se o poder inquestionável da ciência e dos médicos e da ideologia da eficiência e das soluções imediatas típicas do neoliberalismo.
As formas do corpo da mulher, historicamente controladas, hoje também podem ser compradas segundo os padrões da moda. Segundo o secretário geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade de adolescentes que colocam prótese de silicone aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2003 foram realizadas 400 mil cirurgias plásticas no país. O crescimento do mercado também se dá por sua expansão para as mulheres do meio popular através de parcelamentos, consórcios ou dívidas com agiotas.
O estereótipo de beleza feminina do mercado perpassa a desconstrução de identidades de classe, étnicas, raciais, fisiológicas e biológicas, o que gera o padrão, a homogeneidade estética. Exemplo disto são os cabelos lisos a qualquer custo, comumente observa-se mulheres negras e brancas recorrerem a indústria cosmética para obterem tal resultado e aprovação da sociedade massificada.
O mercado capitalista também utiliza-se da cooptação de elementos potenciais de novos fetiches e maximização dos lucros. A identidade afro-brasileira é representada, também, através dos cabelos, o uso de tranças, por exemplo, é símbolo de resistência e afirmação étnico racial. Aos poucos criou-se um grande mercado em torno do cabelo afro, com revistas, produtos e serviços, denotando a cooptação de elementos culturais construídos fora do mercado.
Destaca-se que o papel e os espaços da mulher na sociedade de mercado são resultados de construções e regras orientadas pelo aparelho capitalista, que conta com a legitimidade da Igreja e do Estado burguês. Todos os aspectos descritos anteriormente são resultados de uma concepção de mulher como “sexo frágil”, psicologicamente carente, fraca e maternal. Nesse sentido, a função social da mulher além de cuidar do corpo e da estética é cumprir o papel de mãe e de esposa, pois abrem-se grandes mercados consumidores para a “família” e para a “mãe”. Exemplo disso é a maternidade biológica, que se tornou uma mercadoria, através da “reprodução assistida”. Cada vez mais as mulheres consideram natural procurar médicos, tomar hormônios e submeter-se a processos dolorosos e violentos para engravidar a todo custo. A materialidade da mulher de mercado é expressa nos comerciais de margarina, a mãe zelosa, produzida, bonita, delicada e preocupada em alimentar os filhos e a família. A feminilidade e o valor da mulher são medidos e identificados pelos cuidados estéticos: cabelos, corpo, pele, unhas em perfeita harmonia, sustentando a indústria cosmética e reproduzindo a condição de fragilidade e “ternura” que o mercado criou e necessita manter.
A coisificação, a massificação e o fetichismo da feminilidade e da mulher representam a sociedade invertida - em que sujeitos passam a objetos – que contempla o mercado, segue e reproduz suas regras apática e silenciosamente.
Ação feminista contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres
“Nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria!”A resistência à mercantilização do corpo e da vida das mulheres é um eixo fundamental para a construção de um feminismo autônomo e militante, que tenha presente o recorte de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global. O movimento feminista luta pela autonomia e emancipação das mulheres, pela ruptura com as estruturas que reproduzem e legitimam a suas condições de fragilidade e submissão através dos seus mecanismos e instrumentos.
O exercício cotidiano, a partir das experiências vivenciadas pelas mulheres, permite a desconstrução das estruturas que sustentam o mercado, bem como possibilitam a estabelecer relações entre as situações de opressão e o funcionamento da ordem econômica mundial.
A Marcha Mundial das Mulheres provoca nas suas militantes e na sociedade em geral questionamentos acerca dos símbolos e regras que condicionam e criam a imagem feminina voltada ao mercado. É preciso desconstruir e resignificar a concepção e os espaços da mulher na sociedade, romper com os estigmas e com as falsas identidades de feminilidade, de percepção do corpo, de reprodução social. Articulações e ações de demarcação políticas como o 8 de março reforçam as bandeiras de luta feminista e permitem que o coletivo de mulheres se aproprie cada vez mais dos espaços públicos, sentindo-se sujeitas da revolução social. Essa conquista das mulheres, de sua imagem, de seu espaço e função vem sendo desencadeada pelas ações e reflexões feministas, em prática diária do olhar crítico através da lente lilás do feminismo, sobre todas as manifestações desse fenômeno de apropriação de nossas vidas. Experiências autênticas possibilitam autonomia e liberdade sob nosso corpo e vida, pensamentos e condutas, desmistificando os significados produzidos perversamente no cotidiano. A construção de novos sentidos, a retomada do empoderamento subjetivo e de transformação coletiva, o protagonismo no processo de construção do feminismo como projeto político de vida e o rompimento radical com os símbolos da mercantilização e da opressão da mulher compõem a luta do movimento feminista e o universo que nos desafiamos a enfrentar.
"Mulheres querem um mundo de paz,
sem elite nem capataz"
Cláudia Prates e Analine Specht – Militantes da Marcha Mundial das Mulheres/RS
Referência bibliográfica:
Sof – Sempreviva Organização Feminsita
Caderno de Textos do I Encontro de Militantes da Marcha Mundial das Mulheres (25 a 28 de maio)
Livio Sansone - Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras no Brasil
Dâmaris Pires de Oliveira – Mercantilização do corpo: produção de imagens, produção de si - Damaris é psicóloga e militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres no Paraná pela Liga Brasileira de Lésbicas
Lê Mond Diplomatique – Edição Brasil
Maria Lúcia Silveira - Entrevista “Mercantilização do corpo e do sexo é uma forma de opressão” - Marcha Mundial de Mulheres
As lutas feministas atuais e a construção da Marcha Mundial das Mulheres acontecem no contexto dessa expansão.
O crescimento da exploração e da banalização da imagem das mulheres, também, é parte da tendência global de organização da sociedade segundo regras de mercado, que determinam que tudo na vida pode e deve ser comprado e vendido. Esse mecanismo de agir e pensar na sociedade é o que chamamos de mercantilização: o processo que transforma tudo, todas e todos, em mercadorias, como se fossem sabonetes ou aspiradores de pó. A mercadoria é uma forma generalizada, de objetos ou coisas, que mantém a relação entre produção e consumo. A criação de falsas necessidades, o fetichismo, e a coisificação cada vez mais, criam e transformam os mais diversos aspectos da reprodução da vida em mercadorias. Este processo tem por base a exploração e a opressão em grau máximos, distanciando e fragmentando as relações pessoais e desconstruindo os direitos que já conquistamos e os que ainda lutamos para conquistar. Construir conhecimento crítico sobre esse processo, formas de organização e ação autônoma das mulheres que respondam a essa realidade é uma das tarefas do feminismo anti-capitalista.
O lugar da mulher na sociedade de mercado
O mercado é o grande instrumento/aparelho capitalista que regula e mantém o atual sistema econômico, conseqüentemente, a esfera e os espaços sociais são determinados pelas suas regras e imposições. Nesse sentido, a identidade, as atribuições e os espaços das mulheres na sociedade são definidos pelo mercado e suas necessidades. A forma mercadoria atinge homens e mulheres, posto que ambos trocam o seu trabalho material ou imaterial por dinheiro. Vivemos um momento em que a flexibilidade das leis trabalhistas e a exploração são cada vez maiores.
Entretanto, as mulheres sofrem bem mais com as crises e debilidades estruturais do sistema, como baixos salários, desemprego, informalidade, jornada tripla e doenças laborais. Todos esses aspectos que permeiam a mulher no mundo do trabalho são resultados da política do estado mínimo neoliberal, considerando a precariedade no atendimento público de saúde, a falta de creches, escolas, transporte entre outros, que aumentam os custos mensais em serviços privados e na maioria das vezes reproduz a precarização dentro de casa, com a contratação informal de domésticas e babás.
O sistema capitalista que legitima e reproduz o machismo relega às mulheres a condição de mercadorias, objetos. A representação da mulher na sociedade de mercado está associada a imagens e sucesso de venda de produtos, como cervejas, carros, músicas, sandálias, novelas e a televisão em geral. Esse processo de mercantilização da imagem da mulher construiu e legitimou o padrão físico e social do ser feminino. Assim, a valorização da mulher está ligada à padronização e as condições impostas pelo mercado, seus hábitos de consumo devem se pautar pelo uso de uma enorme quantidade de produtos e serviços voltados ao público feminino.
A imagem do Brasil é constantemente vinculada à beleza das mulheres brasileiras, tanto brancas como negras. O Brasil é conhecido mundialmente como “país das belas mulheres”, ou seja, modelos “tipo exportação”, assim chamadas pelo mercado da moda. Outros dois elementos inter-relacionados que contribuem à mercantilização dos corpos das brasileiras são o samba e carnaval. Sem entrar no mérito da identidade e símbolos da cultura nacional, o que queremos chamar a atenção é para a excessiva exploração da imagem e dos corpos de mulheres negras, geralmente magras, que exibem seus corpos nus para deleite de turistas que vêm ao Brasil todos os anos. Sem falar que, esta “propaganda” de corpos negros nus é o cartão de visitas para o turismo sexual no Brasil, enraizado no universo antigo da prostituição, o turismo sexual avança com a pressão por mobilidade e atrativos turísticos.
A demanda sexual é incentivada e estimulada por uma oferta cada vez mais atraente. O mercado amplia-se e vai se diversificando: uma internacionalização da oferta, com mulheres cada vez mais jovens, provenientes de todos os estados brasileiros, atraindo novos turistas (clientes). Com este afluxo de migrantes do sexo, alimentado pela sede de consumo, a rotação das garotas está garantida. Objetos de todo tipo de tráficos, os corpos são disponíveis e prestativos. Por tarifas cada vez mais baixas, conforme manda a livre concorrência de mercado.
A exposição da imagem e do corpo das mulheres como objeto contribui muito para colocá-las em permanente estado de insegurança com relação ao próprio corpo, gerando a necessidade de aprovação frente ao olhar externo.
A definição e percepção da “feminilidade” passam a responder as expectativas do mercado, baseadas nos desejos masculinos reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para perceber como estamos cercadas de produtos e serviços voltados às mulheres que se baseiam na exploração e na naturalização dessa dependência.
A magreza das super-modelos é esperada daquelas que “se cuidam” como “boas mulheres”. Diante destes símbolos e imagens do corpo da mulher na sociedade, devemos discutir as estratégias de apropriação do corpo com fins utilitários e mercadológicos, numa dinâmica engendrada pelo atual sistema econômico, violento, que forja seu impacto através do glamour dos equipamentos midiáticos. Cada vez mais jovens sofrem com transtornos alimentares como bulimia, anorexia, doenças que estão entre as principais causas de mortes das jovens segundo a Organização Mundial de Saúde. As cirurgias de redução do estômago lembram as cirurgias de retirada de parte do cérebro, lobotomia, de pessoas diagnosticadas como doentes mentais no século XIX, recentemente uma companhia americana patenteou um tratamento para obesidade à base de eletro-choques.
À imposição da magreza, somam-se o poder inquestionável da ciência e dos médicos e da ideologia da eficiência e das soluções imediatas típicas do neoliberalismo.
As formas do corpo da mulher, historicamente controladas, hoje também podem ser compradas segundo os padrões da moda. Segundo o secretário geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade de adolescentes que colocam prótese de silicone aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2003 foram realizadas 400 mil cirurgias plásticas no país. O crescimento do mercado também se dá por sua expansão para as mulheres do meio popular através de parcelamentos, consórcios ou dívidas com agiotas.
O estereótipo de beleza feminina do mercado perpassa a desconstrução de identidades de classe, étnicas, raciais, fisiológicas e biológicas, o que gera o padrão, a homogeneidade estética. Exemplo disto são os cabelos lisos a qualquer custo, comumente observa-se mulheres negras e brancas recorrerem a indústria cosmética para obterem tal resultado e aprovação da sociedade massificada.
O mercado capitalista também utiliza-se da cooptação de elementos potenciais de novos fetiches e maximização dos lucros. A identidade afro-brasileira é representada, também, através dos cabelos, o uso de tranças, por exemplo, é símbolo de resistência e afirmação étnico racial. Aos poucos criou-se um grande mercado em torno do cabelo afro, com revistas, produtos e serviços, denotando a cooptação de elementos culturais construídos fora do mercado.
Destaca-se que o papel e os espaços da mulher na sociedade de mercado são resultados de construções e regras orientadas pelo aparelho capitalista, que conta com a legitimidade da Igreja e do Estado burguês. Todos os aspectos descritos anteriormente são resultados de uma concepção de mulher como “sexo frágil”, psicologicamente carente, fraca e maternal. Nesse sentido, a função social da mulher além de cuidar do corpo e da estética é cumprir o papel de mãe e de esposa, pois abrem-se grandes mercados consumidores para a “família” e para a “mãe”. Exemplo disso é a maternidade biológica, que se tornou uma mercadoria, através da “reprodução assistida”. Cada vez mais as mulheres consideram natural procurar médicos, tomar hormônios e submeter-se a processos dolorosos e violentos para engravidar a todo custo. A materialidade da mulher de mercado é expressa nos comerciais de margarina, a mãe zelosa, produzida, bonita, delicada e preocupada em alimentar os filhos e a família. A feminilidade e o valor da mulher são medidos e identificados pelos cuidados estéticos: cabelos, corpo, pele, unhas em perfeita harmonia, sustentando a indústria cosmética e reproduzindo a condição de fragilidade e “ternura” que o mercado criou e necessita manter.
A coisificação, a massificação e o fetichismo da feminilidade e da mulher representam a sociedade invertida - em que sujeitos passam a objetos – que contempla o mercado, segue e reproduz suas regras apática e silenciosamente.
Ação feminista contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres
“Nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria!”A resistência à mercantilização do corpo e da vida das mulheres é um eixo fundamental para a construção de um feminismo autônomo e militante, que tenha presente o recorte de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global. O movimento feminista luta pela autonomia e emancipação das mulheres, pela ruptura com as estruturas que reproduzem e legitimam a suas condições de fragilidade e submissão através dos seus mecanismos e instrumentos.
O exercício cotidiano, a partir das experiências vivenciadas pelas mulheres, permite a desconstrução das estruturas que sustentam o mercado, bem como possibilitam a estabelecer relações entre as situações de opressão e o funcionamento da ordem econômica mundial.
A Marcha Mundial das Mulheres provoca nas suas militantes e na sociedade em geral questionamentos acerca dos símbolos e regras que condicionam e criam a imagem feminina voltada ao mercado. É preciso desconstruir e resignificar a concepção e os espaços da mulher na sociedade, romper com os estigmas e com as falsas identidades de feminilidade, de percepção do corpo, de reprodução social. Articulações e ações de demarcação políticas como o 8 de março reforçam as bandeiras de luta feminista e permitem que o coletivo de mulheres se aproprie cada vez mais dos espaços públicos, sentindo-se sujeitas da revolução social. Essa conquista das mulheres, de sua imagem, de seu espaço e função vem sendo desencadeada pelas ações e reflexões feministas, em prática diária do olhar crítico através da lente lilás do feminismo, sobre todas as manifestações desse fenômeno de apropriação de nossas vidas. Experiências autênticas possibilitam autonomia e liberdade sob nosso corpo e vida, pensamentos e condutas, desmistificando os significados produzidos perversamente no cotidiano. A construção de novos sentidos, a retomada do empoderamento subjetivo e de transformação coletiva, o protagonismo no processo de construção do feminismo como projeto político de vida e o rompimento radical com os símbolos da mercantilização e da opressão da mulher compõem a luta do movimento feminista e o universo que nos desafiamos a enfrentar.
"Mulheres querem um mundo de paz,
sem elite nem capataz"
Cláudia Prates e Analine Specht – Militantes da Marcha Mundial das Mulheres/RS
Referência bibliográfica:
Sof – Sempreviva Organização Feminsita
Caderno de Textos do I Encontro de Militantes da Marcha Mundial das Mulheres (25 a 28 de maio)
Livio Sansone - Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras no Brasil
Dâmaris Pires de Oliveira – Mercantilização do corpo: produção de imagens, produção de si - Damaris é psicóloga e militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres no Paraná pela Liga Brasileira de Lésbicas
Lê Mond Diplomatique – Edição Brasil
Maria Lúcia Silveira - Entrevista “Mercantilização do corpo e do sexo é uma forma de opressão” - Marcha Mundial de Mulheres
segunda-feira, 3 de março de 2008
Brasil exporta modelo de gestão de água
A informação abaixo sobre o evento que discute o uso da água de maneira sustentável foi enviada pela trabalhadora do SEMAPI Sindicato, DENISE AGUZZI, em comentário sobre o Blog, postado hoje, no texto que inaugura essa iniciativa do Coletivo Desenvolvimento Sustentável.
Seja bem-vinda ao Blog Denise e obrigada pela contribuição.
Iara Borges Aragonez.
Mais de 20 países ibero-americanos estão representados em Lima, no Peru, para conhecer o modelo brasileiro que resultou na criação do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), durante evento organizado pelo Instituto Nacional de Recursos Naturais do Peru em cooperação com a Secretaria Geral da Comunidade Andina e Ministério do Meio Ambiente da Espanha. Durante o evento, serão discutidos avanços e desafios na elaboração de planos de recursos hídricos, a troca de experiências e exemplos de gestão de águas transfronteiriças.
O objetivo da reunião é criar condições para que esses países possam avançar na gestão integrada de recursos hídricos e atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio, que estabelecem, por exemplo, a necessidade de usar a água de maneira sustentável.
O Brasil saiu primeiro na elaboração do PNRH. Durante dois anos e meio, os governos federal, locais e membros da sociedade civil participaram de discussões para a sua criação. Hoje, é o mecanismo que norteia a política de utilização das águas até 2020. O diretor da Agência Nacional de Águas, Oscar Cordeiro Netto, vai explicar aos representantes dos países vizinhos a experiência brasileira e a administração de águas transfronteiriças, apresentando o acordo entre o País e o Uruguai, para aproveitamento do rio Quarai."
Antonio Gaspar
Seja bem-vinda ao Blog Denise e obrigada pela contribuição.
Iara Borges Aragonez.
Mais de 20 países ibero-americanos estão representados em Lima, no Peru, para conhecer o modelo brasileiro que resultou na criação do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), durante evento organizado pelo Instituto Nacional de Recursos Naturais do Peru em cooperação com a Secretaria Geral da Comunidade Andina e Ministério do Meio Ambiente da Espanha. Durante o evento, serão discutidos avanços e desafios na elaboração de planos de recursos hídricos, a troca de experiências e exemplos de gestão de águas transfronteiriças.
O objetivo da reunião é criar condições para que esses países possam avançar na gestão integrada de recursos hídricos e atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio, que estabelecem, por exemplo, a necessidade de usar a água de maneira sustentável.
O Brasil saiu primeiro na elaboração do PNRH. Durante dois anos e meio, os governos federal, locais e membros da sociedade civil participaram de discussões para a sua criação. Hoje, é o mecanismo que norteia a política de utilização das águas até 2020. O diretor da Agência Nacional de Águas, Oscar Cordeiro Netto, vai explicar aos representantes dos países vizinhos a experiência brasileira e a administração de águas transfronteiriças, apresentando o acordo entre o País e o Uruguai, para aproveitamento do rio Quarai."
Antonio Gaspar
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