quinta-feira, 26 de junho de 2008

SOJA, EUCALIPTO E MINHA FANTASIA FRUSTRADA DE VIDA NO CAMPO.

Verônica Loss*

Sou um bicho de cidade, nasci e me criei em Porto Alegre, com muito gosto e carinho por essa cidade. Mas, como a maioria dos seres humanos, sempre insatisfeitos com o que têm e com vontade de conhecer coisas novas, desde criança fantasiava viver no campo. As histórias de Monteiro Lobato com o Sítio do Pica Pau Amarelo, Érico Veríssimo e até chapeuzinho vermelho com sua vovó e lobo mau alimentavam minha fantasia. E minha mãe gostava de me levar em passeios pela periferia de Porto Alegre, Belém Velho e Lami, lugares que em naquela época eram compostos de pequenas propriedades rurais. Passávamos de carro (aquela velha Brasília amarela muito bem desfrutada pela família em passeios de fim de semana) por uma estradinha que começava no final do bairro Glória. Até hoje não sei o nome daquela rua, pra mim vai ser sempre “A Estradinha”, que subia o morro, tão linda, e eu imaginava que aquilo era a serra. Lá cruzávamos por porteiras de sítios, e se víamos da entrada que tinha árvores frutíferas, horta ou galinhas batíamos palmas para ver se os donos queriam vender sua produção. Naquela época muitos daqueles lugares não tinham luz elétrica ou telefone, ônibus de vez em quando, celular e internet nem em sonho! Creio que por isso nos recebiam com tanta alegria. Gente diferente, notícias da cidade... mandavam entrar, mostravam a plantação, a criação. Voltávamos com o porta-malas da Brasília lotado de verdura, fruta, ovos, ervas. E minha fantasia de viver no campo crescia depois de cada passeio desses.
Os caminhos da vida e a vontade de estar mais perto da natureza me levaram pra Florianópolis em 1994, e apesar de ser um lugar mais preservado que Porto Alegre, com sítios e agricultura orgânica, minha vida continuava urbana. Fortaleci meus vínculos com a alimentação saudável, a ecologia e fiz disso trabalho e meta de vida, mas seguia na cidade, pegando ônibus, dirigindo carro, respirando fumaça.
Chegou o dia que a “roda da fortuna”, ou “destino”, chamou a Hugo, meu companheiro, de volta à sua terra natal, Young. Que é Young??? Uma cidadezinha tão pequeninha que quase ninguém ouviu falar, no interior do interior do Uruguai, no sul do sul da América do Sul. Que tem lá? Campo... campo! Uruguai, lá vou eu! Toda a cidade tem a população do Campeche, bairro que morávamos em Floripa. Ar puro, gente pura, vaquinhas, ovelhinhas, leite e ovos frescos, fruta colhida do pé, horta! Vendi minhas tralhas, carreguei o que sobrou e me fui com tudo pra lá, feliz e cheia de expectativa.
Antes de chegar a Young, da janela do ônibus, já percebi algo raro. Muito eucalipto no caminho. Sempre escutei que Uruguai era um país ganadeiro, mas o que aparecia na estrada era muita árvore e poucas vacas. Quando viajávamos com minha mãe e sua Brasília amarela era comum ver no Rio Grande do Sul muito pasto e algum bosquezinho de eucalipto pra aparar o vento e fazer sombra para as vacas. Dizem que no Uruguai era igual, mas o que eu estava vendo era muito bosque de eucalipto e um pastinho e outro com algumas vaquinhas lutando por espaço. Passou batido, minha fantasia era maior do que a realidade que gritava na minha frente. Onde não se via eucalipto aparecia muita soja, sorgo e girassol.
Cheguei em Young. Hugo levou-me ao mercado e aos lugares que vendiam frutas e verduras. Foi o começo da frustração... pouca variedade, verde só alface e acelga. Aos poucos fui descobrindo que a maioria das frutas são produzidas em Salto, passam por aqui, vão todas pra Montevidéu e de lá são redistribuídas, gerando um desgaste desnecessário de tempo, combustível, embalagem, impostos e principalmente da vitalidade do alimento que passa dias viajando até chegar na nossa mesa, sem falar no incremento do preço que essa viagem toda gera. Young abriga uma indústria que produz e embala cítricos, que vão pra Montevidéu e de lá são redistribuídas pro interior... inclusive pra Young. E as verduras, a horta, o leite fresco? Não tem mais sítios, nem mesmo as grandes fazendas têm alguns poucos hectares de horta e cereais como antigamente, pro consumo da casa e dos empregados. Os fazendeiros compram tudo no mercado, os campos estão arrendados para empresas que cultivam eucalipto, soja, sorgo e girassol – transgênicos. Com muito glifosato.
O Uruguai não é mais um país ganadeiro, é um país forrageiro, e principalmente pasteiro, com seus campos sendo substituídos pelo famigerado eucalipto que vai virar pasta de celulose, e enquanto cresce suga toda água do solo, alcaliniza a terra tão linda e fértil desse paysito. E a água vai ficando envenenada, os peixes vão morrendo e vemos o aviãozinho sobrevoando os campos e jogando uma substância líquida que o comum das pessoas não tem a menor idéia das conseqüências disso pra elas e a gerações futuras. Enquanto isso aprendem a usar o glifosato no jardim da casa, na calçada, nas praças onde as crianças brincam, afinal é um “mata-pasto” tão bom que poupa o trabalho de capinar. Essas mesmas famílias que há 20 anos tinham sua vida e seu sustento assegurados com o trabalho no campo, mesmo que fosse de empregados em alguma fazenda, hoje inflam a área urbana de Young e sustentam suas famílias com empregos temporários e sub contratos para as empresas florestais. Plantando eucalipto, podando, preparando e aspergindo veneno sem proteção adequada, adoecendo e morrendo sem a devida assistência para eles e suas famílias. E é essa a nossa chamada “política de estado”, com a conivência de políticos eleitos pela população para defender seus interesses, e que vem há muitos anos proporcionando todo esse processo de invasão do monocultivo, com isenções fiscais de todo tipo, colocando o país em uma situação que, como já disse Galeano, “é a calamidade de ter que escolher entre morrer de fome ou morrer envenenado”.
E a saudável vida no campo dos meus sonhos de infância? Não sei se esse campo ainda existe, pelo menos nesses frios pagos latinoamericanos...

Porto Alegrense que vive
no Uruguai, na cidade de Young

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O AMOR também é fator de SUSTENTABILIDADE

É isso aí!!!

Hoje de manhã cedo andava pela rua e observava os lojistas, de baixo de toda aquela chuva, fazendo malabarismos para colocar faixas, cartazes, avisos de que naquele "estabelecimento" tinha os melhores e mais baratos presentes para presentear e dar provas do seu amor para o seu amor.

Fiquei pensativa e a cada instante me instigava mais quando observava pelos lugares onde andava que o assunto era o "dia dos namorados" que se aproxima. Nos elevadores, nas salas de espera, no ônibus, enfim, em todos os lugares.

Bom e ruim. Bom porque é muito alentador que as pessoas parem para falar do amor e de seus amores. Porque, afinal, este ainda é o grande e o maior alimento que nutre a vida. A BOA VIDA. Não há dúvidas de que grande parte da violência, seja nas ruas, nas casas, nos locais de trabalho, grande parte da prepotência, da desarmonia, da desatenção, dos abandonos, são resultantes da falta de amor em algum ou em vários momentos da existência de cada ser desses que protagoniza algum ato desses, identificado com o absoluto desamor. Portanto, acredito piamente que o AMOR gera AMOR. E falar do AMOR nos aproxima mais dele e isso faz bem.

Ruim, porque o foco do interesse e da conversa está no ato de presentear, associado ao convencimento e imposição feitos pela mídia. E aí repete-se o que vemos no Natal, no dia das mães, etc. Ou seja, o AMOR medido pelo preço do presente e o presente decidido de fora para dentro. Aí fica ruim. E o pior é ver as pessoas contando seu escasso dinheiro, assumindo prestações para dar provas de seu amor. Atos e gestos induzidos. Pessoas quase subjugadas frente a essa circunstância de "indução amorosa".

Cá prá nós que é adorável ganhar um presente. Mesmo no comercial dia do namorados. Não estou jogando no lixo, desvalorizando esse gesto. Apenas alertando para que não o tornemos refém do mercado. Que possameos exercer esse ato de forma livre, criativa e verdadeiramente AMOROSA.

Bem, enquanto buscamos as formas mais criativas, quem sabe ajudo na inspiração. Presenteo a todos(as) com uma seleção de músicas e imagens que fiz abaixo, para homenajear o AMOR. Nesse caso, o AMOR ROMÂNTICO.

Vocês vão encontrar as mais diferentes formas de dizer EU TE AMO. Aquela cheia de dor e de saudade, outras cheia de graça, algumas meio sem jeito, mas todas muito legais e sintonizadas com o tempo e o estado de espírito, da ALMA de quem expressou no momento que expressou. Aliás isso é importante. Nunca esquecer que o estado da ALMA é diferente em diferentes circunstâncias e vice-versa. Reconhecer isso, faz diferença.

Bem, mas VAMULÁ, como diz um amigo. Curtam mais de 50 músicas. Prefiro as 20 primeiras. Lembrem, basta ir no menu que as diferentes opções aparecem.

Um grande abraço e muito AMOR.

Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
SEMAPI Sindicato

quarta-feira, 4 de junho de 2008

No Dia Internacional do Meio Ambiente, O SEMAPI Sindicato dá seqüência a sua luta por um Desenvolvimento Sustentável.

A pauta do SEMAPI na semana ainda em curso continua muito intensa. Iniciamos na segunda-feira, comemorando os 53 anos da ASCAR/EMATER/RS. Pela manhã um Ato em defesa de uma Política Oficial de Extensão Rural. MAIS EMATER MAIS ALIMENTOS.

CELEBRAMOS os anos que essa instituição vem dedicando ao fortalecimento da AGRICULTURA FAMILIAR GAÚCHA e AFIRMAMOS a importância de uma extensão rural de qualidade. São mais de 500 mil agricultores familiares produzindo alimentos, espalhados em todas as regiões do Estado do Rio Grande do Sul. São QUILOMBOLAS, INDÍGENAS, PESCADORES ARTESANAIS, ASSENTADOS e PEQUENOS PRODUTORES FAMILIARES. E a ASCAR/EMATER foi e tem sido decisiva para a manutenção e fortalecimento dessa agricultura que ALIMENTA O MUNDO e garante a biodiversidade em nosso Estado.

No site www.semapirs.com.br você poderá ler matéria completa sobre o dia de mobilização e também ver as fotos que registram a participação de quase mil trabalhadores (as), agricultores(as) familiares e movimentos sociais das diferentes regiões do nosso Estado, protestando e exigindo do Governo Estadual um basta ao desmonte da EMATER/RS, bem como a contratação de mais extensionistas rurais. Este foi o foco do Seminário à tarde na Assembléia Legislativa, que debateu sobre MAIS ORÇAMENTO PARA A AGRICULTURA, MAIS ALIMENTOS e MAIS DESENVOLVIMENTO.

Amanhã, dia 05 de Junho, Dia Internacional do Meio Ambiente teremos duas atividades importantes. Às 9h30min, a Comissão de Serviços Públicos da Assembléia Legislativa, vai realizar uma Audiência Pública para tratar dos serviços públicos e adequação da estrutura administrativa do Estado, frente aos desafios decorrentes de novos investimentos no Estado, em especial da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Fundações vinculadas.

A audiência foi um requerimento do SEMAPI Sindicato, com o intuito de discutir a atual política de meio ambiente do Governo do Estado.

Ainda amanhã, quinta-feira, às 16h, o SEMAPI estará realizando uma atividade interna com diretores e trabalhadores, que dará início a implantação pelo Coletivo Desenvolvimento Sustentável de um dos eixos de seu planejamento estratégico, CONSUMO E SUSTENTABILIDADE. Este, tem duas estratégias centrais, a Re-significação do Ato Cotidiano de Consumir, focado para dentro do Semapi e para a base e a Sustentabilidade como Lógica Organizadora da Gestão SEMAPI, focado para dentro do Sindicato.

Amanhã, estaremos assinando contrato de Assessoria com a Engenheira Química Adriane Alves Silva, Especialista em Gestão Qualidade Ambiental e discutindo com todos os(as) trabalhadores(as) os primeiros passos desse trabalho. Adriane nos assessorará para a elaboração e gerenciamento do Plano de Gestão Ambiental Sustentável do SEMAPI.

A ação ocorrerá a partir de um Diagnóstico Situacional, que subsidiará a formulação do Plano, seguido de um Programa de Capacitação da diretoria e dos (as) trabalhadores (as) do Sindicato. A proposta prevê que todo o processo, desde o diagnóstico, se dê de forma muito participativa, pois, sabemos que práticas cotidianas, enraizadas, apenas são possíveis de serem substituídas por outras que exigem rupturas e tempo para consolidarem-se, se muito compreendidas no seu significado.

UM BOM DIA INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE PARA TODOS QUE ACESSAM ESSE BLOG!!!
Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
Semapi Sindicato

domingo, 1 de junho de 2008

SEMAPI Sindicato - curso “Percurso Formativo do I Módulo SEMAPI - CURSO DE FORMAÇÃO BÁSICA"

Nos dias 29, 30 e 31 de maio realizamos no SEMAPI Sindicato o curso “Percurso formativo do I Módulo SEMAPI - CURSO DE FORMAÇÃO BÁSICA.”

A atividade foi coordenada por Mara Feltes, Diretora colegiada do SEMAPI, coordenadora do Coletivo de Formação e integrante da Rede de Formadores da CUT.

Este foi o início de uma série de ações de formação que serão realizadas no âmbito do Sindicato, com vistas à “ampliação da consciência crítica dos trabalhadores e trabalhadoras dirigentes de base – delegados sindicais e representante de área -, na perspectiva da organização coletiva e autônoma para o enfrentamento dos desafios colocados na conjuntura atual”. Este Curso é pré-requisito para outras atividades formativas como os cursos de Comunicação e Expressão, Negociação Coletiva e Formação de Formadores.

Os conteúdos foram desenvolvidos a partir de três eixos: História da Classe Trabalhadora, Sociedade e Desenvolvimento Sustentável Solidário.

Esta foi a minha primeira experiência de Formação junto a representantes de base do SEMAPI e dela recolho, sobretudo, muito otimismo quanto a possibilidades de avanços coletivos via ação sindical. O grupo era de aproximadamente 30 pessoas as quais representavam as diferentes organizações que integram a base do SEMAPI. Estavam representadas a FASE, FGTAS, FPE, EMATER, FEPAM, Jardim Zoológico, EPTC e FADERS.

No eixo Desenvolvimento Sustentável, reflexionamos sobre o significado desse conceito, reforçando as suas múltiplas dimensões e buscando compreender o que exatamente temos a ver com essa questão e como podemos contribuir a partir de nossa prática cotidiana para que se estabeleça um outro modelo de desenvolvimento, orientado por valores e princípios pautados pela sustentabilidade. Dois dos textos utilizados como base para o trabalho em grupo, “Você é o que Você Consome”, de Cecília Bernardi e “Pegada Ecológica”, mostraram-se muito efetivos frente aos objetivos que estavam colocados.

Ainda com o objetivo de demonstrar na prática o alcance de experiências protagonizadas por “gente como a gente” e também as diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável, recebemos ontem no curso a companheira NELSA NESPOLO, integrante da COOPERATIVA UNIVENS e da JUSTA TRAMA – Cadeia Ecológica do Algodão Solidário. Ouvimos atentas (os) a experiência e avançamos na compreensão da ECONOMIA SOLIDÁRIA e da AGRICULTURA FAMILIAR ECOLÓGICA, como fatores de sustentabilidade.

Quanto às demais pautas, destaco a História da Classe Trabalhadora, em particular pela dinâmica adotada pela formadora Mara Feltes. A linha do tempo, construída coletivamente a partir de contextualização prévia, incluindo os próprios participantes no processo histórico de organização dos(as) trabalhadores(as), foi muito interessante e pedagógica. Aliás, a criatividade e potencialidade das dinâmicas utilizadas durante toda a formação merecem destaque.

Bem, é quase dispensável dizer que a avaliação feita ontem à tarde, no fechamento do curso, foi altamente POSITIVA. Em regra todos (as) verbalizaram sentirem-se absolutamente enriquecidos e muito mais fortalecidos para cumprirem o desafio de mobilizar, informar e de alargar consciências na perspectiva de uma sociedade mais justa, com a compreensão de que o nosso protagonismo nessa construção faz diferença.

Durante a semana colocarei fotos de alguns momentos do curso. Serão enviadas pela companheira Renata da FASE de Pelotas. Ainda na seqüência vou contar um pouco sobre o trabalho com PAPEL RECICLADO desenvolvido pelo trabalhador da FADERS, Paulo Casagrande, com pessoas portadoras de deficiência. Um belo trabalho, diga-se de passagem. Por ora, vou colocar algumas fotos desse trabalho e o vídeo que o Paulo compartilhou conosco durante o curso.

Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
Semapi Sindicato

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A Biodiversidade e a Agricultura Familiar



Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
SEMAPI Sindicato

No dia 15 de maio o SEMAPI Sindicato em uma ação conjunta com a Cooperativa GiraSol visitou a propriedade de Vilmar Menegat localizada na serra gaúcha, no município de Ipê.

Vilmar faz parte da terceira geração de uma família que se dedica à agricultura, sendo que há 17 anos orienta a sua prática pelos princípios da agroecologia e do associativismo.

A família de Vilmar integra a APEMA – Associação de Produtores Ecológicos da Linha Pereira Lima de IPÊ. Esta é uma das organizações da agricultura familiar do RS que garante uma produção diversa, ecológica, levando a Porto Alegre a sua produção, através da participação em Feiras e pela Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente GiraSol. Existindo desde a década de 1990, estimulada na sua criação pelo CENTRO ECOLÓGICO de IPÊ e pela EMATER/RS, Escritório Municipal de Ipê, vem reafirmando a importância da prática associativa, agroecológica e da preservação da bioodiversidade como fatores de autonomia e de sustentabilidade.

Conversando com o Técnico Agrícola da EMATER/RS, Nedi José Balancelli, fica evidenciada a importância do apoio dessa instituição para o fortalecimento de iniciativas como essa. Segundo ele, em 1986, com a fundação do Centro Ecológico e em 1988, com a celebração de convênio entre a Prefeitura de Ipê e a EMATER/RS, a agricultura familiar da região desenvolve-se pelo viés ecológico e associativo. “A Emater, que, do ponto de vista institucional não tinha como linha orientadora, nesse período, a agroecologia, localmente é fortemente influenciada pelo Centro Ecológico e adota esse sistema para o desenvolvimento rural da região”. De fato é visível essa influência positiva.Do ano de 1990 à 1997 constituem-se sete associações agroecológicas: a APEVS, a APESAA, a ABADE, a APESC, a APEJ a AESBA e a APEMA.

RESISTÊNCA. Este foi o caminho encontrado e utilizado até hoje por muitos agricultores familiares como forma de assegurar a VIDA. Sementes livres. Eliminação total do agrotóxico e a preservação de variedades crioulas foram e são umas das formas de fazer o enfrentamento às tecnologias associadas ao agronegócio. Dentre elas a TERMINATOR que modifica geneticamente as plantas fazendo-as produzir sementes estéreis. Resultado: monopólio das sementes pelo grande capital (ver abaixo texto específico).

Na propriedade visitada chama a atenção,em particular, a variedade de sementes crioulas preservadas. Apenas de feijão são mais de 20 variedades. Já de outras culturas, são mais de 60(ver fotos). Vilmar nos fala sobre a importância dessa diversidade para a soberania alimentar, pois, segundo ele, “o ciclo diferenciado de cada variedade garante colheitas por períodos bem mais longos, assim como reduz os riscos de comprometer toda uma safra em conseqüência de uma ou outra intempérie da natureza.”

Foi um dia muito especial. E mais uma vez fica reafirmado o sentimento de admiração pelo trabalho e esforço de pessoas que, em que pese as dificuldades diversas e diárias, resistem e não sucumbem ao assédio do grande capital, recusando-se a subordinarem-se a sua lógica e às regras do Deus Mercado. PARABÉNS!!!

Abaixo, divulgo um texto recolhido da página do Centro Ecológico que conta a história das SEMENTES TERMINATOR, de 1998 até 2008. Lembramos que no dia 19/05(segunda-feira) começou em Bonn, Alemanha, a COP-9 (9º Conferência de Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica). Foi na COP 5(2000) a aprovação da moratória para Terminator...

Boa leitura!!!

TODOS E TODAS SERÃO AFETADOS SE AS TECNOLOGIAS TERMINATOR FOREM APROVADAS



Acesse o Informativo Terminator maio/ 2008.
Este material traz informações sobre o que são as tecnologias de restrição de uso genético, as chamadas GURTs, e quais seus riscos e impactos. Essas tecnologias são popularmente conhecidas como as sementes Terminator. É um tema complexo, mas é necessário fazer um esforço para levar esta discussão ao maior número possível de pessoas. TODOS E TODAS, DE AGRICULTORES A CONSUMIDORES, SEREMOS AFETADOS DE UMA OU DE OUTRA FORMA CASO AS TECNOLOGIAS TERMINATOR SEJAM LIBERADAS NO BRASIL OU EM OUTROS PAÍSES..
Esperamos que este informativo sirva de estímulo para um amplo processo de formação e de mobilização em torno do tema Terminator.

Por que as tecnologias Terminator são um tema importante?
Nos últimos anos, uma forte mobilização social tem garantido a moratória internacional a estas tecnologias, no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB). No entanto, a cada ano vem aumentando a pressão da indústria para ampliar e fortalecer seu monopólio sobre as sementes e, conseqüentemente, sobre a produção agrícola dos países. As empresas têm apresentado novos argumentos e discursos que supostamente “justificam” essas tecnologias, pressionando governos e parlamentos para que se libere o uso comercial do Terminator. No Brasil, as Tecnologias Terminator estão proibidas pela Lei de Biossegurança, de 2005, mas as indústrias e o agronegócio estão se movimentando para alterar a lei, com o objetivo de liberação.
Em nível internacional, essas tecnologias são um dos assuntos da reunião dos países que compõem a CDB, a reunião da COP 9, na Alemanha.
Por isso, é preciso reativar nosso processo de mobilização e fortalecer a sociedade civil no sentido de entender como funcionam, a quem interessa e qual a situação mundial da discussão em torno das tecnologias Terminator.
Como as sementes Terminator são transgênicas, é importante relembrar o que são os transgênicos.

O que são Plantas Transgênicas?
São plantas geneticamente modificadas que receberam material genético
(DNA) de uma outra espécie de ser vivo (de uma planta, animal, bactéria, etc.). É no DNA que estão as informações que determinam todas as características dos seres vivos. Nas plantas, o DNA define, por exemplo, a altura, a cor, o formato, a época de largar flor, a época de frutificar, etc.

Vejamos alguns exemplos de plantas transgênicas:
O caso do Milho: No milho Bt foram introduzidos pedaços do DNA
(genes) de uma bactéria comum de solo. Com este DNA da bactéria, o milho consegue produzir na sua seiva uma toxina que mata lagartas que atacam o milho. Assim, a lagarta morre ao comer qualquer parte do Milho Bt. A transgenia torna toda a planta de milho num agrotóxico. Essa mesma tecnologia é utilizada para o algodão.
O caso da Soja RR: A Soja RR traz pedaços do DNA de uma bactéria
do solo que não sofre com o herbicida Round-Up. Assim, a planta de
soja RR resiste à aplicação do herbicida, ou seja, não morre.

Os mitos e a realidade das variedades transgênicas:
No final dos anos 90, quando se iniciou a difusão comercial das sementes transgênicas, muitos eram os argumentos da indústria e de vários governos para a liberação e uso dessas variedades. Afirmavam que elas acabariam com a fome no mundo, que se usariam menos agrotóxicos, que teríamos plantas com mais nutrientes, plantas para a cura de doenças, etc... É muito questionável a necessidade de plantas transgênicas com essas
finalidades, pois existem alternativas suficientes na natureza. Mas,
de qualquer forma, essas promessas nunca se tornaram realidade.
Na verdade, o que predomina, até hoje, são plantas que aliam seu uso ao consumo de insumos industriais, tal como o caso da soja RR e do Round-Up.

As possibilidades de combinações na manipulação das plantas, através da transferência de genes de uma espécie para outra, são inúmeras. Na grande maioria dos casos o objetivo é garantir o maior controle das transnacionais da biotecnologia sobre as sementes. Foi nesse sentido que, há cerca de 10 anos, as transnacionais começaram a investir no desenvolvimento das tecnologias de restrição do uso genético – as sementes Terminator. Visam proteger suas patentes e aprofundar o controle do
mercado de sementes, bem como o domínio sobre os agricultores e países onde atuam.

Então, o que são as sementes Terminator?
A tecnologia Terminator (que quer dizer “exterminador” em inglês) refere-se a modificações genéticas feitas nas plantas para produzirem sementes estéreis. No meio científico esta tecnologia é chamada de GURTs, que é a sigla em inglês para “Tecnologias de Restrição de Uso Genético”. Ou seja, a semente que seria guardada da colheita de uma variedade com tecnologia Terminator não poderia ser usada para plantio na safra seguinte, pois não iria germinar.
Essa tecnologia foi desenvolvida para assegurar e ampliar o domínio das transnacionais sobre as sementes. O objetivo era (e ainda é) que todas as
plantas transgênicas também fossem Terminator. Isso porque a esterilidade das sementes permite um monopólio muito mais forte do que o das patentes.
Devido à reação negativa que despertaram no mundo todo, as empresas foram mudando o discurso e, hoje, falam que desenvolvem essas tecnologias como fator de biossegurança, para evitar contaminação futura entre variedades transgênicas e não transgênicas. Já que as sementes não seriam capazes de se reproduzir não haveria contaminação ambiental devido ao pólen das sementes transgênicas.

Na realidade, sempre haverá o risco de disseminação de pólen com tecnologia Terminator. Cientistas independentes dizem que a tecnologia não tem como funcionar em 100% dos casos. Teríamos, então, dois problemas:
1) As sementes estéreis e, também,
2) Terminator contaminando as sementes convencionais, as variedades crioulas e a biodiversidade silvestre.

Qual é a história do Terminator, até hoje?
A tecnologia Terminator ficou conhecida publicamente em 1998, quando a empresa Delta & Pine Land e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos obtiveram, junto ao Escritório de Patentes dos Estados Unidos, o direito de patente sobre o “Controle da Expressão Genética Vegetal”. Desde então, organizações camponesas e da sociedade civil do mundo inteiro passaram a alertar para os perigos que a produção de sementes estéreis pode trazer para as comunidades locais e para a conservação da biodiversidade. Como resultado dessa ação, órgãos internacionais de renome manifestaram, publicamente, preocupações sobre os possíveis impactos dessa tecnologia.

Linha do tempo do desenvolvimento da Tecnologia Terminator

1998
- A empresa Delta & Pine e o Governo dos EUA obtêm patente sobre a tecnologia Terminator COP 4 (Quarta Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB) solicita estudos para avaliar o impacto da tecnologia Terminator.
- Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola reconhecem riscos associados à tecnologia Terminator.
- A Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) alerta para a necessidade de acompanhar de perto as novas tecnologias, visando prevenir possíveis impactos sobre a biodiversidade e a agricultura familiar.

1999
- A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) inicia estudos sobre os impactos da tecnologia Terminator
- A 4a Reunião do Órgão de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico
(SBSTTA) da CDB recomenda que se adote o princípio da precaução em relação à tecnologia Terminator.

2000
- A COP 5 aprova uma moratória para Terminator. Na prática, proíbe a realização de testes de campo e a produção e comercialização de sementes com este tipo de tecnologia. Solicita, também, ao Secretariado da Convenção (CDB), que realize uma consulta sobre os impactos da tecnologia Terminator sobre as comunidades indígenas e locais, incluindo consulta a representantes
destes setores.

2001
- A FAO apresenta a primeira versão do “Estudo Técnico sobre os Impactos da Tecnologia Terminator”.

2002
- A COP 6 decide pela criação de um Grupo de Trabalho para avaliar os impactos da tecnologia Terminator.
- A FAO discute, em fórum específico, o Estudo Técnico que realizou, destacando os impactos negativos da tecnologia Terminator sobre a
agricultura e a agrobiodiversidade.

2003
- O Grupo de Trabalho sobre Terminator, criado pela COP 6, apresenta relatório crítico na 9a Reunião da SBSTTA. O Brasil assume posição controversa, unindo-se à Austrália, Canadá, Nova Zelândia e EUA (que não é signatário da CDB) para obstruir a aprovação do relatório.
- O Governo Lula pronuncia-se claramente contra o relatório que apresenta inúmeras críticas à tecnologia Terminator.

2004
- A COP 7 solicita que seu órgão de assessoramento (SBSTTA) considere, durante sua 10a reunião, o relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho.

2005
- A 10a reunião da SBSTTA reconsidera o relatório preparado pelo
Grupo de Trabalho sobre Terminator, mas não chega a um consenso, encaminhando a discussão para o Grupo de Trabalho sobre o artigo 8j.
- A sociedade civil lança a Campanha Internacional Terminar Terminator, reunindo inúmeros movimentos sociais e ONGs de vários países e continentes.

2006
- Na reunião do Grupo de Trabalho sobre o artigo 8j (em Granada-Espanha), a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia (e os EUA) barram novamente a
aprovação do Relatório crítico ao Terminator e propõem que na COP 8 (em Curitiba-Paraná) considere-se a questão do Terminator na base do “caso a caso”. Ou seja, que se flexibilize a moratória estabelecida na COP 5.
- Na COP 8, foi enorme a pressão das transnacionais e de alguns países (Canadá, Nova Zelândia, Austrália, EUA) pela aprovação do “caso a caso”, assim como com a indefinição de outros países (Brasil, Argentina e outros). Mas a forte pressão realizada pela sociedade civil (movimentos sociais e ONGs) consegue influenciar a maioria das delegações e reverter a proposta do “caso a caso”, mantendo a moratória sobre a tecnologia Terminator.

2007
- A Campanha “Terminar Terminator” inicia um processo de mobilização em vários países da América Latina e da América do Norte, da Ásia, da África e da Europa, visando influenciar os governos para terem posição favorável à manutenção da moratória ao Terminator na COP 9.

2008
- O tema não entra na pauta da 13ª reunião da SBSTTA (fevereiro), o que sugere que pode não ser discutido na COP 9 (maio), mantendo-se a moratória. No entanto, o avanço da União Européia com o projeto “Transcontainer” e a proposta de flexibilização no uso de árvores transgênicas indicam que pode haver um processo de pressão sobre a “necessidade” do uso da tecnologia
Terminator.


É preciso que estejamos, todos e todas, atentos a este tema de
fundamental importância para a agricultura familiar e camponesa.
Precisamos pressionar nosso governo e informar nossas comunidades sobre o risco destas tecnologias!!!
O MOMENTO É DE MOBILIZAÇÃO!!!!

Em resumo, até o presente momento, a moratória ao uso de Terminator, estabelecida na COP 5, é o que está valendo. No entanto, a cada reunião da CDB aumenta a pressão pela liberação, o que nos obriga a estar em permanente processo de mobilização.

Texto oficial que estabelece a moratória à tecnologia Terminator
COP 5 - Decisão 5/V

“... devido à ausência, no presente, de dados confiáveis sobre as tecnologias genéticas de restrição de uso genético, sem os quais se carece de uma base adequada para avaliar seus possíveis riscos, as partes não devem aprovar produtos que incorporem estas tecnologias para experimentos de campo até que existam dados científicos adequados que possam justificar estes experimentos, e para o uso comercial, até tenham sido realizadas avaliações
científicas de forma transparente e se tenham comprovado as condições para seu uso seguro e beneficioso em relação com, entre outras coisas, seus efeitos ecológicos e socioeconômicos e qualquer efeito prejudicial para a diversidade biológica,a segurança alimentar e a saúde”.

Por que um discurso novo para as velhas intenções?
Nos últimos anos, as transnacionais vêm justificando o Terminator como uma “medida de biossegurança”. Ou seja, como uma ferramenta para evitar a contaminação de plantas convencionais ou agroecológicas por variedades transgênicas, permitindo a coexistência desses diferentes tipos de plantas.
A contaminação genética é o ponto fraco da indústria da biotecnologia e os casos de contaminação vão se multiplicando por todo o mundo – no Paraná, pelo menos 16 agricultores (alguns orgânicos) tiveram sua soja contaminada por soja RR. E, onde há governos que se propõem a fiscalizar e cobrar das indústrias o controle e até a reversão dos processos de contaminação,os custos são elevadíssimos. Além dos custos, são enormes as deficiências tecnológicas observadas quando se trata de tentar “solucionar” os problemas da contaminação. No ano de 2000, no México, o milho StarLink, da Aventis (hoje pertencente à Bayer), entrou na cadeia alimentar, por contaminação genética. Como ele era proibido para o consumo humano, calcula-se que os gastos até 2008 para tentar reverter a contaminação, na realização de testes e nas perdas de produção, já passaram dos 600 milhões de dólares.

Leia depoimentos de agricultores e muitas outras informações no Informativo Terminator disponível em Boletins Informativos. Clique em Leia na Íntegra - salvar. Acesse, imprime, divulgue. Este assunto é de extrema importância para todos.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A uma semana do Dia Internacional da Biodiversidade

Com a aproximação do Dia Internacional da Biodiversidade (22 de maio) retomamos abaixo e ao lado, alguns conceitos e atitudes do cotidiano que nos ajudam a compreender como, e com que qualidade incidimos sobre o planeta enquanto vivemos. Na próxima semana, traremos mais especificamente o tema BIODIVERSIDADE.

Boa leitura!!!

Como seus hábitos de consumo estão mudando o clima?

Qual é o problema?
O carro que você usa, os móveis de madeira que você compra, a madeira que você usa na construção ou na reforma da sua casa, a carne que você come, os aparelhos eletroeletrônicos que você tem em casa – seus hábitos de consumo estão diretamente relacionados às mudanças climáticas.
Estamos consumindo intensamente petróleo, carvão e gás natural para gerar energia, tanto para a produção industrial quanto para consumo residencial e para os veículos.
Estamos queimando e destruindo nossas florestas que absorvem e estocam carbono, para obter madeira e para ocupação da terra pela agricultura e pecuária.
O consumo de cada um deixa uma marca, uma pegada ecológica, de degradação ambiental. Com o atual padrão de consumo e produção, estamos liberando imensas quantidades de dióxido de carbono, metano e outros gases na atmosfera, intensificando o efeito estufa e retendo mais calor na atmosfera.
O aumento da temperatura média do planeta provoca as mudanças climáticas que, por sua vez, trarão impactos irreversíveis para nossa vida no planeta.


O que é pegada ecológica?
A pegada ecológica é uma forma de avaliar quanto cada pessoa consome de recursos naturais e energia, medidos em hectares de terra. No nosso cotidiano, seja na alimentação, transporte, vestuário, habitação ou lazer usamos energia e produtos obtidos de recursos naturais, renováveis ou não, oriundos dos nossos ecossistemas. A integridade destes depende também de diminuirmos o desperdício desses recursos. A renovação de alguns desses recursos e serviços ambientais é lenta quando comparada com a velocidade do consumo da nossa sociedade.

O que é pegada de carbono?
Uma outra forma de avaliar o impacto que nosso consumo tem sobre o ambiente é por meio da estimativa de emissões de gases de efeito estufa associada às nossas atividades cotidianas e que alguns denominam como pegada de carbono.
O que são mudanças climáticas?
São alterações no sistema climático geradas pelo aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa em atividades de responsabilidade dos seres humanos.
O aumento da temperatura média do planeta acarreta mudanças na intensidade e freqüência de chuvas, na evaporação, na temperatura dos oceanos, entre outros fenômenos. Os efeitos não são iguais em todas as regiões, mas a agricultura, o abastecimento de água, o equilíbrio dos ecossistemas e a vida de muitas espécies – inclusive a nossa – estão ameaçados pelas mudanças climáticas.
Desde o início da revolução industrial, já houve um aumento de 0,7 graus Celsius e estima-se que a temperatura média do planeta poderá elevar-se até mais de 2 graus (em alguns locais a temperatura poderá ser de mais de 5 ou 6 graus). Este aumento médio na temperatura pode ser ainda maior se os governos das nações que mais poluem não chegarem a um acordo que reduza em 60% as emissões decorrentes da atividade humana.

Qual é a diferença entre mudanças climáticas e efeito estufa?
O efeito estufa é um fenômeno natural que retém na atmosfera do Planeta parte do calor que recebemos do Sol. A luz solar penetra a atmosfera, aquece solos e águas e o calor gerado é re-emitido pela superfície terrestre na forma de radiação infravermelha, mas os gases de efeito estufa bloqueiam o escape dessa radiação para o espaço, mantendo assim um nível de aquecimento necessário para a manutenção da vida.
O problema é o aumento exagerado e rápido desses gases de efeito estufa nos últimos 150 anos, em atividades como uso de combustíveis fósseis em processos industriais, geração de energia e transporte, desmatamento, expansão urbana e agricultura. Os principais gases de efeito estufa são: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), clorofluorcarbonetos (CFCs) e outros halocarbonetos, ozônio e óxido nitroso. Segundo estudos científicos, quase 80% dos gases de efeito estufa acumulados na atmosfera foram emitidos pela queima de combustíveis, incluindo carvão, principalmente nos países industrializados. As emissões de gases associadas ao desmatamento e mudanças no uso de solos para agricultura e pecuária em países em desenvolvimento são mais recentes, mas representam já volumes significativos de emissões.

O que são fontes e o que é sumidouro de gases do efeito estufa?
Fontes são todos os processos e dinâmicas, naturais ou de atividades humanas, que emitem gases de efeito estufa para a atmosfera. Por exemplo, na decomposição anaeróbica (sem presença de oxigênio) de dejetos animais e resíduos orgânicos sólidos ou líquidos é produzido metano (CH4), um gás que tem potencial de aquecimeto da atmosfera 21 vezes maior que o gás carbônico (CO2); este último é um gás que resulta da queima de madeira e biomassa, de combustíveis fósseis e de outros materiais. Os gases CFCs e outros halocarbonos são usados em aerossóis e aparelhos de refrigeração; o ozônio e o óxido nitroso são emitidos em indústrias químicas e na decomposição de fertilizantes. Os gases de efeito estufa emitidos ficam várias décadas na atmosfera, e por isso, alguns efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas já são irreversíveis.
Sumidouro é qualquer processo, atividade ou mecanismo que remova gases de efeito estufa da atmosfera.

Onde acontecem as maiores emissões?
A maior fonte histórica de emissões globais de gases de efeito estufa é o uso de combustíveis fósseis nos países industrializados. A transformação do uso de territórios, com o desmatamento, expansão da agricultura e da pecuária, está se tornando uma fonte muito importante de emissões de gases de efeito estufa. Estima-se que o desmatamento já seja responsável por entre 10% e 35% das emissões globais anuais. As principais fontes globais de emissões desse tipo são o desmatamento e as queimadas das florestas tropicais.

Quais são as maiores fontes no Brasil?
O Brasil é um grande emissor de gases de efeito estufa, sobretudo em função das emissões associadas ao desmatamento e às queimadas (por volta de 70% das emissões nacionais), e ao uso de combustíveis fósseis (cerca de 25%). Estudos colocam o Brasil como o 4º maior emissor do planeta com base nas emissões recentes.

Quais são os impactos das mudanças climáticas?
Os efeitos do aquecimento global e de mudanças climáticas, alguns deles já irreversíveis, não são igualmente distribuídos nas diversas regiões e países, e, portanto, sobre populações e grupos sociais distintos. Pessoas que habitam regiões costeiras ou nas quais haverá grande mudança no regime de chuvas, por exemplo, serão mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, e eventualmente terão que migrar, adaptar suas residências ou atividades econômicas. Os mais pobres deverão ter maior dificuldade de se adaptar a um mundo mais quente. Por outro lado, o aquecimento global resulta de emissões de gases de efeito estufa que geraram benefícios concentrados nos países industrializados ou para segmentos mais ricos nos países em desenvolvimento.

O que acontecerá no Brasil?
Alguns dos impactos mais significativos considerados pelos cientistas são:
• Savanização da Amazônia, ou seja, a conversão em cerrado de uma grande parte da floresta amazônica, como resultado do aumento da temperatura e menor pluviosidade, combinados com a ação humana que causa desmatamento e degradação, tornando a floresta cada vez mais vulnerável às queimadas e sujeita a longos períodos de estiagem.
• Conversão de partes da caatinga do Nordeste brasileiro em semi-deserto.
• Redução da vazão em rios brasileiros na Amazônia, Pantanal e na bacia do São Francisco; alteração no regime de chuvas e vazões de rios no Sul e Sudeste, afetando a geração de hidroeletricidade, a navegação, o abastecimento de água e a biodiversidade aquática.
• Aumento drástico das temperaturas na região amazônica central como conseqüência da redução da absorção de calor pela transpiração e evaporação das florestas.
• Perda da retenção de umidade do solo em vastas áreas das principais regiões de agricultura do Brasil devido à menor pluviosidade e às altas temperaturas, reduzindo o produto das colheitas e restringindo as áreas apropriadas para cultivo.
• Aumento do alcance e incidência de doenças como a malária e a dengue.
• Problemas de todo tipo nas cidades costeiras, onde mora parte importante da população do país, provocados pelo aumento do nível do mar.

O que significa adaptação à mudança de clima?
No âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC), o termo adaptação refere-se às medidas necessárias para adaptar atividades humanas (agricultura, abastecimento de água, geração de energia, transporte, habitação, etc) aos impactos irreversíveis de mudanças de clima. Por exemplo, se em determinada região houver diminuição significativa de chuvas, eventualmente o sistema de captação e abastecimento publico de água terá que ser adaptado aos mananciais e fluxos que continuarem disponíveis.

O que significa mitigação das mudanças de clima?
É qualquer medida, política ou ação que possa prevenir ou diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Evitar o desmatamento, ampliar o uso de energia renovável e expandir o transporte público são alguns exemplos de medidas de mitigação.

Fonte: Vitae Civilis “Aquecimento Global e o Brasil: Vamos ser vítimas, cúmplices ou vamos realmente fazer algo?”.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Comunidades Quilombolas fazem festa de Colheita do Arroz no RS

Nos dias 26 e 27 de abril, mais uma vez, vivi uma experiência ímpar.

Juntamente com um grupo de estudantes de Porto Alegre e de trabalhadores (as) urbanos da economia solidária, participei da colheita do ARROZ QUILOMBOLA nas comunidades quilombolas de Teixeiras (Mostardas-RS) e Olhos D'Água (Tavares-RS), localizadas no Litoral Sul gaúcho.

Em mutirão, orientados pelos agricultores (as) quilombolas, colhemos a foice o Oryza glaberrrima, que é o primeiro arroz cultivado no Brasil. Originário da África, chegou aqui no século 16 pelas mãos dos negros.

Por volta de 1739, com a exploração do arroz asiático, foi proibido seu cultivo, devido a razões comerciais. Caso fosse descoberta a plantação desse arroz, tanto negros quanto brancos eram penalizados. Mas, assim mesmo, prevaleceu em inúmeras comunidades quilombolas do norte e nordeste brasileiro como cultivo de subsistência. As sementes do Oryza glaberrima chegaram ao Rio Grande do Sul em 2005, e desde então vêm sendo multiplicadas. Hoje o arroz africano está sendo cultivado em oito comunidades quilombolas gaúchas.

A festa de colheita é uma atividade que integra o Programa Arroz Quilombola – projeto desenvolvido pela GUAYÍ, organização da sociedade civil de interesse público, com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mostardas e Associação Software Livre (ASL) –, que objetiva resgatar a contribuição africana na agricultura brasileira e também constituir alternativa de geração de renda para as comunidades de remanescentes de quilombos.

À noite fomos presenteados com os tambores africanos do “Kikumbi” e também com uma banda de RAP formada por jovens da comunidade dos Teixeiras. Esses jovens integram o PROJETO DE RESGATE CULTURAL QUILOMBO TEIXEIRA – PRCQT, estimulado em sua criação pelo professor de Geografia Álvaro Santos. Segundo ele, tanto na comunidade de Casca como na dos Teixeiras e no Beco dos Coloidianos, “a gurizada tinha uma grande dificuldade de falar de onde eram. Tinham baixa auto-estima associada a sua origem negra”. Em maio de 2007, segundo o professor, com a criação do Projeto de Resgate Cultural a história começou a mudar.

Segundo HESTEVAN GONÇALVES, uma liderança do Projeto, “o PRCQT nos incentiva a pensar sobre o nosso passado e aprendemos que não foi só sofrimento. Teve alegria, cultura, religião, mas o que todos sabem é apenas que fomos escravos”. Hestevan conta ainda que em setembro de 2007 criaram, a partir do projeto, o Grupo de RAP SIGILO. E na comemoração do 20 de novembro na comunidade de Limoeiro surgiu a idéia de fazer um RAP do Arroz Quilombola.

Bem, abaixo vou postar uma foto do Grupo SIGILO, tirada na festa do dia 26. Nos próximos dias vou mostrar algumas imagens da COLHEITA DO ARROZ e também a letra do RAP “o Arroz Quilombola”. Cabe destacar que o RAP contagiou a todos nós. Para encerrar a apresentação a gurizada fez uma mistura de rítmos e todos nós caímos na folia. Foi muuuuuuuito legal!!!

A letra da música foi feita por HESTEVAN GONÇALVES, EDIVANDO SILVA e GEVERTON RODRIGUES. Integram ainda o grupo, RAFAEL COSTA, JÚLIO LIMA e, na segunda voz, as meninas DÉBORA LEMOS, JUCELENE LIMA, JUCIELE LIMA, JENIFER SILVA E TATI SILVA.

Parabéns juventude da comunidade quilombola dos Teixeiras. Seus ancestrais certamente estão orgulhosos de vocês. UM GRANDE ABRAÇO e até a próxima!!!

Iara Borges Aragonez
Coletivo Desenvolvimento Sustentável
SEMAPI Sindicato

Grupo SIGILO, banda da Comunidade Quilombola Teixeiras de Mostardas/RS

segunda-feira, 21 de abril de 2008

‘OS ÍNDIOS INCOMODAM PORQUE SUAS TERRAS, HOMOLOGADAS E RESERVADAS, SAEM DO MERCADO FUNDIÁRIO’.

ENTREVISTA COM EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

“As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente. Já os arrozeiros querem a propriedade.” A afirmação é de EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro em entrevista ao caderno Aliás do jornal O Estado de S.Paulo, em 20-04-2008.

Ex-professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, da Universidade de Chicago e da Universidade de Cambridge, Viveiros de Castro é autor da teoria conhecida no mundo todo como “perspectivismo amazônico”, uma proposta de antropologia a partir do mundo indígena.
Eis a entrevista.

EXISTE RISCO PARA A SOBERANIA NACIONAL NA RESERVA RAPOSA SERRA DO SOL, COMO CRÊ O GENERAL?

Existe, sim, uma questão de soberania do governo ao ser contestado publicamente por um membro das Forças Armadas. O general polemiza com uma decisão que, como todo mundo diz, não se discute, apenas se executa. A argumentação de que a reserva indígena represente um problema de soberania está mal colocada.

POR QUÊ?

Há outras reservas em terras contínuas, em fronteiras. É o caso da Cabeça de Cachorro, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas. E o Exército está lá, como deveria estar. A área indígena não teria como impedir a presença dos militares. O que a área indígena não permite é a exploração das terras por produtores não-índios. Dizer que o Exército não pode atuar é um sofisma alimentado por políticos e fazendeiros que agem de comum acordo, numa coalizão de interesses típica da região. Roraima é um Estado que não se mantém sozinho, ou melhor, que depende do repasse de recursos federais. Um lugar onde 90% dos políticos nem sequer são nativos. Onde o maior arrozeiro, que está à frente do movimento contra a reserva, arvora-se em defensor da região, mas veio de fora. É um gaúcho que desembarcou por lá em 1978, e não há nada de mal nisso, mas combate os índios que justamente servem de “muralha dos sertões”, desde os tempos da colônia. Os índios foram decisivos para que o Brasil ganhasse essa área, numa disputa que houve no passado com a Guiana, portanto, com a Inglaterra. Dizer que viraram ameaça significa, no mínimo, cometer uma injustiça histórica. Até o mito do Macunaíma, que foi recolhido por um alemão, Koch-Grünberg, e transformado por um paulista, Mário de Andrade, foi contado por índios daquela área, os macuxis, os wapixanas. Eles são co-autores da ideologia nacional.

AS MANIFESTAÇÕES DO GENERAL REMETEM AO DISCURSO DOS MILITARES NOS ANOS 70, QUE DAVA ÊNFASE À IDÉIA DE TIRAR OS ÍNDIOS DA TUTELA DO ESTADO?

Não sei. O general diz: “Sou totalmente a favor dos índios”. Imagine então o contrário, um índio indo para a televisão dizer que é totalmente a favor dos generais. Esquisito, não? Vamos pensar: o general não quer matar os índios. Quer que virem brancos? E quem é branco no Brasil? Na Amazônia todo mundo é índio. Inclusive boa parte das Forças Armadas na região é composta por gente que fala o português, mas se identifica como índio.

ESSE CONFLITO NA RAPOSA TEM POR VOLTA DE 30 ANOS. EM 2005, QUANDO O PRESIDENTE LULA HOMOLOGOU AS TERRAS, SELOU-SE O COMPROMISSO DE RETIRAR, NO PRAZO DE UM ANO, OS PRODUTORES RURAIS QUE ESTAVAM DENTRO DA ÁREA RESERVADA. PARECIA QUE TODO MUNDO FICARA DE ACORDO. POR QUE A SITUAÇÃO SE DETERIOROU?

Há o jogo político. Disseminam-se inverdades, como a de que a área da reserva ocupa 46% de Roraima, quando apenas ocupa 7%. As terras indígenas de Roraima, somadas, dão algo como 43% do Estado. Mas a Raposa tem 7%.

OU, 1,7 MILHÃO DE HECTARES.

O que não é um absurdo. As terras de índios são 43% ao todo, porém, até 30, 40 anos atrás, eram 100%. E o que acontece hoje com os 57% que não são terras de índios? São ocupados por uma população muito pequena, algo em torno de 1 milhão de pessoas. O que é isso? É latifúndio. Sabe quantos são os arrozeiros que exploram terras da reserva? Seis. Não há dúvida de que o que se quer são poucos brancos, com muita terra. Outra inverdade: as terras da reserva são dos índios. Não são. Eles não têm a propriedade, mas o usufruto. Porque as terras são da União. E a União tem o dever constitucional de zelar por elas. Já os arrozeiros querem a propriedade. As notícias que temos são as de que, desde a homologação, produtores rurais que estão fora da lei já atacaram quatro comunidades indígenas, incendiaram 34 casas, arrebentaram postos de saúde, espancaram e balearam índios. Paulo César Quartiero, o arrozeiro-mor, foi preso na semana passada por desacato à autoridade. Já está solto, mas, enfim, esse é o clima de hostilidade que reina por lá. Sinceramente, acho que o general Heleno está sendo usado por esses tubarões do agronegócio, que o envolvem numa questão de soberania totalmente artificial. O general cai nessa e vem com uma tese de balcanização, que não faz o menor sentido. Ele disse à imprensa: “O risco de áreas virem a se separar do território brasileiro, a pedido de índios e organizações estrangeiras, pode ser a mesma situação que ocorreu em Kosovo”. Muito bem, o general raciocina como se nós fôssemos os sérvios? Por acaso seria o Brasil a Sérvia e os índios, minorias que precisam ser eliminadas? Não estou entendendo.

O QUE SE QUESTIONA NA RAPOSA É A CRIAÇÃO DE UMA RESERVA ENORME, EM ÁREA CONTÍNUA.

A declaração do ministro Gilmar Mendes a esse respeito é espantosa. Ele defende a demarcação de ilhas, e não de terras extensas. Em primeiro lugar, não sabia que ministro do Supremo é demarcador de terras. Demarcar é ato administrativo, cabe ao governo, não ao Judiciário. Em segundo lugar, as terras indígenas já são um arquipélago no Brasil. Acho curiosa essa expressão: demarcar em ilhas. Significa ilhar, isolar, separar. Demarcar de modo que um mesmo povo fique separado de si mesmo.

EXISTE O RISCO DE REIVINDICAÇÃO DE AUTONOMIA POR PARTE DOS ÍNDIOS?

A terra ianomâmi está demarcada desde o governo Collor e nunca houve isso. Alguém imagina que os ianomâmis queiram reivindicar um Estado independente, justamente um povo que vive numa sociedade sem Estado? Chega a ser engraçado.

E SE ELES FORAM MANIPULADOS POR INTERESSES ESTRANGEIROS?

Empresas e cidadãos estrangeiros já são proprietários de partes consideráveis do Brasil. Detêm extensões enormes de terra e parece não haver inquietação em relação a isso. Agora, quando os índios estão em terras da União, que lhes são dadas em usufruto, daí fala-se do risco de interesses estrangeiros. A Amazônia já está internacionalizada há muito tempo, não pelos índios, mas por grandes produtores de soja ligados a grupos estrangeiros ou pelas madeireiras da Malásia. O que não falta por lá é capital estrangeiro. Por que então os índios incomodam? Porque suas terras, homologadas e reservadas, saem do mercado fundiário.

É UMA QUESTÃO FUNDIÁRIA?

É. Essa história de soberania nacional serve para produzir pânico em gente que vive longe de lá. É claro que o Exército tem de cumprir sua missão constitucional, que não é a de ficar criticando o Executivo, é proteger fronteiras, fincar postos de vigilância, levar seus batalhões, criar protocolos de convivência com as populações locais. Mas o que prevalece é o conflito fundiário e a cobiça pelas terras. Veja o que aconteceu no Estado do Mato Grosso. O que fez esse governador (Blairo Maggi), considerado um dos maiores desmatadores do mundo? Derrubou florestas para plantar soja, com o consentimento do presidente da República, diga-se de passagem. Hoje o Estado do Mato Grosso deveria se chamar Mato Fino. Virou um mar amarelo. O único ponto verde que se vê ao sobrevoá-lo é o Parque Nacional do Xingu, reserva indígena. O resto é deserto vegetal. Uma vez por ano, o deserto verdeja, hora de colher soja. Depois, dá-lhe desfolhante, agrotóxico... E a soja devasta a natureza duplamente. Cada quilo produzido consome 15 litros de água. Em Roraima não se deve bater de frente com o Planalto. Representa esse Estado o senador Romero Jucá, que é pernambucano e hoje atua como líder do governo. Jucá tem interesses claros e bem definidos. É dele o projeto que regulamenta a mineração em terras indígenas. Regulamenta, não. Libera.

ELE FOI PRESIDENTE DA FUNAI.

Num momento particularmente infeliz da política indigenista brasileira. Olha, não há nada de errado em ser gaúcho ou pernambucano e fazer a vida em Roraima. Mas não precisa isolar as comunidades e solapar seus direitos. Outro aspecto precisa ser lembrado: até que saísse a homologação da Raposa, o que demorou anos e anos, muito foi tirado de lá. A sede do município de Uiramutã, com 90% de índios entre seus moradores, foi transferida para fora da área. Estradas federais cortam a reserva, bem como linhas de transmissão elétrica. A rigor, já não é uma terra tão contínua.


O GENERAL DIZ QUE A POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL É LAMENTÁVEL E CAÓTICA. CONCORDA COM ELE?


Partindo dele, a declaração não chega a ser um furo de reportagem. Creio que essa política anda melhor hoje. Em alguns aspectos tem problemas, sim, como nos programas de saúde para populações indígenas, desastrosos desde que passaram para a coordenação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Tem havido desmandos e irregularidades em toda parte. Mas do ponto de vista de relacionamento dos indígenas com os poderes da República, as coisas não estão tão mal assim.

OS ÍNDIOS SÃO INSTRUMENTALIZADOS NO BRASIL?

Que poderes os instrumentalizariam ? A Igreja? Hoje não podemos falar só em Igreja, no singular, mas em igrejas. Porque lá estão os católicos e os evangélicos. Sei que a Igreja Católica não tem tido uma relação muito boa com o Exército e com os políticos na região da Raposa, mas isso é superável. Falta, a meu ver, um esforço da própria Igreja para melhorar a visão do problema e ganhar mais senso político. E as ONGs? Instrumentalizam? Hoje quase todo deputado no Congresso tem ONG própria. Então as relações não-governamentais ganharam uma capa sombria, mas o fato é que existe organização de todo tipo, assim como existe cidadão de todo tipo. Há bandidagem na Amazônia? Claro que há. Índio é santo? Claro que não. Mas será que aqueles carros de luxo contrabandeados pelo filho do governador de Rondônia entram pelas áreas indígenas? Tenho minhas dúvidas. Por que o Exército não impede esse contrabando, que também é uma afronta à soberania? Historicamente, seguimos o modelo de colonização segundo o qual é preciso bandido para povoar e defender certas faixas. Fronteira é feita por toda a sorte de gente. E o Estado parece ter um discurso ambíguo: protesta porque tem gente fora da lei na fronteira, mas, ao mesmo tempo, precisa dos fora-da-lei para fazer o que não é possível legalmente.

O ÍNDIO É IMUNE À BANDIDAGEM?

O índio tem a mesma galeria de problemas de qualquer ser humano. E tem, de fato, uma situação especial no Brasil. Porque este país reconhece direitos originários e isso, por si só, é um gesto histórico de proporções imensas. O País reconhece que tem uma dívida para com os índios. Apesar disso, reina uma abissal ignorância sobre a realidade desses povos de quem somos devedores.

POR QUÊ?


O brasileiro vive um complexo que eu chamaria de a nostalgia de não ser europeu puro. Isso também se traduz no medo de ser confundido com índio. É um complexo de inferioridade. Ser “um pouco índio” até cai bem na medida em que existe uma certa simpatia com a idéia de mistura de raças, o que também não deixa de ser ambíguo. Por outro lado, o estereótipo clássico do índio, aquele sujeito de cocar e tanga, cada vez menos espelha a realidade. O caboclo da Amazônia pode ter hábitos tipicamente indígenas, mas é também o sujeito que vê televisão, fala ao telefone, como nós.

TEM-SE UMA PERCEPÇÃO DISSEMINADA DE QUE O BRASIL FOI HABITADO POR ÍNDIOS PRIMITIVOS, DIFERENTES DOS INCAS, MAIAS OU ASTECAS, CUJAS CIVILIZAÇÕES ERAM ATÉ RESPLANDESCENTES.

Talvez. O México realmente produziu uma forte identificação com povos que foram esmagados pelo colonizador. Aqueles índios fizeram uma civilização mais parecida com a que havia na Europa, com seus palácios, templos, sacerdotes, um aparato que realmente não aconteceu por aqui. Agora, há muito desconhecimento dos índios brasileiros, e isso em parte é culpa nossa, antropólogos, que precisamos demonstrar melhor as soluções originais de vida que esses povos encontraram. Soluções para atingir uma forma de organização social bem-sucedida, no que diz respeito à satisfação de suas necessidades básicas. Não os vejo como índios pobres, mas originais. Considerando a história da espécie humana neste planeta, penso que não estamos em condição de dar lição a ninguém. Nós, os não-índios, tivemos uma capacidade imensa de criar excedentes e uma dificuldade quase congênita de fazer com que sejam usufruídos por todos, de maneira eqüitativa. Articulamos a desigualdade e deixamos para alguém a conta a pagar. Os índios desenvolveram um processo civilizatório mais lento, certamente, mas não deixam a conta para trás. Significa ser primitivo? Eu me pergunto: o que diabos temos a ensinar aos índios se não conseguimos resolver a dengue no Rio? O que temos a lhes mostrar se não damos jeito no trânsito da cidade de São Paulo?

QUANDO O EUROPEU CHEGOU NAS AMÉRICAS, A POPULAÇÃO INDÍGENA ESTARIA NA CASA DOS 100 MILHÕES DE PESSOAS. ESSE DADO É RAZOÁVEL?

Ah, esses cálculos variam muito, depende da metodologia empregada. O que se pode afirmar é que, por volta do século 15, a população indígena nas Américas era maior do que a população européia. Havia mais gente aqui do que lá. No Brasil, fala-se numa população pré-colombiana entre 4 e 5 milhões. Houve uma perda de 80% disso, desde então. Em certos momentos, houve um declínio demográfico muito profundo, tanto que, na época do Darcy Ribeiro, quando se fez uma contagem, havia algo como 200 mil índios no País. Hoje estima-se em algo em torno de 600 mil.

O CRESCIMENTO TEM A VER COM A APLICAÇÃO DO QUESITO RAÇA-COR, NO CENSO IBGE, O QUE LEVARIA MAIS GENTE A SE DECLARAR ÍNDIO?

A autodeclaração é um fator importante, mas não o único. Hoje ocorre um número maior de nascimentos. O grande choque demográfico sobre a população indígena foi de ordem epidemiológica, com as doenças trazidas pelo colonizador. Varíola, gripe, sarampo mataram aos milhões. Até pouco tempo, ainda havia epidemias graves em certas áreas. Mas a tendência é que as populações adquiram resistência, atingindo o equilíbrio biológico. As condições sanitárias também mudaram dramaticamente no século 20. Vieram as vacinas, a penicilina, a assistência de saúde melhorou, tudo isso ajudou a recuperar a população. Já o declarar-se índio tem a ver com um fenômeno que se inicia nos anos 70, 80, que foi acentuado pela Constituição de 1988. Falo da recuperação da identidade indígena. Gente que foi “desindianizada” na marra passou a reivindicar sua origem. Em muita comunidade rural por esse Brasil as pessoas foram ensinadas, quando não obrigadas, a dizer que não eram índias. Pararam de falar a língua do grupo, tinham vergonha de seu passado, de seus costumes. Num processo em que ser índio deixa de ser estigma, e ainda confere direitos, essas pessoas que nada tinham na condição de brasileiros genéricos, buscaram o caminho da reetnização. Isso é assim mesmo. E desde quando buscar direito é tirar vantagem? A raiz do problema não está no que o índio ganha, mas em quem perde com isso. Quem perde? Eis a questão.

A DESCONFIANÇA EM RELAÇÃO A POSSÍVEIS PLEITOS DE AUTONOMIA TEM A VER COM O QUE SE PASSA NA BOLÍVIA, PAÍS QUE MUDOU A CONSTITUIÇÃO PARA ATENDER AOS ÍNDIOS?
É interessante como se tem invocado a Bolívia ultimamente. A população daquele país é quase toda indígena, enquanto no Brasil falamos de uma minoria irrisória. Zero vírgula zero alguma coisa. Lá é briga de índio. Curioso o Brasil temer virar uma Bolívia, quando uma das tensões sociais que se vê hoje por lá é justamente a presença de brasileiros. São grandes proprietários de terras.

AS REIVINDICAÇÕES DOS ÍNDIOS NA BOLÍVIA PODEM SER IMITADAS AQUI?

Mas o que os nossos índios estão pedindo? Passaporte de outro país? Dupla nacionalidade? Uma bandeira só para eles? Uma outra Constituição? Nada disso. O que eles pedem é justamente maior presença do Estado brasileiro onde vivem para não depender da intermediação do político local. Isso os constitui como uma nação à parte, no sentido jurídico? Evito esse conceito, porque tudo é nação no Brasil.

COMO ASSIM?

Tem nação nagô, nação rubro-negra, nação corintiana. Essa também é uma herança de Portugal, que, no passado, tratava os povos como nações em documentos administrativos. A rigor, nação é uma construção subjetiva, um compartilhamento de sentimentos e cultura. É isso. Mas a turma do discurso do pânico pensa assim: primeiro o índio tinha vergonha de ser índio, depois viu que é bom ser comunidade. Daí ganhou terra, vai querer autonomia e fundar uma nação. Ora, quem diz isso nunca colocou o pé numa terra indígena.

OS AFRODESCENDENTES DEVERIAM PLEITEAR OS MESMOS DIREITOS QUE OS ÍNDIOS?

São situações diferentes. De cara, vou dizer que sou favorável às cotas para negros. Mas os afrodescendentes estão espalhados pelo Brasil e não têm a mesma dinâmica de identidade que os indígenas têm. Um caso à parte são os quilombolas, ao provarem seu vínculo territorial. Veja bem, quando falo de índio, ao longo de toda esta entrevista, falo de populações territorializadas. E, atenção, falo de direitos coletivos, não individuais. Por isso é que o caso dos quilombolas parece guardar certa correspondência. Porque são comunidades rurais descendentes de escravos, que puderam manter uma continuidade histórica e uma certa coesão do ponto de vista patrimonial e demográfico. Por isso é que a Constituição reconhece seus direitos territoriais. São direitos compensatórios, é verdade, mas representam um avanço.

PROFESSOR, QUEM É, AFINAL, ÍNDIO NO BRASIL?

Vamos mudar a pergunta: quem está autorizado a dizer que é índio? Eu não estou. Esse é um problema fundamental: quem está autorizado a dizer quem é quem, quem é o quê. Fazer disso uma questão de peritagem me parece uma coisa monstruosa. Ninguém se inventa índio, ninguém sai por aí reivindicando uma identidade escondida, recalcada, eu diria. Vá ver de perto e descobrirá que é assim que a coisa acontece. Portanto, não é índio quem quer. Mas quem pode. Não é negro quem quer. Mas quem pode.

COMO ASSIM?

Se você souber que um grupo de hippies do Embu, em São Paulo , se diz descendente de guarani, muito bem, terão de ver se isso cola. Se colar do ponto de vista social, e não estou falando do ponto de vista jurídico, então colou. Costumo dizer que, no Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é. Quem não quer ser é quem ativamente se distingue. Para facilitar: digo que é índio aquele que pertence a uma comunidade que se pensa como tal. Também não estou levando em consideração o DNA. Mais recentemente, divulgou-se um estudo segundo o qual a presença do negro e do índio é muito mais alta do que se suponha na média do patrimônio genético brasileiro. Somos algo como 33% de índio, 33% de negro, 33% de branco. O que nos leva a supor que o estupro foi uma prática muito usual. É claro que os genes vieram pelas mulheres negras e índias, submetidas ao homem branco.

DIZ-SE QUE 49,5% DOS 225 POVOS INDÍGENAS DO BRASIL SÃO CONSTITUÍDOS, CADA UM, DE NO MÁXIMO 500 INDIVÍDUOS. VEM DAÍ A IDÉIA DE QUE É POUCA GENTE PARA MUITA TERRA?

Mas no Estado de Roraima há meia dúzia de arrozeiros fazendo esse estardalhaço todo. Meia dúzia! Também não é pouca gente? Como é que comunidades tão pequenas podem ameaçar o Brasil? Só se forem criar Estados de Mônaco. Utilizar o índio como modelo de latifúndio, como se tem feito, é um prodígio de má-fé. Índio também vende madeira? Claro que vende. Mas só ele? E os outros?

DESSES 225 POVOS, 36 TÊM POPULAÇÕES PARTE NO BRASIL, PARTE EM PAÍSES VIZINHOS. NÃO É UM POTENCIAL DE CONFLITO IMENSO?

Se algum país está o preocupado com isso, certamente não é o Brasil. O fato de haver guaranis no Brasil e na Argentina é mais problema para o vizinho. Compare as duas populações, compare o tamanho dos países. Ter ianomâmis no Brasil e na Venezuela sempre foi complicado para o lado de lá, porque a Venezuela tem petróleo. Mas agora o Brasil também tem, nem precisamos ficar mais com complexo de inferioridade (risos). Qualquer tentativa de ver um problema aí é artificial. O que se sugere? Que se levante uma cortina de ferro para impedir que os ianomâmis passem de um lado para o outro? Por que índios podem cruzar a fronteira Brasil-Uruguai livremente, e não podem cruzar a fronteira Brasil-Venezuela? Por que temos medo do Chávez? Ter comunidades dos dois lados faz da fronteira uma zona de frouxidão. Será que é isso? A fronteira mais complicada do Brasil, hoje, é com a Colômbia, por causa das Farc, e os índios não têm nada a ver com isso. Aliás, eles atrapalham a guerrilha.

POR QUÊ?

Porque há mais presença do Estado nas áreas onde vivem. Não vejo como os índios possam perturbar a segurança de nossas fronteiras e, lembrem-se, populações binacionais existem em várias partes do mundo. Pensemos também no bilingüismo. Até final século 18 em São Paulo falava-se a língua geral, o nhangatu, uma derivação do tupi. Foi uma língua imposta pelos missionários, até hoje ouvida em alguns locais da Amazônia. Mas ainda ouvimos cerca de 150 línguas indígenas, o que representa uma diversidade incrível. Algumas dessas línguas são tão diferentes entre si quanto o português do russo, até porque pertencem a troncos diferentes. E são faladas por indivíduos bilíngües, que adotam também o português no dia-a-dia.

DIGAMOS QUE OS NÃO-ÍNDIOS DEIXEM A RAPOSA. OS ÍNDIOS DE LÁ PODERÃO PLANTAR E FAZER LUCRO? PODERIAM VIRAR ARROZEIROS?

Sim, podem plantar e vender. Podem até virar arrozeiros. Mas terão de produzir dentro de limites muito estritos, sujeitos a leis ambientais severas, não se esqueça de que a reserva integra o Parque Nacional de Roraima. Também não podem explorar o subsolo, a não ser o que há no solo de superfície. Mas francamente acho que a população indígena jamais entrará de cabeça no modo de produção do agronegócio, que eu chamo de modelo gaúcho, porque isso simplesmente não bate com seu modelo de civilização. Por isso insisto tanto em dizer que estas não são terras de índio, mas terras de usufruto dos índios. Nunca houve polêmica sobre a definição de reserva, porque se sabe que o domínio das terras é da União. Isso é inclusive a maior garantia para os índios. No dia em que não houver mais, eles serão invadidos imediatamente. Inclusive pelo Brasil, inclusive pelos arrozeiros. Só que no sentido técnico essa invasão já houve. Os índios não têm soberania porque já a perderam e se renderam. Suas populações foram invadidas, exterminadas, derrotadas. O que eles querem é que os direitos de vencidos sejam respeitados. Não se pode infligir uma segunda derrota a eles. Isso é contra as leis, contra tudo.

OU SEJA, O QUE PARECE PRIVILÉGIO É DIREITO DE VENCIDO?

Inimigos muito mais graves foram mais bem tratados, quando vencidos. Veja o que aconteceu com os alemães depois do final da guerra. Com todos os tribunais e punições que se seguiram, o país foi reconstruído das cinzas. E o que dizer da guerra implacável contra os índios? Foram exterminados, tratados como bichos, escorraçados por um discurso de língua de cobra em que metade diz que vai defender a pátria e metade vai colocar o dinheiro no bolso. Não, os índios não estão em guerra com o Brasil. Os da Raposa brigam com meia dúzia de arrozeiros que, por sua vez, não representam o Estado brasileiro.Uma coisa me parece estranha: encarregado pela ONU, o Exército brasileiro lidera uma missão militar no Haiti, mas não consegue tirar de uma reserva indígena seis fazendeiros?

A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ESTÁ FAZENDO 20 ANOS. O QUE REPRESENTOU PARA OS ÍNDIOS?

Foi um avanço, mas ainda falta regulamentar muita coisa. É impressionante como a Constituição tem inimigos. Todo mundo quer tirar dela uma lasca, com cinzel e tudo. O artigo referente aos direitos indígenas é um dos mais visados. Há pelo menos 70 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, nesse campo específico, e todos pretendem diminuir as garantias do direito às terras. Mais de 30 dessas proposições querem alterar os procedimentos de demarcação. Buscam reverter processos administrativos. Os oito deputados federais do Estado de Roraima apresentaram projetos para suspender a portaria que criou a Raposa Serra do Sol. Toda bancada é contra a reserva. O projeto de regulamentação para mineração, do Jucá, é primor de como se pode erodir direitos, comendo o pirão pelas beiradas. Em compensação, o projeto de lei que substitui o Estatuto do Índio está há 14 anos parado no Congresso. O que existe, claramente, é a tendência de redução de proteção jurídica aos povos indígenas. E, conseqüentemente, de redução da presença e da soberania da União nessas áreas.

O SENHOR DESENVOLVEU UMA TEORIA CONHECIDA NO MUNDO TODO COMO “PERSPECTIVISMO AMAZÔNICO”. É VISTA COMO UMA GRANDE CONTRIBUIÇÃO À ANTROPOLOGIA.

Não sou eu quem vai dizer isso...

MAS PARECE QUE O SENHOR CONSEGUIU INVERTER O PONTO FOCAL, DIGAMOS ASSIM, DOS ESTUDOS INDÍGENAS. É ISSO MESMO?

Fiz um trabalho teórico que não é só meu, é dos meus alunos também. Faço uma experiência filosófica que no fundo é muito simples. Temos uma antropologia ocidental, montada para estudar os outros povos, certo? O que aconteceria se vocês imaginassem uma antropologia feita do lado de lá, ou seja, do ponto de vista indígena? Foi isso que me levou a entender que, para os índios, a natureza é contínua, e o espírito, descontínuo. Os índios entendem assim: há uma natureza comum e o que varia é a cultura, a maneira como me apresento. Daí a preocupação de se distinguir pela caracterização dos corpos. E as onças, como se vêem? Como gente. Só que elas não nos vêem como gente, mas como porcos selvagens. Por isso nos comem. Enfim, para os indígenas, cada ser é um centro de perspectivas no universo. Se eles fizessem ciência, certamente seria muito diferente da nossa, que de tão inquestionável nos direciona a Deus, ao absoluto, a algo que não podemos refutar, só temos de obedecer. Os índios não acreditam na idéia de crer, são indiferentes a ela, por isso nos parecem tão pouco confiáveis (risos). No sermão do Espírito Santo, padre Antonio Vieira diz que seria mais fácil evangelizar um chinês ou um indiano do que o selvagem brasileiro. Os primeiros seriam como estátuas de mármore, que dão trabalho para fazer, mas a forma não muda. O índio brasileiro, em compensação, seria como a estátua de murta. Quando você pensa que ela está pronta, lá vem um galho novo revirando a forma.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O Desenvolvimento e o Consumo podem ser EMANCIPATÓRIOS

Selecionamos abaixo alguns vídeos que mostram a experiência do Conjunto Palmeiras, de Fortaleza, no Ceará. Esta comunidade, inspirada nos princípios da Economia Solidária faz o enfrentamento da crescente exclusão social e econômica de sua população, articulando em rede as pessoas que nela vivem e suas iniciativas locais. A experiência ganha impulso com a criação do Banco de Crédito Comunitário – BANCO PALMAS – que, a partir de uma moeda própria, fomenta a geração de trabalho e renda na própria comunidade. Crédito local para a Produção e Consumo locais. Resultado: Desenvolvimento com o protagonismo das pessoas que lá vivem, forjando uma forte identidade coletiva e um forte sentimento de pertença capazes de enraizar e de constituir uma verdadeira comunidade.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O Coletivo de Desenvolvimento Sustentável promove debate no Fórum da Emater

Formação

O Coletivo de Desenvolvimento Sustentável do Semapi promoveu um debate com o coordenador estadual dos Assentamentos do MST, Alvaro Delatorre, na manhã desta quinta-feira, dia 10. A atividade foi oferecida aos representantes de área da Emater com o objetivo de ampliar a pauta e aglutinar forças com os movimentos sociais.

Segundo a coordenadora do Coletivo, Iara Aragonez, o Sindicato deve dar conta da luta específica da categoria, mas também fazer a conexão com as lutas estratégicas da sociedade. “Para isso, nosso Coletivo busca atuar em quatro eixos: Consumo e Sustentabilidade; Formação; Sustentabilidade e Movimentos Sociais e Sustentabilidade e Movimento Sindical”, explica.

Na visão do Coletivo, a luta não se faz sozinha, mas a partir de uma aglutinação de forças para enfrentar o modelo econômico neoliberal que valoriza o grande capital financeiro. Frente a isso, o Coletivo está participando da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) que unifica os movimentos sociais, sindical e estudantil. Em março deste ano, iniciou uma articulação nacional chamada “Jornada Unificada de Luta: campo e cidade juntos”. Esta será uma ação permanente que pretende unir os movimentos em pautas comuns.

“Nós pretendemos fazer esse debate para sensibizar nossa categoria. Precisamos nos enxergar nessa luta maior”, salienta Iara. A diretora cita como exemplos de conexões das lutas duas bases importantes do Semapi, a Emater e a Fepam, onde mesmo as questões corporativas estão relacionadas com o enfrentamento com as transnacionais. “Nas duas instituições, o desmantelamento que sofrem e as distorções de suas missões ocorrem justamente para dar condições para que o grande capital se estabeleça no estado”.

Mas o Coletivo tem clareza que para a categoria compreender a necessidade da aglutinação de forças é preciso formação política. “Por isso, queremos aproveitar todos os espaços em que os representantes de base estejam reunidos para inserir a pauta da luta contra a hegemonia do grande capital no estado”. Essa ação foi inaugurada no Fórum da Emater com a presença do Alvaro Delatorre para fazer uma análise da situação política estadual. Em breve publicaremos no site do Semapi uma entrevista exclusiva com o dirigente do MST.

Plenária da CMS

O Coletivo de Desenvolvimento Sustentável convida a todos os representantes de Porto Alegre para a Plenária da CMS no dia 14 de abril, às 18h, na Federação da Alimentação (Rua Jerônimo Coelho, 303 Porto Alegre). A reunião irá debater as próximas mobilizações da Jornada Unificada. Além disso, o Coletivo se comprometeu em repassar aos representantes do Interior os interlocutores da Jornada em cada região para que nossos colegas possam se envolver e contribuir com o debate.

Fonte: Katia Marko, Engenho Comunicação e Arte

segunda-feira, 7 de abril de 2008

De Jéssia para Isabella

Escrito por Roberto Malvezzi
04-Abr-2008


Oi, Isabella. Fiquei sabendo de sua morte. Fiquei imaginando como alguém pode pegar uma criança como você, maltratar, asfixiar e depois ainda atirar pela janela do apartamento. Nunca consegui entender essa crueldade humana. Acho até que nem humanos são. Por isso, acho até normal que tanta gente se interesse pela sua morte, embora grande parte goste mesmo de sensacionalismo ou apenas de ganhar audiência em seus programas.


Queria lhe dizer que eu também já morri. Um dia, no assentamento que eu morava, tive que buscar água no canal de irrigação para o pessoal lá de casa. Era sempre assim. A gente não tinha água no assentamento e eu tinha que roubar uns 20 litros por dia para nossa família beber. Teve uns tempos que fui sem terra. No assentamento, eu e minha família éramos sem água. Então, um dia, quando eu estava roubando um balde de água no canal de quinze metros de altura, caí e morri.


Gente como eu, os sem terrinha, não tem muito espaço na mídia. Quem sente nossa falta são apenas nossos pais e nossos amigos. É só no coração deles que deixamos algum vazio. De resto, viramos estatísticas. Sabe, a gente entra numa lista, mas ninguém conhece o rosto que está por detrás daquele número. São muitos que morrem aí por essas beiras de estrada, debaixo da lona preta, seja por um motivo ou por outro. Quando acontecem chacinas, as crianças também são mortas, assim como jovens e adultos. Mas a gente só busca ter um pedaço de terra, ter uma casa, poder estudar, ter os bens que todo mundo tem, como uma TV, uma geladeira e até mesmo um celular. Queremos também um Brasil justo e decente. Nem vamos falar dos adolescentes e crianças que morrem por arma de fogo, no tráfico, ou aqueles que morreram ainda na infância de dengue, fome, sede e outras misérias. O país onde nascemos ainda não é um lugar para gente. Nós duas sabemos bem.


Pois é, agora estamos as duas do lado de cá. Já não temos distância, tempo, classe social, nem preconceitos a nos separar. Vamos nos encontrar e sair brincando por aí. O infinito é nosso limite.


Roberto Malvezzi é coordenador da CPT.
Matéria retirada do "Correio da Cidadania" -
www.correiocidadania.com.br

domingo, 30 de março de 2008

Colheita do Arroz Ecológico








Estas são algumas das imagens que registrei sexta-feira, dia 28 de março, participando da Abertura da Colheita do Arroz Ecológico dos Assentamentos do MST da grande Porto Alegre/RS. A atividade foi no Assentamento 30 de maio em Charqueadas, coordenada pela Cooperativa de Produção Agropecuária de Charqueadas (COPAC). Celebraram juntas, as famílias dos assentamentos de Nova Santa Rita, Viamão, Guaíba, Eldorado do Sul e Tapes.

Aproveito essa vivência para avançar em nossas reflexões sobre SUSTENTABILIDADE e DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

O que vi lá, para além do arroz ecológico?

Vi homens, mulheres e crianças de cabeça erguida. Seguros do caminho que trilham. Com muita dignidade e paciência histórica. Conversei com muitos (as) que, depois de esperarem, acampados debaixo de lona preta, beira-de-estrada, por quatro, cinco, seis anos, finalmente desfrutam do ASSENTAMENTO. Vitória? Sim, porém, muita luta ainda pela frente. Moradia, educação, infra-estrutura, crédito, assistência técnica, equipamentos, insumos, produção, comercialização e o permanente desafio da construção coletiva. Nada vem pronto e para essa gente que luta pela sobrevivência desde sempre, nada é fácil. Ou melhor, tudo é muito difícil.

Entretanto, há uma magia nessa saga. Pois, forja poetas, “bruxos”, “curandeiros”, declamadores, cantantes, pajadores e guerreiros, no bom sentido, guerreiros. ARTISTAS, se retiro desse conceito alguns dos seus significados, como SENSIBILIDADE e TALENTO. Agrego ainda características como a capacidade de ensinar e de aprender o tempo todo. Dentre os ensinamentos o de que o tempo, a organização, a solidariedade, a tolerância, a tenacidade e a mística, são parte da vitória. E mais, que a vitória também depende do seu protagonismo na luta por políticas públicas que dêem conta de todas essas dimensões.

Ou seja, o movimento social forja seres integrais.

Mas, e o que isso tem a ver com sustentabilidade e desenvolvimento sustentável?

Eu não vou me ater em aprofundar essa reflexão. Opto por recorrer àqueles que já se debruçaram sobre o assunto e nos traduzem com muita sabedoria significados que nos permitem compreender a partir de referenciais científicos.

Aqui apenas destaco que a sustentabilidade está estreitamente vinculada a aspectos sociais, culturais, políticos, ético e étnico, para além do ambiental. De nada nos serviria um ARROZ ECOLÓGICO se este fosse fruto de processos que nos apresentassem como resultante social e psicológica, pessoas subordinadas, exploradas, embotadas, tristes, incapazes de sonhar coletivamente e de projetar um futuro digno para si, para os seus filhos e para a coletividade.

A experiência do MST e de outros processos sociais e econômicos, que têm nas pessoas a centralidade, têm muito a nos ensinar nesse sentido.

Mas, nesse exato momento, lembro de uma citação encontrada no livro “A TEIA DA VIDA” de Fritjof Capra, que diz o seguinte: “Isso nós sabemos. Todas as coisas são conectadas como o sangue que une uma família... O que acontecer com a terra acontecerá com os filhos e filhas da terra. O Homem não teceu a teia da vida, ele é dela apenas um fio. O que ele fizer para a teia estará fazendo a si mesmo”.

O grifo (negrito) é meu, pois acho uma afirmação perfeita e nos alerta para que não nos baseemos em valores estritamente antropocêntricos (centralizados no ser humano) e sim em valores ecocêntricos (centralizados na terra). Este último nos inclui e dá conta de todos os seres vivos. Segundo Capra, “...quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo...”.

Bem, devo parar.

Abaixo, um texto do Dr.Francisco Roberto Caporal (no pé de página do texto encontram-se as informações curriculares) que, de forma científica, objetiva e muito pedagógica nos fala sobre o significado da Agroecologia. Segundo ele, a mesma, nos faz entender “que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania...”.

Mais abaixo, ainda para avançarmos na compreensão da SUSTENTABILIDADE, um texto do meu querido amigo Roberto Marinho (Diretor do Departamento de Estudos e Divulgação da Senaes – Secretaria Nacional de Economia Solidária) que discorre sobre sustentabilidade de forma também muito pedagógica, nos ajudando a avançar na compreensão histórica desse conceito. O relaciona com a economia solidária, territorialidade, inclusão social e muito mais.

Boa Leitura!!!
Iara Borges Aragonez.

Agroecologia não é um tipo de agricultura alternativa

Por Francisco Roberto Caporal*

Ao longo deste artigo vamos tentar argumentar sobre a importância do uso correto dos nomes das coisas para que se tenha maior precisão nas estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de construção de tipos de agriculturas sustentáveis**, que possam impulsionar uma profunda mudança no meio rural e na agricultura, além de reorientar ações de Assistência Técnica e Extensão Rural, numa perspectiva que assegure maior sustentabilidade sócio-ambiental e econômica dos territórios rurais.

Como temos procurado alertar em outros textos, é comum a confusão quando se fala de tipos de agricultura alternativa e de Agroecologia, como se fossem a mesma coisa. Já faz muitos anos que, ao lado da implementação da agricultura convencional, agroquímica ou industrial, vêm sendo praticadas diferentes formas de agricultura que são sócio-ambientalmente mais adequadas. Nos anos 80, se convencionou chamar a estas agriculturas ambientalmente mais corretas de agricultura alternativa. De fato, existem muitos tipos de agriculturas alternativas, com diferentes denominações. Elas se orientam por determinadas linhas filosóficas, diferentes enfoques metodológicos, assim como diferentes práticas, tecnologias, uso de preparados ou, simplesmente, proibições e restrições de uso de certos insumos, etc. Dependendo do arranjo que seja adotado no processo produtivo, elas assumem diferentes denominações: Natural, Ecológica, Biodinâmica, Permacultura, Biológica ou Orgânica, entre outras. Contudo, estas escolas ou correntes da agricultura alternativa não necessariamente precisam estar seguindo as premissas básicas e os ensinamentos fundamentais da Agroecologia. Na realidade, uma agricultura que trata, por exemplo, apenas de substituir insumos químicos convencionais por insumos “alternativos”, “ecológicos” ou “orgânicos” não necessariamente será uma agricultura ecológica em sentido mais amplo.

Por outro lado, ainda nos anos 80, nascia a Agroecologia: um enfoque científico que iniciou com a tentativa de mostrar novas maneiras de integrar a Agronomia com a Ecologia, mas que, logo em seguida, viria a incorporar a importância do saber popular, sobre o ambiente e sobre o manejo dos recursos naturais nos processos produtivos agrícolas ou extrativistas, que foi acumulado pelas comunidades tradicionais ou camponesas ao longo dos anos, passando a articular, desta forma, o conhecimento científico com estes saberes.

Nesse processo de construção da Agroecologia como uma nova ciência, foram sendo incorporados aportes de outros campos do conhecimento: Sociologia, Antropologia, Física, Economia Ecológica, História e tantas outras que nos ajudam a entender e explicar a crise sócio-ambiental gerada pelos modelos de desenvolvimento e de agricultura convencionais e, ao mesmo tempo, contribuem para a gente pensar e construir novos desenhos de agroecossistemas (sistemas manejados pelo homem) e de agricultura que caminhem na direção da sustentabilidade. Na verdade, então, a Agroecologia, no seu sentido mais comum, é a ciência que nos ajuda a articular diferentes conhecimentos científicos e saberes populares para a busca de mais sustentabilidade na agricultura.

Assim, ao contrário da agricultura convencional baseada na Agronomia tradicional ensinada pela Revolução Verde, que sempre tende para a simplificação dos sistemas agrícolas, levando para o extremo, como são as monoculturas, a Agroecologia é uma ciência que se situa no campo da complexidade, razão pela qual exige um enfoque holístico (ver o todo) e uma abordagem sistêmica (relações entre as partes) para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis e, por isso mesmo, necessariamente mais complexos.

Ademais, desde a Agroecologia se entende, também, que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania. O antes mencionado serve como reforço à idéia segundo a qual os contextos de agricultura e desenvolvimento rural mais sustentáveis exigem um tratamento mais eqüitativo a todos os atores envolvidos –especialmente em termos das oportunidades a eles estendidas–, buscando-se uma melhoria crescente e equilibrada daqueles elementos ou aspectos que expressam os avanços positivos em cada uma das seis dimensões da sustentabilidade. Por isto mesmo, quando se fala de Agroecologia, está se tratando de uma orientação científica cujas contribuições vão muito além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção agrícola ou pecuária, pois esta ciência nos leva a incorporar dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade. Por esta razão o complexo processo de transição agroecológica não dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico, assim como não pode dispensar o saber popular.

A Agroecologia é, pois, um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas mais sustentáveis. Portanto, quando se está trabalhando a partir dos princípios da Agroecologia, aparece como central o conceito de transição agroecológica, entendida como um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, aproximando esses dos sistemas naturais onde estão inseridos. Esta idéia de mudança gradual se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades, por exemplo, do clima, solo e água de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais. Isto determina, também, que quando se trabalha a partir dos princípios da Agroecologia não há a possibilidade de transferência unilateral de pacotes tecnológicos, pois devem ser respeitadas as condições locais tanto dos agroecossistemas como dos sistema culturais dos grupos sociais que os estão manejando. Adicionalmente, é preciso enfatizar que o processo de transição agroecológica adquire enorme complexidade, tanto tecnológica como metodológica e organizacional, dependendo dos objetivos e das metas que se estabeleçam, assim como do “nível” de sustentabilidade que se deseja alcançar.

O que se está tentando dizer é que, como resultado da aplicação dos princípios da Agroecologia, pode-se alcançar estilos de agriculturas de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior. Mas, para respeitar aqueles princípios, esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais, apoiar a participação política e o empoderamento dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma agricultura sustentável. Logo, é fundamental que tenhamos um entendimento correto destes conceitos, para evitar que, dando nomes errados às coisas, possamos estar colaborando para reafirmar um equívoco, já que a Agroecologia como tentamos mostrar não é mais uma das agriculturas alternativas.

*Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (Universidad de Córdoba – España) e Extensionista Rural da EMATER/RS-ASCAR. Atualmente atuando como Coordenador Geral de Ater (MDA-SAF-DATE) – Brasília, 21/11/2005. E-mail: francisco.caporal@mda.gov.br -

**A expressão Agriculturas Sustentáveis (usada aqui no plural) pretende marcar a importância que o enfoque agroecológico dá às especificidades socioculturais dos atores sociais que trabalham na agricultura, assim como a necessidade de adaptação da agricultura aos diferentes agroecossistemas.